– Toni quando vamos para Bruxelas ?
– Calma . É preciso ter paciência que estas coisas não são do dia para a noite, Maria.
– Mas não está tudo parado lá com o Ministério Público ou com o Supremo ? Eles não conseguem provar nada. Até foi bom não achas ? Afinal a montanha pariu um rato como diziam por aí.
Toni sorriu daquela maneira que lhe era sempre caraterística e adiantou:
– Lá isso foi. A minha demissão foi na hora certa . Já podemos respirar de alívio e voltar a ser um casal do antigamente. Já me cansava tanta conferência, tanto trabalho em ter uma imagem , sempre a ter que ouvir os assessores do que devia fazer, ou não, para manter as sondagens positivas.
– Agora Maria, já podemos andar por aí a ver montras nas ruas da nossa Lisboa, como naquela noite em que me demiti.
– Sim pois… mas eu quero é ir ver montras para Bruxelas . Respondeu Maria.
– Diz – me cá. Foi ou não foi na hora certa em que deitei a toalha ao chão ? Hum .. Diz lá ?
– Ainda por cima sugeri o Centelho para ser 1.º Ministro para me substituir. Todos acreditaram que eu estava a falar a sério .
– Pois lá isso foi de génio Toni . Sempre foste bom em manobrar as coisas .
– Maria estás dizer que eu era um manipulador político ?
– Nada disso Toni ! Fico triste em pensares isso de mim. Mas tens de admitir que brincavas sempre com os jornalistas. Com o teu sorriso matreiro e de otimista, ias dando-lhes música, alimento para os jornais.
Toni teve um riso curto e recostou-se no sofá . Olhava em redor as fotos emolduradas com os grandes chefes políticos de toda a Europa e sentia que queria algo mais da vida política . Não ia assim desaparecer dos tabloides e das redes sociais.
No seu colo pousava um portátil “Surface” aonde passava com o seu dedo moreno no Tripadvisor a rever os 10 melhores locais a visitar em Bruxelas ; monumentos , restaurantes , passeios, etc.
Maria já tinha visto isso tudo mas estava no entanto inquieta quanto ao seu novo rumo de vida e sentia-se preocupada pois não sabia se ia continuar sozinha sempre esperando pelo marido ou a consolar-se em vê-lo nos canais da Bélgica a cumprimentar todos aqueles novos eurodeputados ( as ).
Ela queria mesmo o seu marido de volta e viver bons momentos nesta fase derradeira da sua vida.
Estabeleceu-se um silêncio na sala . Na televisão passava mais uma vez o André Ventura.
Por sua vez, Toni pensava para si. Interrogava-se em que pedestal poderia estar em Bruxelas e por isso já tinha feito uns telefonemas para alguns camaradas da família socialistas , mas não só , estabelecidos na capital da União Europeia.
Quanto a Portugal, tinha-se livrado de boa na altura certa. Daquelas trapalhadas corporativas de carreiras de professores e polícias. No fundo, sem o confessar, até achava graça em como tinha entregue o partido a quem andava sempre a morder-lhe as canelas nos bastidores. Aquele rapazola, altivo e convencido, que até o tinha ajudado a deitar o Passos Coelho abaixo, mas que ultimamente parecia-lhe um traidor ao carinho que lhe tinha depositado. Toni concluía para si “ Era bem feita . Agora quero-te ver meu menino !”
Maria continuava com uma certa desconfiança que lhe tirava o sono e quebrou o silencio junto do marido:
– Toni, diz-me nos olhos ! Tens a certeza que não fizeste nada de ilegal naquela coisa de Sines? – É que não queria pagar fortunas àqueles advogados do costume . Diz-me a verdade ! Aquela não sei Caco , parece-me uma mulher que sabe de alguma coisa demais.
Toni assumiu um tom sério e respondeu-lhe medindo bem as palavras.
– Ora bem ! Fiz de facto uns telefonemas mas acho que que não foram “ influenciers” de nada. As reservas ecológicas e reservas agrícolas atrapalham todos mas eu tinha de ultrapassar tudo isso para fazer lá as fábricas.
Maria voltou a questionar:
– Mas para quê esses telefonemas Toni? Francamente. Deixavas as coisas tomar o seu rumo legal.
– Oh Maria …nem pareces deste mundo. Não vês o país em que vivemos ? Um país mergulhado na burocracia, em que tudo se arrasta lentamente .Tudo parado demorando anos para que algo se concretize. Eu precisava de resultados . E depois quem ia investir eram pessoas amigas que podiam colaborar aqui e acolá.
– Pois , lá isso é verdade mas pouco fizeste para inverter essa burocracia imensa. Qualquer português vive com isso diariamente e quiseste ser diferente só por ser Governo. Não é lá muito socialista, não te parece?
– Maria isso pertence ao passado . Até porque o partido está infiltrado em tudo o que é instituição pública e até privada. Não te apoquentes!
– Vais ver o que estes que lá estão vão conseguir, vais ver Maria …
Maria encolheu os ombros e finalizou:
– Está bem ! Sabes, estou mesmo contente por te teres vindo embora.
– Vamos à rua voltar a ver montras, mas tens de ter cuidado com os chocolates belgas. Estás propenso a ser diabético. A doença da fartura.