A mobilidade na cidade de Lisboa foi um dos terrenos mais importantes da campanha eleitoral de 2021. Um debate marcadamente polarizado, opôs um discurso catastrofista de uma candidatura conservadora, a um Executivo comprometido com um modelo de transição para uma cidade mais verde e capaz de garantir as suas metas de longo prazo.
Num momento em que não sou dirigente do PS Lisboa, num ponto temporalmente equidistante dos atos eleitorais de ‘21 e ‘25, este será o melhor momento para desmentir alguns mitos e enganos em que temos vivido nos últimos anos acerca de um programa que reconheço como base da nossa governação autárquica.
1 O PS acha que todos devem andar de bicicleta
Nenhuma medida de mobilidade tem como objetivo responder a todos. Dado o seu caráter transversal, as necessidades que temos de responder são totalmente diferentes: Obviamente as minhas necessidades, trabalhando perto de casa, são semelhantes às de quem tem o seu ponto de partida e chegada bem ligados por redes de transporte público. Não têm nenhuma semelhança com as necessidades da minha avó com 90 anos, e têm menos ainda em comum com as necessidades uma mãe com filhos que trabalhe em Carnaxide, por exemplo.
A mobilidade suave e/ou o transporte público, são respostas que não servem (ou são desconfortáveis) para alguns, sendo o ideal para outros permitindo que uns não tenham carro (como eu) ou que outros não o utilizem nas suas deslocações do dia-a-dia.
E é assim que a mobilidade suave não sendo para todos, serve a todos, porque respondendo a alguns, melhora a circulação de quem precisa de utilizar o automóvel nas suas deslocações e isto é a base com que devemos pensar mobilidade.
2O PS persegue os carros
O maior erro da campanha do Partido Socialista em 2021 foi não ver que a sua agenda de mobilidade serviu de base a um mito que fundou a campanha vencedora de que “o PS persegue os carros”. Assumindo este confronto o PS viu-se encurralado entre a crítica conservadora e por outro lado uma agenda considerada pouco ambiciosa pelos maiores defensores das limitações do automóvel, que assim também não confiaram o seu voto ao Partido Socialista.
Durante o mandato passado, a atenção mediática recaiu sobre a política de mobilidade suave, especialmente bicicletas partilhadas e ciclovias (além das empresas privadas, com destaque para as trotinetas). No entanto, não há qualquer comparação possível entre esta aposta e o real investimento feito na mobilidade automóvel e nos transportes públicos.
Ora vejamos, no investimento em transportes públicos, por um lado, a aquisição de autocarros e contratação de motoristas com a municipalização da Carris, permitiram recuperar os atrasos constantes e perdas de serviços resultado de anos de desinvestimento. Por outro, a redução brutal dos preços dos passes foi das políticas dos últimos anos que mais rendimento devolveu às famílias e mais atraiu novos clientes para as empresas de transporte público.
Mas principalmente é na gestão da própria EMEL, responsável pelos investimentos na mobilidade suave, que podemos ver como são falsas as acusações, se repararmos que apenas dois ou três parques de estacionamento, dos mais de 15 realizados no anterior mandato, ou os mais de 1000 lugares para moradores a baixo custo contratados em parques já existentes custaram muitíssimo mais que a política de mobilidade suave.
Apostar neste modelo não é perseguir ninguém, é responder às necessidades de cada um, criar conforto e segurança nas várias respostas e integrar custos de ajustamento como os parques construídos.
3É possível alterar o paradigma sem chatear ninguém (e cumprir as metas ambientais…)
Só se garante segurança com alterações de desenho e políticas de responsabilização de cada um. Pelo que alterar o paradigma, por muito simpática que seja a ideia de não incomodar ninguém, exige coragem e seriedade, explicar e debater a importância das decisões e distribuir de forma mais justa as limitações necessárias (como entre mim e a minha avó, tal como expliquei no início).
O Executivo municipal tem optado pelo oposto, como no exemplo da limitação da velocidade. Ao contrário da ideia passada pelo Executivo, esta redução quase não altera os tempos médios de deslocação, promovendo velocidades mais constantes. Em vez da coragem de fazer o correto para todos, alimentou-se o falso mito da perseguição.
Olhando para um outro exemplo, no tema do estacionamento: É possível aumentar até ao infinito os lugares de estacionamento para dar reposta a um regulamento que prevê 3 carros por cada fogo? Não, não é, e toda a gente com responsabilidade sabe isso. Claro que devemos reduzir o custo de ajustamento, criando parques para moradores que libertem as ruas, mas estamos perto do limite e isso exige responsabilidade de todos.
Vale a pena pensar também nas alternativas: Há outras coisas para fazer? Sim. Por exemplo, alterar as lâmpadas tradicionais da iluminação publica para LED. Mas qual é o real impacto? Perto de 0% de redução de emissões (0,00025%). Isto, numa cidade onde 60% das emissões são causadas pela mobilidade rodoviária (50% das deslocações são feitas em veículo próprio, 22% de transporte público).
Hoje assistimos a uma total ausência de visão, por um lado, e também uma absoluta falta de investimento, estando não só condenados ao incumprimento das metas ambientais e degradação dos serviços, mas também a condenar mais uma geração à utilização do automóvel por falta de alternativa confortável e segura.
O mais impressionante é que o Executivo municipal ainda não ultrapassou o ritmo de campanha, resumindo a sua ação a gritar parangonas como a suposta perseguição do PS aos carros, não avançando sequer com as suas promessas mais básicas como a construção de pelo menos um dos 24 silos prometidos (terminando este mandato aliás, inevitavelmente, com menos lugares criados do que no anterior).
Não, o PS não tinha um modelo radical e de perseguição de alguns. Tinha sim um modelo realista para uma cidade moderna e segura que contrasta com o atual marasmo criado intencionalmente para não chatear ninguém, mas que nos condenará a viver numa cidade perigosa em tempos de aquecimento global acelerado.