Como era já previsível, o primeiro dia do debate do Programa de Governo debruçou-se sobre tudo menos sobre o Programa de Governo. Desde Coca-Colas até ao cargo de António Costa no Conselho Europeu, tudo contou para o guião seguido à risca, num teatro em que até o Presidente da Corte de Dona Constança não resistiu ao aparte quando se viu visado nas falas dos atores. Tudo menos o Programa de Governo – razão pela qual ali estavam…

O Programa de Governo apresentado contém ao todo 293 propostas dos partidos da oposição, 224 das quais naturais do JPP – que namoro engraçado –, 84 vindas do PAN – uma reconciliação depois do divórcio –, 70 provenientes do CH – tão deliciado andou Miguel Castro com as respostas de Miguel Albuquerque –, 47 provindas do PS – só para que não haja romance no bloco central –, 40 do CDS – tão estranho casamento que merece menos atenção que a amante –, e 28 da Iniciativa Liberal – talvez a falta de Coca-Colas levou a que não mais energia houvesse para mais incluir. O critério para a sua seleção? É desconhecido, mas parece que nenhum destes partidos quis saber quais as linhas que orientaram o Executivo na escolha de tais propostas.

Nenhum dos felizes contemplados com propostas de um Programa de Governo, que nem é o seu, foi hábil o suficiente para se regozijar com o facto do executivo ter aproximado as suas posições das posições que há menos de um mês combatia ferozmente. Aliás, nenhum desses partidos foi capaz de criticar o Programa de Governo, sem que tivesse sido feita uma única intervenção que colocasse em causa o documento entregue, o que só beneficia quem o apresenta, e defende.

Tudo se baseou na figura de Miguel Albuquerque. Não foram capazes de ir além – porque, se calhar, não têm ou não sabem como lá ir. Todas as narrativas exaustivamente propaladas na campanha eleitoral foram nesciamente repetidas no primeiro dia da discussão do Programa de Governo – parece que para além de cometerem erros são incapazes de os reconhecer, ou, pior ainda, sequer de os corrigir. Tais estratégias culminaram nos resultados calamitosos que dividiram um parlamento, onde encontrar uma maioria de direita só com o Chega, e uma maioria de esquerda só com partidos da direita. A ambição de virar a página estagnou na primeira escorregadela.

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Unânime pareceu a recusa de uma nova crise política – como se a última tivesse sequer acabado – e, por isso, a ideia de repetição de novas eleições a tão poucos meses de outras terem ocorrido parece ter sido consensual. Mais curioso é que essa repetição apenas depende do sentido de voto, de responsabilidade, de consciência, e de seriedade daqueles que foram eleitos. Fica difícil refutar um ineditismo de em ano e meio realizar três eleições regionais de enfiada, ao mesmo tempo que se renega as responsabilidades de tal hipótese como se incita também à criação beligerante das condições necessárias para que ela seja, efetivamente, uma realidade muito próxima.

Houve ainda um outro ponto unânime entre todos os partidos da oposição – a existência de condições para a aprovação do Orçamento Regional do corrente ano, em Fevereiro. Ora, no último artigo aqui publicado fica explícito o porquê de não haver cabimento estatutário, constitucional e político para a aprovação do Orçamento Regional em tal altura. Mas, enveredemos, então, pela narrativa que PS, JPP, CH, IL e PAN agora teorizam. Na altura da aprovação do Orçamento Regional, a operação judicial estava ainda quente e fresca na memória de todos os madeirenses e porto-santenses, estava ainda quente e fresca na praça pública, estava quente e fresca no debate político, estava quente e fresca no comentário vulgar em cada esquina, tasca ou café. Nem os mais fanáticos religiosos concebem que quer o PS, como o JPP, como o CH, como a IL, e como o PAN – este último ainda mais hipócrita do que todos os outros –, tivessem, nas condições políticas em que o período de discussão e votação do Orçamento se encontrava, assumido a responsabilidade de viabilizar um Orçamento protagonizado por alguém que tinha sido alvo de buscas e no qual recaem suspeitas de alegada corrupção – razão pela qual, exatamente, hoje, recusam passar o seu Programa de Governo. Estas forças políticas, atualmente, conseguem encarar a hipocrisia de tal forma, ao ponto de desafiar as leis do descaramento que seriam, obviamente, violadas quando confrontadas com tal realidade.

Veja-se bem que, hoje, a justificação para o chumbo do Programa de Governo (e com isso a queda do Orçamento) se centra, pura e simplesmente, no facto de ser protagonizado por Miguel Albuquerque. Querem todos estes partidos fazer crer que, em Fevereiro, teriam votado pela passagem do Orçamento Regional quando, praticamente seis meses depois da operação judicial ter determinado toda a crise política, utilizam o líder do Executivo como razão para o chumbo da moção de confiança?

A resposta estará certamente nos resultados eleitorais das últimas eleições, e há quem, ainda, não os tenha percebido. Até o próprio PSD, que em todo o debate foi, manifestamente, incapaz de dizer o óbvio.

Na mesma linha, todos os partidos da oposição cairão, se cumprirem o sentido de voto pré-anunciado, na casca de banana deixada pelo PSD, ao incluir um amontado de propostas da oposição, por acabarem a votar contra as propostas que andaram meses e anos a fio a defender. Em contraposição, o PSD por força da sua maioria relativa foi obrigado a ceder à minoria relativa, podendo ficar os seus eleitores defraudados com tais cedências, tantas são as propostas acolhidas que, ao que parece, nem servirão para entrar em plenitude de funções – entenda-se, passar a moção de confiança. A verdade é que pouco ou nada, do Programa de Governo, se criticou.

Resumindo, ficaram-se pela discussão de uma instabilidade política, de que todos – sem exceção – têm a sua quota parte de responsabilidade, e pela história política passada – mas recente. Parece que se esquecem com uma ágil facilidade de que, como nos ensinou um grande autor, “o passado não está morto, nem sequer passou”.

18.06.2024