O legislador português vem, no nosso ordenamento jurídico e como já se mencionou, permitir todos os atos notariais de forma digital, exceto os testamentos. Mas, o sistema brasileiro permite todo e qualquer ato notarial celebrado de forma digital, incluindo os testamentos, constituindo hoje, uma realidade jurídica no Brasil1. Já tinham sido desenvolvidos estudos anteriores sobre a possibilidade do testamento público digital no Brasil, mas é com a atual pandemia de COVID-19 que o mesmo vem a ser implementado, através do Provimento N.º 100 de 26 de maio de 2020. Neles se garantia a certeza e a segurança jurídica do testamento público digital2. Também na França e Espanha, já há legislação para os testamentos públicos digitais3.

O Provimento N.º 100 não proíbe, assim, os testamentos digitais e como não se estabeleceu nenhuma norma brasileira que os proibisse, acabaram por se tornaram um “costume”4. A nosso ver, a decisão do legislador português não foi positiva. Há, de facto, que ter cautela em relação à matéria testamentária, mas proibi-la digitalmente, não. Consideramos que se o legislador português viesse a permitir o testamento público digital, o notário nesta sede deveria ser mais exigente ainda, mais prudente 5e mais rigoroso na celebração do testamento público digital, pautando-se por critérios rígidos para a sua celebração, uma vez que estamos perante um ato singular e de natureza solene.

Coloca-se sempre em causa a questão da segurança jurídica, principalmente quando estamos perante o testamento público celebrado de forma eletrónica. Será que é seguro? Será que não é seguro?

Ora, na nossa opinião, como existe uma gravação da manifestação de vontade do testador, o procedimento torna-se seguro, uma vez que se pode rever a gravação e verificar que a vontade das partes corresponde de facto, à vontade real. A parte pode ser coagida na gravação e a mesma não transmitir tal facto? Pode. Mas, também pode ser momentos antes de o ato ter sido realizado presencialmente e não há forma de comprovar. Por isso, diríamos que estamos mais ou menos dentro do mesmo patamar ao nível da segurança jurídica. O notário é que tem de exercer o bom controlo da legalidade do ato notarial e averiguar se as partes estão inteiramente livres na sua vontade. É essa a sua função. No entanto, o notário também é quem decide se tem condições de celebrar o ato à distância ou não, perante as circunstâncias de cada caso concreto e pode fazê-lo.

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1 Nevares, Ana Luiz – “Testamento virtual: ponderações sobre a herança digital e o futuro do testamento” in civilística.com, a. 10, n.º 1, 2021, p. 1.

2 Filho, Ivanildo de Figueiredo Andrade de Oliveira – Forma de Declaração de Vontade na Internet: Do contrato eletrónico ao testamento digital. Recife: março de 2014. Tese de Doutoramento.

3 Hernández Sánchez, Modesta Lorena / Adriano Fabre, Armando – “Testamento y herencia digital” in Enfoques Jurídicos, número 4, julho-dezembro, 2021.

4 Lawand, Jorge José – O testamento digital e a questão de sua validade. São Paulo: Dialética Editora, 2021, p. 42.

5 A título de curiosidade, sobre prudência notarial, veja-se, Gonçalves, Mercília Pereira – A prudência notarial e a resolução antecipada de litígios. Coimbra: CeNoR, 2022.