Noutros países, a mobilidade acompanha a evolução dos tempos, das dinâmicas populacionais e é uma prioridade de todos os Executivos.
Em Portugal, esta é sempre colocada em segundo plano e feita sempre de forma apressada a correr atrás do prejuízo ou com interesses ulteriores.
Bem-vindos a Portugal, o país da mobil(idade) da Pedra.
Em 2023, nunca tantos carros entraram em Lisboa e no Porto. O IC19/A37, entre Sintra e Lisboa, lidera com um tráfego médio diário (TMD) de 115 mil viaturas, seguindo-se a A20 e a A5, entre Vila Nova de Gaia e o Porto e entre Cascais e Lisboa, respetivamente, com cerca de 90 mil viaturas de TMD. Por outro lado, as autoestradas por todo o país registaram um TMD de 22 mil carros, o número mais alto dos últimos 15 anos.
E isto acontece por uma questão muito simples. O investimento realizado em infraestruturas de mobilidade, quando este acontece, é feito tardiamente e sem acautelar as necessidades dos cidadãos.
Começamos primeiro pela ferrovia. Em 1991, Portugal possuía 3.546km de rede, explorada em 88%. Em 2022, a rede aumentou para 3.622km de rede, mas apenas são explorados neste momento 2.527km, ou apenas 69% da rede.
É uma redução, à falta de melhor palavra, massiva e sem paralelo no continente europeu, o qual deve sempre assumir-se como melhor termo de comparação à realidade portuguesa.
Importa referir, neste contexto, que só há poucos anos é que foi eletrificada a Linha do Minho e só neste momento é que se encontra em curso as eletrificações da Linha do Oeste e do Algarve, investimentos que ficaram na gaveta quando se sonhava com um TGV em bitola europeia e quando se dizia que “um aeroporto na margem sul, jamais¸ aquilo é um deserto”.
Bem-vindos a Portugal, o país da mobil(idade) da Pedra.
Felizmente, os tempos mudaram. Mas mudaram tardiamente e não totalmente.
Por outro lado, na ferrovia, há também um problema de material circulante, ou seja, comboios, automotoras e carruagens. Importa referir que as automotoras mais recentes que temos em circulação têm mais de 20 anos e correspondem à série 3400 da CP que neste momento circulam nos Urbanos do Porto. Os Alfas Pendulares, o material circulante topo de gama da CP, foram adquiridos em 1998 por exemplo, onde ainda se falava do bug do milénio Y2K e as redes sociais eram algo de ficção científica.
Depois, nas Grandes Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa, os investimentos previstos e em curso denunciam a esquizofrenia de tutelas de decisão do Executivo socialista dos passados 8 anos, tendo em conta que estes são decididos pelo Ministério do Ambiente, ao contrário da restante rede ferroviária nacional na tutela do Ministério das Infraestruturas.
Assim, no Porto, está em andamento a fase de projeto da 3.ª fase de expansão do Metro do Porto onde é prometido mais 37 quilómetros de rede e 38 novas estações, mas, dessa expansão, cerca de 22 quilómetros poderão corresponder a linhas de autocarro a hidrogénio (também conhecido por “Metrobus”).
Se causar estranheza ao leitor a expansão dum sistema de metropolitano com a apresentação de linhas de autocarro, não se preocupe porque não é o único.
No entretanto, encontra-se em fase de conclusão uma linha totalmente subterrânea deste metro ligeiro de superfície (a Linha Rosa), uma expansão da atual linha amarela até Vila D’Este e o início das obras da futura Linha Rubi entre o Porto e Vila Nova de Gaia, no valor cumulativo de 946 milhões de EUR.
Estes quase 1.000 milhões de EUR devem-se ao facto de que estas linhas envolvem a construção de viadutos, túneis e estações subterrâneas para um sistema de “metro” que, à superfície, circula mais lento que um elétrico e tem estações do tamanho de abrigos de autocarro.
Igualmente e, pela “módica” quantia de 76 milhões de EUR, decidiu-se substituir um projeto de Metro na principal avenida da cidade, a Avenida da Boavista, por um projeto de autocarros a hidrogénio.
Numa das cidades mais pluviosas do país, muitos cidadãos nem pensam duas vezes e preferem utilizar o carro a um Metro do Porto que, passados 21 anos desde a sua inauguração, ainda não sabe se é Metro, se é elétrico ou se é um autocarro a hidrogénio.
Bem-vindos a Portugal, o país da mobil(idade) da Pedra.
No que diz respeito a Lisboa, temos em curso uma Linha Circular que vai retirar o acesso direto a centenas de milhares de cidadãos em Odivelas ao centro da cidade de Lisboa, obrigando-os a fazer transbordo na estação do Campo Grande e, por outro lado, com um custo estimado de 527 milhões de EUR, apresentou-se uma Linha Violeta do Metro de Lisboa que aniquila o projeto inicial de expansão direta da Linha Amarela de Metro Pesado à Ramada e ao Infantado e substitui-o por um “Metro do Porto 2.0 que não sabe se é elétrico ou Metro” com menos capacidade, menos velocidade e menos conforto nas estações.
Duma assentada, Odivelas e Loures perdem um metro pesado que os colocaria de forma direta no centro da cidade de Lisboa, por contrapartida a um sistema que no pior das hipóteses, os obriga a dois transbordos, um tempo de viagem significativamente maior e roupa encharcada em dias de chuva.
Bem-vindos a Portugal, o país da mobil(idade) da Pedra.
Por último, referir a situação de Coimbra, uma cidade que, do nada, vê uma linha ferroviária, a Linha da Lousã, transformar-se, primeiro, em “Metro do Porto 2.0 que não sabe se é elétrico ou Metro” e, neste momento, estar em curso a sua transformação para uma linha de autocarros elétricos, com muito menos capacidade que um comboio e menos capacidade que um Metro ligeiro.
Isto é o resultado de 8 anos de Executivo socialista, com as melhores políticas monetárias possíveis do Banco Central Europeu.
Não deixa de ser irónico que o partido que mais critica o encerramento das linhas do Corgo, do Tua, do ramal de Viseu, entre outros pequenos traçados no decurso da governação de Cavaco Silva entre 1985 e 1995 tenha, em 8 anos:
- transformado linhas de metro ligeiro em linhas de autocarro;
- transformado linhas de metro pesado em linhas de metro ligeiro;
- encerrado linhas de ferrovia pesada para construir linhas de autocarro.
E se a crítica é feita às opções cavaquistas, estas opções tomadas nos últimos anos foram feitas com o maior aval de todos os stakeholders, desde autarcas à comunicação social.
Porque se temos uma mobil(idade) da Pedra, somos pré-históricos em tudo o resto, começando na política.