Continuou hoje a discussão do Programa de Governo na Madeira, e as novidades são poucas ou quase nenhumas, já que importa mais aos protagonistas discutir politiquices do que o próprio Programa de Governo. Sem Coca-Colas nem Bispos, lá se continuou o debate – ou, pelo menos, tentou-se.

Convém, a este propósito, recordar quem ocupa o lugar de Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, já que essa escolha deu o mote para os primeiros sinais de eventuais aproximações entre o PSD e o CH, com este último a subscrever a candidatura de José Manuel Rodrigues (Presidente do CDS), desprezando os seus próprios votos que lhes conferiam o dobro de mandatos atribuídos ao CDS – esvaído partido do Napoleão das Beiras destinado, pelos vistos, tanto pelo PS como pelo PSD, a presidir perpetuamente à Corte de Dona Constança.

Sensações à parte, até um cego plantado em galeras do fundo do mar pressentia a proximidade do CH ao Governo – o que dá forma às rumorosas insinuações de que a moção de confiança verá luz verde para arrancar no semáforo. Não só nos bastidores, mas também nas intervenções que foram sendo feitas por estes dias, a mansidão das criaturas denunciava um amarra que os unia, em prol de sabe-se lá do quê.

Se assim for, restará um sensacionalismo à direita pela assunção de responsabilidades, todas elas negadas pela esquerda e sepultadas pelas alucinantes “plataformas de entendimento”, na ridicularia de entregar à mão beijada um delirante sentido de responsabilidade aos mais famintos lobos em pele de cordeiro. Mais ainda quando os moderados que poderiam reclamar por esse posto, e não entregá-lo a quem quer tomar de assalto o Palácio de Inverno, menoscabam essa, quase, obrigação democrática e patriótica.

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Não fosse isso suficiente, a ladainha dos duodécimos boiou em água, e trouxe consigo um profundo desconhecimento da situação orçamental, ou, em contraposição, as verdadeiras intenções políticas com todo o arrastar sacramental de um crise política já com precedentes – recorde-se António Costa – na vida democrática do nosso país. Continua, a este respeito, a ser infame o estado melancólico com que o PS olha para a origem desta crise, tratando alhos por bugalhos e bugalhos por alhos, aplicando critérios a uns completamente diferentes a outros, e discutindo beltranos em vez de planos.

Uma economia assumidamente dependente, em larga medida, do sector turístico, não sobrevive bem num regime de duodécimos, como sugeriram as personagens das plataformas de entendimento, que ensaiaram a lengalenga da possibilidade de sobreviver sem orçamento, até que o Presidente da República tenha os poderes fáticos de dissolução na mão, a ver se em vez de Albuquerque lá conseguem enfiar Cafôfo ou Sousa – profunda questão nunca discutida na paródica declaração conjunta de princípios. A verdade é que seria mesmo sobreviver; sem projeções de futuro, sem investimento público, sem atualização salarial, sem capacidade para combater a inflação e sem respostas imediatas aos problemas das pessoas.

Acontece que as consequências de tal irresponsabilidade estão já a entrar pela vida das pessoas, mas isso parece não importar porque, até ver, o orçamento pode esperar. O que espanta é que ninguém seja chamado à colação, que pense primeiro nas pessoas e ponha de parte os egos, que se sente para (efetivamente) negociar, que ponha a mão na consciência e se desligue dos jogos partidários, que coloque a sua terra à frente do partido, que olhe para os outros e não tanto para si. Dizem-se tão diferentes, mas têm-se mostrado tão iguais.

Entretanto, os principais prejudicados, os madeirenses e porto-santenses, por aí andam fleumáticos – mas quase a explodir –, serenos – mas quase a esbravejar –, imperturbáveis – mas desgastados –, e pacatos – mas não burros. Não vertam, depois, lágrimas de crocodilo todos os que, para esta mexicanização, contribuem, porque a revolta popular da sociedade civil contraria a transumância a que os partidos se habituaram, e, provavelmente, tal revolta será fatal para o escanzelado rebanho de vaidosos provincianos.

O cenário não é cor-de-rosa e os próximos passos não são tão cristalinos. De quatro hipóteses possíveis, uma: ou há novas eleições no final de Janeiro do próximo anos; ou o PSD  reapresenta o Programa de Governo e substitui o seu líder – o que Albuquerque já descartou; ou os deputados do CH desligam as pilhas dos carros telecomandados e viabilizam a moção de confiança – podendo, eventualmente, passar a deputados não inscritos; ou o Representante da República convida o segundo maior partido a formar Governo – o que não passará de um expediente dilatório para adiar eventuais decisões que, mais tarde ou mais cedo, terão de acontecer.

A convocatória para a negociação chegou hoje à tarde, ao longo da discussão do Programa de Governo, facto que indicia o fracasso da prévia negociação, ou, no limite, o seu fracasso. Mais vale tarde do que nunca. Ainda assim, anda no ar um outro cenário, diria delirante, quase académico, que defende uma eventual retirada do Programa de Governo e, consequente, adiamento da votação da moção de confiança que a ele está subjacente – a ver se, até lá, os astros se alinham. Tal coisa só possível num país dominado por regulamentos, regimentos ou estatutos que carregam em si um mar de ambiguidades perfeitas para uns e fatídicas para outros.

Quanto ao mais, tudo dependerá de quem tem o poder de decidir, mas se se entendessem… dava uma grande ajuda!

19.06.2024