Contexto e motivação

Em 9 de Junho de 2020, o Primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, demitiu-se. Esta demissão foi o corolário de um conjunto de pressões mais ou menos públicas exercidas por membros do seu governo e por deputados do seu próprio partido, em resultado de um conjunto de comportamentos, entretanto tornados públicos, que causaram escândalo no Reino Unido.

A Boris Jonhson sucedeu Liz Tuss que apenas se manteve como primeira-ministra escassas 6 semanas. Também a sua demissão resultou da desaprovação, por parte de deputados do seu partido, quanto a um conjunto de políticas que tentou implementar.

Ambas as demissões não advieram de moções de censura ao governo apresentadas pelo partido da oposição, mas por pressão interna do próprio partido de governo.

Esta situação é, aos olhos de um eleitor português, insólita e incompreensível. Em Portugal, por muito caótico que seja o governo e por muitos casos controversos em que se encontre envolvido, os deputados do partido de governo não deixarão de o apoiar. De facto, mesmo em situações indefensáveis, e com honrosas excepções, os deputados do partido do governo não vêem a público expressar as suas discordâncias e, muito menos, votar uma censura ao governo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Alguns atribuirão esta falta de autonomia dos deputados face ao directório partidário e ao governo como falta de cultura de independência e de maturidade democrática. Contudo, este resultado parece mais consequência dos incentivos relativos enfrentados pelos deputados em cada um dos casos.

Diferentes sistemas eleitorais geram diferentes incentivos aos seus agentes. Naturalmente, os agentes reagem de acordo com os incentivos existentes sendo escusado esperar comportamentos contrários a esses incentivos, pelo menos de uma forma generalizada.

Em Portugal, os deputados são eleitos em listas distritais, escolhidas pelo partido. Esta estrutura cria uma dependência do deputado relativamente ao partido e à sua direcção. Os candidatos a deputados por um círculo eleitoral são escolhidos por conveniência da direcção partidária, não tendo muitas das vezes qualquer ligação ao círculo eleitoral ou aos eleitores que se propõem representar. Aliás, é comum que os eleitores de determinado círculo eleitoral (distrito) apenas consigam identificar o primeiro, e quando muito, o segundo membro da lista partidária em que votam. A continuidade de um deputado em funções em futuros mandatos eleitorais depende, em primeira instância, da direcção partidária, e apenas depois dos eleitores. Independentemente da qualidade do trabalho parlamentar de um deputado e da sua vontade, ele pode ser substituído na legislatura seguinte apenas porque a direcção partidária do momento não o considera alinhado com as suas opções. Exemplo disto foi o que sucedeu com a alteração radical do grupo parlamentar do PSD nas eleições de 1999 e de 2022. Desta forma, os incentivos para um deputado que pretenda manter-se em futuras legislaturas são para ser leal e obediente à direcção partidária que irá elaborar as futuras listas de deputados.

Em contraste, no Reino Unido, os deputados, embora integrados em partidos, são eleitos em círculos uninominais, isto é, cada círculo eleitoral elege apenas um único deputado. A eleição uninominal cria uma ligação entre o candidato e os seus eleitores. A dependência do deputado é perante os seus eleitores e não perante a sua direcção partidária. De facto, se um deputado considerar que uma decisão ou política do governo cria um prejuízo específico para a região que representa, bater-se-á pela alteração dessa política ou decisão. Se um governo se tornar impopular, o deputado, mesmo que pertença ao partido que apoia o governo, fará um juízo próprio da acção do governo independente do governo. Terá sido esta a razão, que por duas vezes num espaço curto de tempo, levou os deputados do Partido Conservador a censurarem e a substituírem o Primeiro-ministro do seu partido.

A eleição através de círculos uninominais a uma volta favorece os grandes partidos e tende a limitar a representação da diversidade e pluralidade da sociedade.

No nosso sistema eleitoral, que aplica o método de Hondt, existe um problema com a representação proporcional dos eleitores, que tem sido várias vezes apontado. Por exemplo, nas eleições legislativas de 2022, o CDS-PP obteve 89 113 votos, mas não elegeu qualquer deputado, enquanto o PAN e o Livre tendo obtido, respectivamente, 88 120 e 71 196 votos, lograram eleger 1 deputado cada. Ou refira-se o caso do BE que com mais votos do que o PCP-PEV elegeu menos um deputado. O reconhecimento destas distorções levou a que alguns partidos (eg. PAN, L, BE e IL) tenham submetido propostas de lei que visavam a introdução de círculos de compensação nacionais. Note-se ainda que, desde 2006, a Região Autónoma dos Açores utiliza um círculo de compensação para corrigir a distorção decorrente da votação por círculos eleitorais nas ilhas.

Idealmente, um sistema eleitoral deve garantir a responsabilização dos eleitos perante os eleitores e a proporcionalidade das opções dos eleitores. Mesmo não existindo sistemas perfeitos, devemos perguntar-nos se existem outras configurações de sistemas eleitorais que, por um lado, garantam a responsabilização individual dos eleitos perante os eleitores e, por outro lado, garantam a proporcionalidade e representatividade na Assembleia.

