Todos sabemos o impacto que a pandemia associada ao vírus SARS-CoV 2 teve na vida das pessoas e o que irá significar para a economia do país. Mas o que não ouvimos falar e é preciso dizer é como vamos reabilitar as pessoas que estão a recuperar da doença num contexto em que é já difícil fazê-lo às pessoas com doenças respiratórias crónicas.

Esta introdução vem a propósito de se comemorar hoje o Dia Nacional da Reabilitação Respiratória que é um tratamento não farmacológico recomendado para todas as pessoas com doença respiratória crónica incluindo também as pessoas que tiveram COVID-19.

As doenças respiratórias crónicas têm um elevado impacto na qualidade de vida das pessoas, que se traduz em falta de ar durante o esforço originando diminuição progressiva da atividade física e criando um ciclo vicioso que pode originar dependência no autocuidado, ou seja, no desempenho de atos tão simples quanto cuidar da sua higiene, vestir-se e andar, condicionando a dignidade da pessoa cujo quotidiano se encontra afetado pela limitação funcional nas suas atividades básicas.

A Reabilitação Respiratória é o tratamento recomendado para estas pessoas na fase estável da doença consistindo num conjunto de exercícios físicos que melhoram a falta de ar e mantêm a massa muscular, aumentando a tolerância ao esforço e consequentemente a independência no autocuidado traduzindo-se invariavelmente na melhoria da qualidade de vida.

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Em Portugal a Reabilitação Respiratória é residual. Só cerca de 1% das pessoas que dela necessitam têm acesso a estes programas. Vale certamente a pena discutir qual ou quais as razões para este facto e perceber se estamos a fazer tudo o que podemos para aumentar essa acessibilidade.

Tradicionalmente a Reabilitação Respiratória é feita por uma equipa multidisciplinar que inclui Enfermeiros de Reabilitação que têm uma dupla intervenção, por um lado maximizam as potencialidades da pessoa implementando programas de exercício físico e por outro capacitam a pessoa e a sua família com outros recursos que permitam fazer face à intolerância à atividade nomeadamente a componente educacional promovendo uma vida fisicamente ativa.

Para nós, Enfermeiros de Reabilitação, representa um desafio enorme. A insuficiência crónica de enfermeiros (7,1 enfermeiros/1000 habitantes, abaixo da média da OCDE que é de 8,8 enfermeiros/1000 habitantes) e a falta de recursos materiais faz-nos trabalhar no limite das nossas forças físicas e psicológicas. Para as pessoas que dependem dos nossos cuidados representa o não acesso a um tratamento que melhora consideravelmente a sua qualidade de vida e fá-lo a baixo custo.

As medidas associadas ao combate à pandemia e a escassez de recursos humanos e materiais do SNS limitaram ainda mais o acesso à reabilitação respiratória por risco aumentado de contágio e por encerramento temporário ou redução acentuada de tratamentos nos centros de reabilitação. Agora que estamos finalmente a ver a luz ao fundo do túnel urge reverter esta situação e apostar claramente na Reabilitação Respiratória nos Centros Especializados (e são apenas 23 no país) e nos Cuidados de Saúde Primários.

Como sabemos os Enfermeiros estiveram na linha da frente no combate ao COVID-19. É publico, está na nossa matriz, sendo a nossa função a prestação de cuidados de enfermagem eficazes e seguros. Do mesmo modo também os Enfermeiros de Reabilitação estão onde sempre estiveram, junto destas pessoas a prestar cuidados de enfermagem de reabilitação com o objetivo de reduzir a dificuldade respiratória, aumentar a tolerância ao esforço, prevenir complicações e aliviando a ansiedade de forma a ajuda-las a retomar a sua independência funcional e regressarem à sua vida normal.

Percebo que, nesta fase, todas as atenções estejam viradas para o contexto hospitalar, é natural, não nos devemos, porém, esquecer que também existem outras pessoas com doenças respiratórias crónicas que necessitam de cuidados de saúde, neste caso de Cuidados de Enfermagem de Reabilitação e isso infelizmente não está a acontecer por manifesta falta de recursos humanos.

Neste cenário de escassez de recursos e de falta de equidade de acesso emerge a telereabilitação como forma de minimizar esta limitação.

O Ministério da Saúde, através da SPMS, desenvolveu a plataforma de teleconsulta RSE Live que permite a realização de teleconsultas em tempo real no SNS permitindo desta forma melhorar a acessibilidade aos cuidados de saúde. Não percebo, contudo, qual a razão da demora no acesso generalizado a esta plataforma. Torna-se absolutamente fundamental que esteja de facto em funcionamento em todo o país por forma a realizar programas de reabilitação respiratória em contexto de cuidados de saúde primários.

Creio ter chegado o momento do Governo pensar na Reabilitação Respiratória não como um custo mas como um investimento e optimizar por um lado a capacidade instalada nos cuidados de saúde primários alocando os Enfermeiros de Reabilitação já existentes às funções para que são necessários e por outro aumentar a contratação de mais Enfermeiros de Reabilitação de forma a respeitar as dotações que são manifestamente insuficientes. Numa altura em que o país irá receber elevado apoio comunitário não se irá perceber se mais uma vez não se investir em recursos humanos e materiais para colmatar esta falha na assistência de saúde a estas pessoas. Os nossos doentes merecem mais e melhor.