Não esperem “pontadas” ao respirar ou, mesmo, falta de ar nos primeiros dias. Se estão em casa também não esperem ficar especialmente cansados. Na minha experiência tal não aconteceu. Isso não evitou que tivesse pneumonia provocada pelo Covid-19 e que o perigo estivesse totalmente à espreita.
Tenho 38 anos, sou advogado, sem histórico de doenças, não fumador e tinha-me vindo a resguardar tanto quanto possível. Não sei, até hoje, onde contraí o novo coronavírus. Provavelmente nunca irei saber.
Foi no final da tarde do dia 16, segunda-feira, que tive febre pela primeira vez. Já estava em casa, em teletrabalho. Nessa manhã ainda tinha ido ao escritório fechar um assunto relevante, mas tinha vindo almoçar a casa. Não sabia o que me esperava, nem já o podia prevenir.
De início a febre baixou facilmente com um paracetamol. Convenci-me que não era, não podia ser, Covid-19. Fica, uma vez mais, demonstrado que nos convencemos do que queremos.
A febre regressou no dia seguinte e passou a atingir a minha mulher. Os dois, em casa, com febre ficámos a pensar no que seria da nossa filha, com de pouco mais de dois anos, em caso da nossa hospitalização. Este será o drama de muitos pais, com que o país vai ter de saber lidar. Se não devemos deixar as crianças com os avós (grupo de risco) como fazer nas situações em que os pais deixam de poder cuidar dos filhos?
Felizmente a questão acabou por não se nos colocar: a minha mulher superou a febre em dois dias, eu é que não. Até hoje a nossa criança de dois anos não teve verdadeiros sintomas. Parece corresponder, aliás, ao padrão: as mulheres resistem mais aos sintomas do Covid-19 e as crianças conseguem, mesmo, passar ao lado da doença.
No meu caso, infelizmente, a febre tornou-se cada vez mais persistente. E começou a baixar cada vez mais lentamente. Procurei aconselhamento médico e realizar o teste ao novo coronavírus, inclusive por via de entidade privada protocolada, sem sucesso. O acesso a testes era, ao tempo, ainda mais difícil do que é hoje, o que na comparação com o exemplo sul-coreano e alemão, parece ser uma das deficiências da resposta ao surto no nosso país.
Os sintomas, para além da febre, são vaporosos e difíceis de caracterizar. Além disso, ao tempo, exigiam-se dois sintomas para que se fosse considerado suspeito. O que, verdadeiramente, nunca tive. Nunca senti qualquer “pontada” ao respirar, não senti verdadeira falta de ar (até porque não saindo de casa, não nos cansamos), nem senti nos primeiros cinco dias de febre que tivesse mais tosse. Aliás, conforme partilhei com todos os que falava, eu tenho sempre alguma tosse e não tinha mais tosse desde que estava com febre.
Foi a febre que me levou a um hospital privado no sábado, dia 21, depois de na véspera e perante as minhas insistências, a linha SNS 24 me aconselhar a ida ao centro de saúde. Fui, conduzindo o meu carro, na expetativa de uma consulta rápida que identificasse outra causa para a febre, uma vez que os vários médicos com quem falei eram da opinião de que não seria coronavírus. Tive uma má experiência no hospital que escolhi: esperei 14 horas numa sala minúscula de isolamento, perante um quadro de pessoal manifestamente impreparado, que me evitava. Senti-me como um cão. Não menos do que isso. Mas, foi aí que soube, primeiro, que tinha feito pneumonia (que deveria ter por causa o Covid-19) e, depois, já perto da meia noite, a confirmação de que estava, mesmo, infetado. Foi-me sugerido que àquela hora pedisse à minha mulher que me transferisse, de carro, entre hospitais, com uma criança em casa. No meio da dificuldade tive de resistir a tal ideia peregrina e insistir numa ambulância, que apareceu.
No final desse sábado, perto da meia noite, fui então transferido para o Curry Cabral, onde fui bem-recebido na unidade de infectocontagiosas. A preparação daqueles profissionais de saúde era outra. Dos médicos, aos enfermeiros e assistentes, todos sabiam lidar com humanidade com a doença. As instalações são modestas mas, verdadeiramente, nada me faltou. E fico-lhes eternamente grato porque salvaram-me!
Mas estou consciente que, quando dei entrada, a ala de infetocontagiosas, com 36 camas, estava em boa medida vazia. E quando saí, cinco a seis dias depois, o número de internados era muito superior e implicava a utilização de outras alas do hospital. O número está sempre perigosamente a crescer. Se o pico for em maio, como dizem, não sei como será.
Os meus primeiros dois dias de internamento foram de grande indefinição. Passei momentos de desespero. Náuseas, dores, febre. Não por falta de apoio hospitalar, mas porque o vírus é forte e eu estava fragilizado.
No domingo comecei por ligar a cada um dos colegas de departamento, informando-os do sucedido na véspera e promovendo que contactassem a linha SNS 24. Depois disso procurei apenas descansar, manter a família informada e ganhar forças para enfrentar a doença.
Felizmente a medicação contra a malária surtiu efeito e permitiu-me ir melhorando. A febre foi subindo cada vez menos e ficando mais espaçada. A saturação no sangue foi relevando capacidade pulmonar crescente. Tenho a sensação de que estive na “corda bamba”, ou melhorava ou o vírus podia tomar conta de mim. Agarrei-me às fotos de família o mais que pude, rezei, procurei manter pensamento positivo. Tudo isto me ajudou. Espero que possa ajudar muita gente.
Nesta semana hospitalizado valeram, igualmente, as mensagens e chamadas não só da família – sempre integralmente presente –, mas também de colegas e amigos, um pouco de toda a parte. Surgiram apoios morais de todos os pequenos mundos que compõem o meu próprio mundo. Agradeço a todos e a cada um por isso mesmo. Alguns foram especialmente calorosos e guardo isso no meu coração. Senti que o apoio solidário dos que fazem parte da nossa vida, nestas horas, conta. Conta muito. Se têm alguém querido em situação de doença não deixem de manifestar o vosso insistente apoio.
Pelo meio, o hospital recebeu uma conferência de imprensa para noticiar a compra de equipamento. Com isso assisti, da janela do hospital, a um ajuntamento de jornalistas com pouco distanciamento social. Caramba!
A minha outra maior companhia, nestes dias de hospitalização em isolamento, foram os podcasts. O que recomendo. Ouvir, nesta fase de doença, pareceu-me mais fácil e aprazível do que ler ou visualizar filmes ou séries. Até porque não queremos cansar a vista, o que intuitivamente associamos que possa conduzir à febre ou à formação de dores de cabaça. Recomendo.
Parece, por ora, que não contagiei ninguém, o que me sossega imenso. Felizmente, que se saiba até ao momento, nenhum dos meus familiares (tirando a minha mulher), amigos e colegas contraiu o coronavírus. Fica confirmado que atuarmos com prudência, mesmo que isso não sirva para evitar que adoeçamos, pode evitar que contagiemos os outros.
No dia 27 de março, após ouvir a adoração do Santíssimo e a Bêncão Urbi et Orbi, bateram-me à porta e comunicaram-me que tinha alta. Podia regressar a casa. Providencial. Caminhei até casa, com máscara apropriada, e tive por instantes a sensação de uma liberdade imensa. Quando é que o nosso mundo volta a sair de casa, em segurança, e a sentir essa liberdade que caracterizou o nosso modo de vida?