Começamos o mês de janeiro, o novo ano, com notícias que nos fazem pensar a todos – “Morreu o Modelo e DJ Bruno Fernandes”, “Morreu a Atriz e Manequim Ana Afonso” – estes títulos poderiam ter tantos outros nomes! Mas acima de tudo, continua a faltar a coragem de escrever de forma correta. Eles simplesmente não morreram por doença física ou em resultado de algum acidente inevitável, eles, como centenas de pessoas no nosso país, decidiram voluntariamente colocar fim à própria vida. Mas a palavra suicídio continua a ser um tabu e fugimos dela “como o diabo da cruz”.
Raramente os textos são claros quando se trata de suicídio, a causa da morte fica quase sempre subentendida nas entrelinhas. “Por respeito à pessoa e família” diriam uns, porque “não se deve falar de suicídio para não incentivar” diriam outros! Pura hipocrisia! Não falamos de suicídio porque não sabemos como falar do assunto, porque não sabemos lidar com a dor do outro, porque nos causa desconforto! Ou talvez, porque cada vez que se desperdiça uma vida por suicídio torna-se evidente o nosso falhanço enquanto sociedade!
Em Portugal os números de suicídio são gritantes, mas quantas vezes os vimos analisados e apresentados à população? Quantas vezes assistimos a campanhas de sensibilização em massa sobre o tema? Em Portugal, por suicídio morreram 989 pessoas em 2018, 975 em 2019, 944 em 2020, 928 em 20221. Além disso, é a segunda maior causa de morte entre os jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 34 anos de idade. Em 2019, os dados demonstram que temos uma taxa de suicídio (11.5) por 100.000 habitantes superior à média da União Europeia (11.3), e bem superior à nossa vizinha Espanha (7,7)! Nas últimas semanas assistimos, e bem, a campanhas de prevenção da sinistralidade rodoviária, bem como a ações de segurança, maior vigilância etc., pois sabemos que é uma época de maior sinistralidade. Também em Portugal morreram em acidentes rodoviários 618 pessoas em 2022, 561 pessoas em 2021, 536 pessoas em 2020 e 681 pessoas em 2019. Agora é tempo de reflexão… por que razão assistimos a tanta campanha de prevenção rodoviária e não assistimos com a mesma intensidade a campanhas de prevenção de suicídio? Os números deixam claro que as vítimas mortais por acidentes rodoviários (não menos importantes) são menos que o número de vítimas anuais por suicídio! Também o Natal e a entrada no Ano Novo são momentos críticas para quem se encontra a sofrer com questões do foro mental e se encontra num nível elevado de desesperança. Também este período seria um tempo crucial para trabalhar a prevenção do suicídio. Então por que razão tal não acontece? Poderíamos começar por apontar os resultados financeiros que as ações de prevenção rodoviária trazem e as outras não trariam. Mas este não será o espaço adequado a esta reflexão. A questão central aqui é outra, o Suicídio!
O suicídio é um ato de desespero e acima de tudo de desesperança. O seu resultado conduz à morta da pessoa que o pratica, mas também tem consequências graves para as pessoas que lhe são mais próximas. A dor, o sentimento de impotência, o questionamento constante sobre os motivos, as razões, e o que poderia ter sido feito e, muitas vezes, um sentido de culpa inapropriado por não ter sido capaz de evitar ou sequer perceber. O suicido termina com a vida de uma pessoa naquele momento, mas é capaz de despoletar a dor, o sofrimento e problemas de saúde mental por muito tempo em muitas pessoas! O suicídio é frequentemente precedido de perturbações ao nível da saúde mental. Contudo, muitas vezes as pessoas que mais sofrem são hábeis a camuflar os seus sentimentos.
Não falar de suicídio é um erro! Falar de suicídio não encoraja o ato. Este é um mito sob o qual nos escudamos para não abordar o assunto. Este texto, esta reflexão pretende alertar para necessidade de dar mais atenção ao tema, de falar sobre, de o discutir. Mas também sensibilizar todos nós para enfrentarmos os nossos próprios receios e perceber que muitas vezes a palavra certa no momento certo pode fazer toda a diferença. Não evitar uma conversa difícil pode sim contribuir para ajudar o outro. Uma pergunta direta pode ser a oportunidade perfeita para o outro sentir a abertura necessária para falar e assim poder obter ajuda. Cada um de nós deve fazer o seu papel e isso é extraordinariamente importante. Mas para que isso possa acontecer também as entidades responsáveis terão de tomar outra atitude e implementar outras iniciativas no combate ao suicídio. Urge sensibilizar e prevenir o suicídio, discutir sobre o tema é uma necessidade clara da sociedade. Esta preparação deveria começar cedo, como e que vamos falar de suicídio se temos tanta dificuldade em falar de sentimentos? Seja dos nossos, seja dos outros? Muitas vezes não é só falar, é sequer identificar ou lidar. A iliteracia emocional é elevada e causa barreiras gigantes quando queremos abordar o tema do suicídio. Aprendemos língua portuguesa, matemática, ciências, etc., mas ninguém nos prepara para sermos pessoas, seres humanos cheios de emoções que nos provocam coisas estanhas sobre as quais não sabemos falar e ainda temos de lidar com outros tão complexos como nós. É importante que se reflita sobre a necessidade de educação emocional, talvez nas escolas, para que se torna mais simples para todos nós falar e lidar com de sentimentos.
Falar abertamente de suicídio e da ideação suicida pode contribuir para quem está a experimentar essa vivência não se sinta sozinho(a), ou muitas vezes, como um ser estranho que pensa o que não deveria e, portanto, evita falar sobre isso. É necessário terminar com o “estigma”. Falar sobre suicídio não é normalizar o ato ou incentivar ao mesmo, é contribuir para que todos os que sofrem possam perceber que não estão sozinhos, existem outras pessoas com o mesmo sentimento de desesperança, mas acima de tudo, que há pessoas que querem saber e que há outras soluções por muito má que possa ser ou parecer a situação em que se encontra. Falar sobre suicídio e saúde mental de forma aberta e responsável não irá aumentar o suicídio, não o irá normalizar, mas pode ser a mão que falta para puxar alguém do lugar obscuro onde a sua mente se encontra.