Stephen Stoer, António Magalhães e David Rodrigues, na sua obra Os lugares da exclusão social: Um dispositivo de diferenciação pedagógica, publicada pela Cortez Editora, afirmam que o conceito de território não é neutro nem universal. Por ser determinado a partir das formas como as comunidades se apropriam dele, é político e construído socialmente. É neste mesmo território que disposições dos sujeitos e dinâmicas de grupo se conjugam, levando ao depósito de memórias nas suas fronteiras negociadas.
As minhas colegas Rita Madeira e Sandra Couto e eu participámos, nos primeiros seis meses e sob a orientação científica do Prof. Dr. João Teixeira Lopes, no projeto SHS – Soil health surrounding former mining areas: Characterization, risk analysis, and intervention, que se encontra ainda a decorrer e tem fim previsto para março de 2023. Esta é uma iniciativa que envolve vários institutos de investigação científica e contempla cinco principais áreas: geologia, engenharia, sociologia, educação e belas-artes. Estando planeada a caracterização dos resíduos mineiros, dos solos e das águas afetados pelas antigas minas de Regoufe, em Arouca, e de Pejão, em Castelo de Paiva (e também de um terceiro complexo mineiro de Valongo), com o intuito de se identificar os impactos ambientais de tais resíduos e contribuir para a sua mitigação, o que nós os/as três, da disciplina da Sociologia, através de uma metodologia de cariz qualitativo centrada na aplicação de análise documental e de entrevistas semiestruturadas, pretendemos conhecer foram as perceções de risco ambiental e de saúde relativas às minas e as memórias e histórias associadas aos episódios de exploração mineira que, no passado, ali aconteceram, bem como perceber o processo de reatualização daquelas.
Atualmente vivemos em sociedades de intensa globalização onde os riscos proliferam e ganham novos contornos. As memórias e as identidades locais e coletivas perdem-se nessa velocidade, em que o presente é complexificado e o passado e futuro precisam de se interligar para adquirirem sentido teórico e humano. O que as informações proporcionadas pelos documentos históricos e científicos e pelas entrevistas permitiram perceber foi uma dialética entre a ausência de perceção de riscos ligados às minas e um sentimento de necessidade da sua salvaguarda enquanto património imaterial das gentes dos concelhos.
Por outras palavras, a desativação das minas, ainda no século XX, conduziu a uma perda da sensação dos perigos que aquelas poderiam provocar e, atualmente, as ameaças de queda e a utilização de águas não controladas são aspetos mínimos que não impedem as visitas de lazer e as práticas de desporto nessas antigas zonas mineiras. Contudo, o encerramento dos complexos e do labor neles desenvolvido não corresponde a um desligamento das alegrias e dos apertos que Regoufe e Pejão trouxeram: as populações reconhecem a importância das minas ao nível histórico, social e mesmo económico, desejando a sua preservação e patrimonialização, objetivos que só podem ser conseguidos com um trabalho técnico e político das escolas, dos museus, das autarquias e de outras instituições com papel de salvaguarda e de promoção da história autóctone.
A Sociologia é, pois, uma aliada de topo na compreensão de um fenómeno que, à partida, poderia estar fechado nas suas características eminentemente geológicas. Onde o ambiente é variável principal, as territorialidades não podem ser esquecidas ou negligenciadas, e isso é somente possível com uma atenção crítica às profundidades dos fenómenos sociais que o olhar sociológico providencia. Isto porque se as minas são estruturas sobre as quais se produz memórias e oralidades, elas também representam uma dimensão de desenvolvimento coletivo que nos obriga a repensar processos contemporâneos de uma escala macro, como sejam as crises económicas, o paradigma do trabalho ou as alterações climáticas.
Apurar como as novas gerações fazem presente com o passado é uma tarefa que aos/às sociólogos/as compete concretizar. Afinal, é através destas atualizações dos repertórios herdados que os projetos e as necessidades do aqui e do agora se transformam em fazer lugar. É o sucesso deste trabalho de reflexão sociológica, no âmbito de uma iniciativa com fortes componentes geológicas e biológicas, que desejamos aos futuros integrantes da equipa do Soil.
