Cenário: ser a única mulher, a única mãe (ou ambas) numa equipa, e ter ao mesmo tempo objetivos de carreira exigentes, lidar com um bebé doente, reuniões escolares e a pressão silenciosa de ter que estar sempre no seu melhor. Será melhor trabalhando em Tech?

Há uma presunção de que trabalhar em Tech é um luxo e não há desafios como noutros setores. A verdade é que trabalhar no setor tecnológico não dá a garantia de consideração pelos vários papéis que a mulher veste no seu dia-a-dia. Trabalhar numa empresa com valores sólidos e consideração pelos seus empregados sim. É também verdade que as empresas tecnológicas tendem a ter uma abordagem mais “moderna” e focada nos colaboradores, inclusive na conjugação da sua vida laboral com a pessoal.

Ao fim de 11 anos de carreira, 7 dos quais no setor tecnológico, escolhi ser mãe. Fi-lo porque sabia que reunia condições para o fazer sem culpa ou pressão laboral. Tive liberdade para decidir como utilizar a minha licença parental, utilizei o horário de aleitação, tirei dias de acompanhamento à família quando o meu filho adoeceu. Tudo sem sentir que me iria ser cobrada a alma para continuar a ter emprego. Este é o momento em que alguém respira fundo e diz “quem me dera!”, ou “que sorte!” e confundimos o mero cumprimento da lei com um benefício dado no setor tecnológico.

Respondendo ao título deste artigo: ser mulher e mãe é melhor num ambiente profissional que não discrimine uma pessoa pelo seu género ou decisão de abraçar a parentalidade.

Não digo que ter uma carreira em Tech não traga benefícios, traz bastantes: horário flexível, trabalho remoto, seguro de saúde, apoios financeiros para educação/desenvolvimento de competências, dias de descanso extra, materiais de trabalho de maior qualidade. Mas na realidade não é assim que uma mulher assegura um ambiente conducente à conjugação do papel de profissional com o papel de mãe (além de todos os outros: de filha, de companheira de vida, de amiga, de ser humano).

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Mesmo em Tech nem todas as empresas cumprem a lei ou oferecem condições adequadas a profissionais com filhos. É preciso saber lutar pelos nossos direitos, sendo conhecedor do Código de Trabalho.
Ao planear ter filhos, é importante perceber qual é a situação atual na nossa empresa, qual é a cultura, discutir abertamente com o nosso supervisor direto.
Caso necessário, é preciso encontrar uma empresa que ofereça as condições certas. Não conta só o salário, ou o horário, ou a localização. A rede de apoio parental é extensível ao ambiente laboral.
Finalmente, é preciso quebrar a barreira cultural de que uma mãe tem que ser tudo, que o pai com sorte “dá uma ajuda”. Dividir as responsabilidades de cuidar e criar uma criança é fundamental para que uma mulher possa encontrar um equilíbrio casa/trabalho.

Assumir a responsabilidade pessoal de desenvolver e pôr em prática competências para gerir esta mudança é basilar para que a experiência seja sustentável. Existem competências e comportamentos-chave, seja em Tech seja noutro setor, que sustentam o upgrade deste papel, nomeadamente:

1. Capacidade de negociar de maneira firme

2. Gestão de tempo e de prioridades

3. Admissão do que o conceito de equilíbrio significa

4. Compromisso para com os próprios planos e decisões

Apesar de ver regularmente em redes sociais testemunhos de mulheres bem sucedidas a dar a garantia de que é possível fazer tudo “bastando querer”, a minha realidade não podia ter sido mais diferente.

Com uma especialização profissional de 8 meses que iniciou pouco depois do regresso de licença parental, também na minha vida pessoal foi preciso crescer e assegurar:

uma parceria familiar equitativa, para que ambos tenhamos direito a família e carreira;

que o tempo de convivência social era usado em grupo em vez de individualmente com cada amigo;

a redução do tempo de redes sociais e dedicar esse período ao estudo;

negociar com a entidade empregadora o benefício do investimento de tempo na especialização e utilizar parte do horário laboral para formação e não comprometer mais ainda o pouco tempo livre que tinha para tudo o resto na minha vida.

Foi possível fazer tudo, sim, mas trabalhar em Tech apenas não chegou.

Observadorassocia-se à comunidade PortugueseWomeninTech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.