“Estamos aqui para renovar o contrato social Europeu, comprometendo-nos, cada um ao seu nível, para desenvolver respostas inovadoras e inclusivas”, afirmou recentemente António Costa.
Quando o Primeiro-Ministro de Portugal proferiu estas palavras, realçava a necessidade de uma transição inclusiva e conjunta para o clima e a tecnologia digital. Mas as palavras também podem aplicar-se ao setor das Ciências da Vida e da Biotecnologia. Como a pandemia COVID-19 mostrou ao mundo, a inovação sustentável na saúde e o diálogo entre a indústria e os reguladores é também inestimável para as sociedades e economias.
Como é que tal pode ser feito? Bem, há vários exemplos em todo o mundo onde os benefícios dos clusters biotecnológicos sustentáveis já são visíveis. Em Boston, Massachusetts, por exemplo, existe um ecossistema biotecnológico totalmente consolidado, capaz de integrar e potenciar conhecimentos e tecnologia biomédica de classe mundial (Universidade de Harvard e MIT), hospitais líderes em investigação e empresas de sectores transversais, tais como finanças, informática e ciências de dados. Desta forma, o cluster de Boston tem mostrado como o diálogo interdisciplinar e o trabalho conjunto podem ser valiosos na criação de um ambiente sustentável para a inovação, garantindo oportunidades contínuas de investimento e de disseminação de conhecimentos especializados.
Mais recentemente, os Países Baixos mostraram-nos que isto pode também ser concretizado aqui, na Europa. Desde há alguns anos, este país tem dedicado o seu coração e mente às Ciências da Vida, lançando uma enorme ofensiva de charme dirigida a esta indústria. Tal aconteceu depois de as Ciências da Vida terem sido identificadas pelas autoridades holandesas como um setor estratégico fundamental, com o estabelecimento de vários organismos públicos dedicados à construção de infraestruturas locais e à atração de empresas estrangeiras de Ciências da Vida, em particular de empresas americanas.
Atualmente, os Países Baixos apresentam um dos mais densos clusters de Ciências da Vida e Saúde na Europa, com mais de 420 empresas biofarmacêuticas e 2.900 empresas de I&D em Ciências da Vida, 12 universidades de investigação, 85 hospitais e cerca de 200 parcerias público-privadas. O país foi recentemente considerado, num artigo publicado pela revista Nature, como o sexto país a nível mundial com maior número de empresas biotecnológicas sediadas. A decisão da UE de transferir a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) para Amesterdão, no rescaldo do Brexit, é o derradeiro símbolo desta campanha de charme direcionada para as Ciências da Vida.
E Portugal? Bem, Portugal pode ter as condições ideais para se distinguir nas Ciências da Vida. À semelhança dos Países Baixos, Portugal tem tido um desempenho acima da média no que toca a investigação e inovação em Ciências da Vida. De acordo com a P-BIO, (a Associação Portuguesa de Bioindústria):
- cerca de 10% de todas as patentes biotecnológicas internacionais submetidas provinham de inventores portugueses – ou seja, quase o dobro da média da UE e da OCDE;
- Portugal tem gerado uma onda de desenvolvimentos dinâmicos de conhecimento, criação de valor e aproveitamento de infraestruturas líderes mundiais em investigação, tais como o Biocant Park;
- Os indicadores de I&D em Portugal estão entre os melhores da Europa e a percentagem de publicações internacionais sobre Biotecnologia está acima da média europeia.
Mas, em última análise, um ecossistema biotecnológico bem-sucedido depende também da sua abertura internacional e esta é uma lição que podemos aprender com os Países Baixos. A estratégia holandesa na área das Ciências da Vida é de abertura, procurando atrair empresas internacionais e integrar-se no ecossistema global da inovação biotecnológica. Por exemplo, em 2019, o país deu início a uma parceria internacional com outro brilhante exemplo de um ecossistema biotecnológico – Massachusetts, EUA, permitindo não só explorar os valiosos recursos, talentos, aprendizagens e investimentos presentes em Boston, mas também contribuir para o crescimento e sustentabilidade do espaço de inovação de Massachusetts. Estar orientado internacionalmente desta forma pode trazer novas oportunidades para, de forma semelhante, se envolver e atrair talento, investimento e liderança científica internacional de todo o mundo.
Portugal pode, e deve, fazer o mesmo. Tal como os Países Baixos, o primeiro passo é reconhecer que a inovação nesta área é um investimento estratégico e não um custo. E os Países Baixos não são um exemplo único. Existem diversos ecossistemas biotecnológicos emergentes que seguem estratégias semelhantes, em locais como a Suíça, Inglaterra, Bélgica e, cada vez mais, Itália.
É claro que é mais fácil falar do que fazer. Assegurar que os novos medicamentos e tecnologias de saúde cheguem aos doentes que deles possam beneficiar assim que estejam disponíveis tornou-se cada vez mais complexo nos últimos anos, pelo que necessitamos de ser inovadores de uma forma que garanta o rápido acesso à inovação, enquanto se assegura a concretização dos benefícios mais alargados da inovação.
Há muitas ideias que estão a ser desenvolvidas para este fim. No Reino Unido, por exemplo, existem numerosas parcerias público-privadas para reduzir os custos de produção de tecnologia de ponta ou para potenciar biobancos e dados do NHS (equivalente ao SNS em Portugal) para atrair investimento privado, acelerar investigação e encontrar soluções inovadoras e sustentáveis para o acesso à inovação biomédica.
Mas propor e ser pioneiro em ideias disruptivas requer diálogo. Requer um entendimento mútuo entre líderes biotecnológicos, empresários, investidores, autoridades públicas, clínicos e doentes sobre as especificidades e os desafios do setor.
Precisamos de uma visão comum – um novo Pacto Social da Biotecnologia em Portugal – para reconhecer a necessidade de investimento na inovação a nível interno, e de diálogo e cooperação sustentável com os mercados externos.