A Europa já sobreviveu a crises anteriores, mas hoje estamos perante a maior ameaça das últimas décadas às nossas vidas, sociedades e economias. Nos 60 anos de vida da União, nunca assistimos a uma perturbação tão súbita e generalizada do nosso tecido social e económico.
Em vários Estados-Membros, os sistemas de saúde travaram e continuam a travar uma batalha diária contra a tragédia das vidas perdidas. Empresas viáveis enfrentam a falência, à medida que perdem clientes e mercados. As pessoas receiam pelo seu emprego e pela sua subsistência. Muitos foram os que ficaram subitamente sem trabalho. Se, em 2008, durante a crise financeira, tivemos de construir um salva-vidas no meio da tempestade, em 2020 estamos a coser máscaras em plena pandemia.
Embora o estado de emergência generalizado continue a ser a norma e a saúde pública continue a ser a nossa prioridade absoluta, estamos, na atual fase de inicio do levantamento das medidas de contenção, num momento crucial para que governos e decisores em todo o continente comecem a desenhar o caminho da Europa rumo à recuperação económica. Haverá um amanhã. Tivemos de fazer tudo o que estava ao nosso alcance para travar o vírus e atenuar os seus impactos económicos; agora, teremos de relançar a economia, sem comprometer os nossos esforços para conter o vírus.
Os níveis de financiamento do setor público continuam a aumentar drasticamente, à medida que os Estados-Membros se esforçam por dar uma ajuda vital às famílias e às empresas. Esta resposta orçamental é necessária, mas não é suficiente face ao atual estado de emergência. As medidas adotadas ao nível da UE estão a dar o máximo apoio aos esforços nacionais graças ao estabelecimento do enquadramento adequado, à flexibilização dos auxílios estatais, à ativação da cláusula de derrogação geral do Pacto de Estabilidade e Crescimento e ao apoio direto possibilitado pela reprogramação dos fundos europeus.
A Iniciativa de Investimento de Resposta à Crise do Coronavírus (CRII), lançada sob minha responsabilidade, está a permitir mobilizar todos os recursos disponíveis ao abrigo da Política de Coesão. Com estes fundos estão a ser compradas máscaras e ventiladores em Espanha, está a ser apoiado o teletrabalho e a teleaprendizagem em Itália a ajuda de emergência às PME na República Checa e na Lituânia e a investigação, teste e desenvolvimento em Portugal de produtos de luta contra a COVID19.
No entanto, mesmo sendo necessárias, as respostas de emergência implicam riscos a médio e longo prazo se não forem acompanhadas por uma rede de segurança europeia robusta. Embora o impacto final deste choque simétrico externo em todos os Estados-Membros ainda não seja conhecido, é desde já evidente que existe um risco de recuperação assimétrica. As estruturas económicas dos Estados-Membros e das regiões são muito diferentes, estando algumas delas dependentes de setores que podem levar mais tempo a recuperar, como o turismo, os transportes ou a cultura. Também a taxa de infeção e a escala da doença evoluíram de forma diferente nos 27. Além disso, vários Estados-Membros e regiões têm uma grande capacidade para apoiar as suas economias, enquanto outros não só não têm recursos como esgotaram a margem de manobra orçamental para investimentos.
As vulnerabilidades e disparidades que já existiam tendem a agravar-se em tempos de crise. Aquando dos choques petrolíferos dos anos setenta, regiões com economias baseadas nos serviços adaptaram-se rapidamente e prosperaram na nova realidade, enquanto outras, mais dependentes do setor secundário, passaram por dificuldades durante décadas. O mesmo aconteceu com a crise financeira de 2008 — algumas regiões levantaram-se rapidamente, enquanto outras só recuperaram muito lentamente. Em ambas as crises, o ajustamento a longo prazo e a perda de postos de trabalho ficaram associados à instabilidade política e a um aumento do populismo. Tudo indica que o aumento das assimetrias inter e intra-nacionais decorrente da presente crise poderá ser ainda mais violenta,
Os instrumentos desenvolvidos à escala da UE serão por isso essenciais para compensar as diferenças de capacidades nacionais. Não se trata aqui de uma opção, mas de um imperativo, dada a necessidade de preservar a nossa maior vantagem económica que é o mercado único. Desde a sua criação, estima-se que o mercado único tenha aumentado o PIB da UE em cerca de 8-9 %. Ao invés, o seu desaparecimento poderia custar a alguns Estados-Membros até 15-20 % do seu rendimento per capita real [1]. Aliás, os benefícios do mercado único ultrapassam largamente as contribuições dos Estados-Membros para o orçamento da UE.
