Muitos cidadãos portugueses já terão comparado as personalidades de Bruno de Carvalho e José Sócrates. Não haja dúvidas que ambos apresentam aspetos narcísicos muito significativos no seu funcionamento mental. Por exemplo: ambos apresentam ideias de grandiosidade e megalomania, gostam de ser o centro das atenções, estão fortemente autocentrados e dependem fortemente dos estímulos externos para a regulação da sua auto-estima, utilizam a desvalorização dos outros como forma de preservar uma imagem de territorialidade e superioridade que é só deles e são arrogantes, entre outras características que descrevem uma personalidade narcísica.

No entanto, apesar de ambos partirem de um narcisismo patológico, os caminhos psicopatológicos que o psiquismo de cada um escolheu vão desembocar em pontos de chegada bem diferentes.

Vejamos então: José Sócrates apresenta aspetos psicopáticos inegáveis que o terão levado à prática de crimes de corrupção que assumiram danos inimagináveis para a Economia do nosso país. Fê-lo, com certeza, com claridade de consciência no que respeita ao desrespeito pelas condutas sociais, éticas e morais que regem a nossa vida em sociedade. Ou seja, trata-se de uma “loucura sem delírio”, segundo o psiquiatra Esquirol, ou de uma “psicose agida” de acordo com psicanalistas contemporâneos. Assim sendo, em José Sócrates a tendência à falsidade, a ausência de remorso, o desprezo pelos demais cidadãos à sua volta e as suas irritabilidade e agressividade (por exemplo com jornalistas) são as suas notas dominantes.

Pelo contrário, Bruno de Carvalho não parece ter um componente psicopatológico psicopático tão apurado mas apresenta aspetos paranóicos (ligados à sua personalidade) e paranóides (na estruturação do seu delírio) na relação com o real. Para tal, basta assistir a uma das suas conferências em que afirmou não se demitir: aqui deparamo-nos com palavras que pertencem à temática paranóide por excelência como são os casos de “ataque sem precedentes”, “ameaças”, “conluio”, ou ainda “deslealdade”, entre outras. Por outro lado, Bruno de Carvalho perde a relação com o real, na medida em que cada vez está mais isolado, o que lhe aumenta os sentimentos de suspeita, humilhação, e desconfiança progressivamente maiores, formando-se um circuito vicioso paranóide. Quanto mais usa a projecção das suas angústias para os outros, mais esvaziado fica. Ao contrário de Sócrates, a temática paranóide só exacerba o rancor.

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Em jeito de conclusão, ambos procuram compensar os seus défices na auto-estima com um narcisismo doentio embora Sócrates mantém o contacto com o real, fazendo mesmo um uso perverso e manipulando-o como se estivesse acima de todos nós, mas tentou fazê-lo de forma dissimulada e com a ajuda de outros especialistas nestas manobras do crime público. Já Bruno de Carvalho, perde a relação com o real através do delírio paranóide que o leva a atacar os outros (incluindo os presidentes da república e da assembleia da república), pois sente-se ele próprio atacado e perseguido. A situação do perseguido-perseguidor foi bem descrita por Lásegue na Psiquiatria Francesa.

Uma vez traçados os diagnósticos, resta saber se há tratamento para estes dois casos. Arriscaria dizer que na psicopatia não há tratamento eficaz, e na paranóia existe mas trata-se de um percurso dificílimo. Para efeitos de futuro, fica o desafio da prevenção que está nas mãos de todos, desde os profissionais de saúde até à sociedade na sua amplitude máxima. Em suma, mais uma vez estamos em presença do exercício da cidadania para a prática do bem no mundo de hoje.

Médico Psiquiatra e Psicanalista