Sebastião Bugalho é um menino muito especial e a Aliança Democrática (AD) revelou enorme coragem em escolhê-lo para cabeça de lista. Dar-lhe visibilidade é urgente para sensibilizar a sociedade de que estas pessoas são tão capazes como quaisquer outras.

Mas não só a AD está de parabéns. Está também a SIC, que ao pôr frequentemente Sebastião em horário nobre se estabeleceu como um farol da inclusão nos media portugueses. A amabilidade da estação com o Sebastião era tal — contaram-me — que deixavam a irmã Fátima, do centro paroquial, estacionar o carro lá dentro enquanto por ele esperava. Obrigado, SIC!

Depois de estar em antena a dizer o que entendesse com os adultos — que sempre o respeitaram muito —, lá ia o Sebastião, feliz, ter com a irmã Fátima, que, amorosa, lhe trazia sempre o seu pão com tulicreme.

«Coma tudo, Sebastião! Coma tudo para um dia ficar forte e tornar-se eurodeputado», dizia a Fátima enquanto lhe lia passagens do Tratado de Maastricht. Sebastião comia — e os seus olhos, quais estrelas douradas, brilhavam.

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«Sabe, Fátima, um dia vou ser político e vou propor que os países candidatos à União Europeia possam participar em reuniões do Ecofin só para perceberem como é o ambiente», desabafou-lhe uma vez. A irmã, espantada com a novidade das suas capacidades cognitivas, levantou as sobrancelhas e acenou com a cabeça. Deram um abraço e foram brincar para o parquinho do centro paroquial.

Mas, um dia, tudo mudou: enquanto Sebastião estava numa sessão de estimulação sensorial, um menino do centro escondeu-lhe o lanchinho. Sebastião ainda o viu fugir, mas não o apanhou. A partir daí, a criança doce e carinhosa nunca mais foi a mesma.

Afetado por uma insegurança visceral, nenhum menino do centro se podia rir perto de si, pois logo se sentia minimizado e lhe perguntava «Está-se a rir?». No recreio, se a sua equipa sofresse golo, parava o jogo e levava consigo a bola. Quando saía do banho, em vez de se vestir, perdia-se no espelho a mostrar os bíceps: «Tu és capaz!», dizia. Todos à sua volta achavam-no ridículo, mas, por pena, ninguém lhe dizia.

Com frequência comparavam-no com um boneco insuflável: a sua confiança era sabida plástica, alicerçada em ar e com funções cosméticas para esconder inseguranças. Se espetada, a mais fina agulha era capaz de rebentar o seu ego.

E ai de quem o contrariasse! Contam que, uma vez, na cantina, insistiu em chamar ervilhas a cenouras. A funcionária ainda tentou corrigi-lo, mas Sebastião, do alto da sua arrogância, mandou-a calar e ensinou-lhe que «aqueles objetos verdes, pequenos e esféricos» se chamavam «cenouras» e não «ervilhas».

Certa vez apresentaram-lhe os mestres. Noites sem fim a sonhar ser como eles; tardes investidas a treinar os seus gestos ao espelho; manhãs infinitas a perceber os seus guarda-roupas. Para nada: de Portas, coitado, falta-lhe a graça; de Marcelo, enfim, o charme; e de Pulido Valente, claro, a decência. Há quem nasça — e há quem não.

Foi também por essa altura que vestiu o espírito de burguês sem mundo: absolutamente sério e solene, incapaz do mais simples humor e convicto de que a sua opinião fará a terra parar de girar. Tudo isto, claro, encimado pelo mais típico dos parvenu: sobranceria.

É triste, foi triste, Sebastião Bugalho. Coitado, não tem culpa: esconderam-lhe o lanchinho e nunca recuperou. Enquanto sociedade progressista e inclusiva, cabe-nos integrá-lo: permitir que diga alarvidades sem que delas nos riamos (Paupério, controle-se); aceitar a sua egomania sem que a ridicularizemos (é um menino especial, deixem-no viver no seu mundo) e sublinhar que até pessoas com a sua condição podem ter cargos políticos (obrigado, AD).

Com certeza Sebastião dá o seu melhor — e estou em crer que os portugueses reconhecê-lo-ão. Como nos descobrimentos ou na neurociência, também aqui seremos pioneiros: os primeiros a eleger para a Europa um eurodeputado que não pode brincar com tesouras.