A UE já tomou várias decisões importantes para responder à crise. O programa de compra do Banco Central Europeu é um forte compromisso da política monetária para proteger a área do euro. Do ponto de vista orçamental, o SURE (instrumento europeu de apoio temporário para atenuar os riscos de desemprego numa situação de emergência), embora assente em linhas de crédito, ajudará a proteger o emprego e os trabalhadores. As linhas de crédito preventivas do Mecanismo Europeu de Estabilidade, devidamente adaptadas às circunstâncias, apoiarão o financiamento das despesas diretas e indiretas de saúde. A capacidade reforçada de empréstimo do BEI proporcionará apoio às empresas em dificuldade.
Contudo, é necessário assegurar urgentemente um elemento suplementar: um Fundo de Recuperação capaz de concretizar um programa maciço de investimento e favorecer a convergência de forma a relançar o crescimento da economia e do emprego. Esse fundo deve ser ancorado no orçamento multianual da UE, que constitui a expressão dos objetivos comuns europeus, década após década. Um fundo de recuperação suficientemente importante para responder às necessidades atuais e um orçamento reforçado da UE capaz de promover níveis sustentados de investimento público serão os dois elementos fundamentais para a reparação, a recuperação e o reforço da resiliência da nossa União.
Essa capacidade financeira reforçada deve assentar em instrumentos inovadores, baseados no orçamento, que não agravem de forma insustentável o nível de endividamento dos Estados-Membros. Enquanto os empréstimos já estão disponíveis por diversas vias, é necessário reforçar o investimento inteligente, rápido e direcionado que inclua subvenções. É aqui que precisamos de inovar para uma recuperação económica sustentada e para uma saída coesa da crise.
Neste contexto, as soluções regionais de base local que contribuam para a coesão e a convergência em toda a União, com o máximo apoio financeiro aos mais vulneráveis, são essenciais para evitarmos o risco bem real de uma recuperação assimétrica e de um desenvolvimento económico cada vez mais divergente entre os Estados-Membros e no interior dos Estados. Com os pacotes de medidas de resposta ao coronavírus, a política de Coesão demonstrou uma vez mais a sua capacidade de adaptação e relevância em períodos de crise, como já aconteceu em muitas outras ocasiões. No entanto, a coesão é sobretudo uma política de transformação a longo prazo, com um passado comprovado de promoção da convergência social, económica e territorial. Se o papel da política de Coesão foi importante na emergência, na fase de recuperação será ainda mais essencial.
No caminho para a recuperação, a Europa tem uma tarefa crucial: regressar aos princípios fundamentais de forma a preparar o futuro. Regressar aos princípios básicos da nossa União, como a interdependência, a convergência e a solidariedade e, ao mesmo tempo, fazer com que o modelo económico e social europeu progrida e abra o caminho para um futuro mais ecológico, digital e equitativo. Só unidos poderemos vencer a crise.
[1] Dados de investigação:
Jan in ‘t Veld (2019), Quantifying the Economic Effects of the Single Market in a Structural Macromodel, Comissão Europeia, Documento de Discussão European Economy N.94
Gabriel Felbermayr, Jasmin Gröschl, Inga Heiland (2018), Undoing Europe in a New Quantitative Trade Model, Documento de trabalho ifo n.º. 250.