Portugal está inserido num espaço geográfico, a Europa, com muitos desafios pela frente no contexto geopolítico, económico e, até, social. Mas as oportunidades que se nos deparam são claramente superiores aos riscos que se podem identificar.

Recentemente, um analista partilhou que “nos últimos vinte anos a Europa fez o outsourcing da indústria à China, da energia à Rússia e da defesa aos Estados Unidos”.

Claramente, para que continuemos a ter uma perspetiva soberana sobre o nosso destino, temos de tomar conta destas três variáveis. A reindustrialização da Europa é inevitável — em algumas áreas mais do que noutras — e isso significará que Portugal pode ter um papel muito relevante: pela sua posição geográfica, pela capacidade que tem de levar um conjunto destas indústrias para o interior do país — contribuindo para uma maior coesão territorial e social —, e de trazer setores de valor acrescentado que possam claramente funcionar em complemento com a realidade atual, que está e irá ser alterada, fruto de toda a evolução tecnológica atual e que se avizinha.

Portanto, penso que todos os conceitos de nearshoring e friendly shoring vão tomar lugar durante os próximos anos e Portugal tem de se posicionar pela sua geografia, pelo talento das suas pessoas, pela estabilidade do país e, muito importante, pela disponibilidade territorial de poder acolher algum desse processo de reindustrialização.

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Em segundo lugar, temos de fazer uma melhor seleção das nossas prioridades comerciais. O país deve apostar em mercados de valor acrescentado superior e em mercados onde possamos ter uma valorização mais consequente dos nossos produtos. Não é novo, mas é muito relevante: temos de olhar para além da Europa, para países como a América do Norte, nomeadamente os Estados Unidos, e a Escandinávia. Temos de considerar o poder aquisitivo dos povos como uma obrigação em qualquer processo de exportação, e muito mais num processo de internacionalização — sobretudo com esta nova configuração geopolítica do mundo.

Na minha opinião, para termos sucesso neste processo de internacionalização – grande parte deve ser apoiado por instituições como o Banco de Fomento, para permitir que as empresas portuguesas possam assumir o lugar de empresas estrangeiras, através de processos de aquisição ou joint ventures – temos de ter a capacidade de apoiar empresas que possam vir a tornar-se líderes globais. Portugal não tem “campeões do mundo” suficientes, apesar de ter todos os recursos necessários: talento e posição geográfica.

Por trás de qualquer risco, existe sempre uma oportunidade e aproveitar as oportunidades que se nos deparam é seguramente muito mais relevante para o futuro do país do que tentar evitar os riscos pela frente. Nada é eterno e a configuração da nossa economia terá de ter uma menor dependência de um setor que respeito muito, o Turismo, para crescer em muitos setores onde os bens transacionáveis devem ser uma prioridade, pelo efeito de arrastamento e criação de clusters que isso pode ter em termos de outros setores e indústrias.

A reindustrialização da Europa, a escolha de novos mercados e o apoio a novas tecnologias e ciências são áreas em que temos talento suficiente para poder aproveitar esta onda e não ficar para trás, secundarizados por outros países. Estas são as prioridades que devemos tomar para Portugal.

Já aconteceu no passado e o país sempre soube responder.

No início da década de 2000 tivemos de responder a uma hecatombe no setor da cortiça, com a entrada de produtos e vedantes alternativos. Isto fez com que a Corticeira Amorim reforçasse a sua presença e rede mundial, tornando-se hoje na maior e mais complexa rede comercial do sector vinícola. Reforçámos competências de investigação e desenvolvimento, não só melhorando as aplicações mais relevantes, como as rolhas, mas desenvolvendo novas aplicações e apostando fortemente na sustentabilidade.

Temos a sensação de que há muito mais para fazer de e com cortiça do que foi feito até hoje, o que nos dá uma perspetiva altamente positiva sobre a evolução da nossa atividade futura.

Apesar de sermos um setor pequeno, temos uma ambição global e é isso que desejo ver para Portugal nos próximos anos.

António Rios Amorim é licenciado em Comércio Internacional. Foi presidente da Confederação Europeia de Cortiça e da APCOR – Associação Portuguesa de Cortiça. Presidente da Corticeira Amorim desde 2001, é membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.