Para o efeito, vale a pena procurar um sistema que dê melhor resposta àquelas duas exigências essenciais. Por exemplo, Castro e Duque (2019) [1] submeteram à Assembleia da República, como primeiros subscritores, uma petição que visava a alteração do sistema eleitoral para que este fosse constituído por círculos uninominais e plurinominais. O sistema então proposto é especialmente complexo, uma vez que obriga à existência de três tipos de círculos (uninominais, territoriais, e um círculo nacional) e de um duplo voto por parte dos eleitores.

Proposta de sistema eleitoral

Uma alternativa à proposta de Castro e Duque (2019) será a constituição de um conjunto de círculos uninominais com um círculo nacional. O sistema eleitoral funcionaria da seguinte forma:

  1. Os candidatos a deputados[2],[3] apresentam-se às eleições legislativas nos círculos uninominais;
  2. Os eleitores votam no candidato a deputado da sua preferência no círculo uninominal em que estão inscritos;
  3. São apurados os votos dos diferentes candidatos dentro de cada círculo uninominal, sendo eleito o candidato do partido com maior número de votos;
  4. Os candidatos não eleitos são transferidos para o círculo nacional, onde se aplica o método de Hondt, e integrados na lista do partido que representam;
  5. Dentro de cada lista, os candidatos são ordenados pelo número de votos que transportam consigo para o círculo nacional;
  6. São transportados para o círculo nacional os votos não utilizados na eleição do deputado que venceu no círculo uninominal;
  7. São votos não utilizados na eleição pelo círculo uninominal:
    1. Os votos nos candidatos dos partidos não eleitos;
    2. Os votos que o candidato eleito obtenha em excesso dos votos do 2º candidato mais votado acrescido de um voto.

Desta forma, o deputado vencedor em cada círculo uninominal utiliza apenas o número de votos mínimos que precisaria para eleger, i.e., apenas mais 1 voto que o número de votos do 2º candidato mais votado. Os votos do deputado vencedor não utilizados para a sua eleição são transferidos para o círculo nacional.

Com este sistema garante-se que todos os deputados mantêm uma ligação aos eleitores do círculo uninominal pelo qual se apresentaram a eleições, incluindo aqueles eleitos pelo círculo nacional uma vez que o posicionamento dos candidatos na lista nacional depende dos votos que conseguem transportar para o círculo nacional. Assim, mesmo que não consigam ser eleitos directamente no respectivo círculo uninominal, os candidatos têm de ser percebidos como tendo uma ligação aos seus eleitores directos, pois sem essa ligação é provável que a sua votação diminua, em futuras eleições, e a sua posição na lista nacional se degrade e o número de deputados eleitos na lista nacional pelo seu partido seja afectada.

Este sistema também garante maior representatividade do que o sistema actual. Com um círculo nacional que eleja 100 deputados, qualquer partido que obtenha pelo menos 1 por cento dos votos a nível nacional, garante a eleição de um deputado.

O objectivo desta proposta não é alterar de forma substancial o resultado da representação parlamentar através da alteração do sistema eleitoral, isto é, não se procura, através da alteração das regras eleitorais, obter uma composição do parlamento que seja substancialmente diferente da que resultou do actual sistema eleitoral. O objectivo da proposta é o de alterar os incentivos que os deputados enfrentam e com isso aumentar a sua ligação aos seus eleitores e a sua independência relativamente às direcções partidárias. Apesar de a proposta não ser inócua relativamente ao número de deputados eleitos por cada força partidária, como se verá pelas simulações apresentadas, não parece que esta proposta leve a alterações substanciais da representação parlamentar e a uma leitura diferente dos resultados eleitorais.

Simulações

Esta proposta de sistema eleitoral não altera a forma de eleição dos deputados do círculo da emigração, mantendo os 2 deputados pelo círculo da Europa e 2 deputados pelo círculo do Resto do Mundo. Os votos não utilizados nestes círculos também não são transportados para o círculo nacional.

Para testar a proposta e apresentar alguns dados objectivos, utilizaram-se os resultados eleitorais de 2015, 2019, 2022, e 2024 para simular os resultados da proposta apresentada. Para isso testaram-se 3 cenários distintos, cada um deles com um número diferente de círculos uninominais e de número de deputados eleitos pelo círculo nacional:

  • Cenário A – 100 deputados eleitos pelos círculos uninominais e 126 deputados eleitos pelo círculo nacional de compensação;
  • Cenário B – 113 deputados eleitos pelos círculos uninominais e 113 deputados eleitos pelo círculo nacional de compensação;
  • Cenário C – 126 deputados eleitos pelos círculos uninominais e 100 deputados eleitos pelo círculo nacional de compensação.

Em qualquer um dos cenários o número de deputados eleitos no território nacional é de 226, a que acrescem os 4 deputados eleitos pelo círculo da emigração.

Na construção dos círculos uninominais em cada um dos cenários (A, B e C), considerou-se que:

  1. Devem ser territorialmente contínuos. Admitem-se excepções à continuidade territorial no caso das ilhas ou de existência de concelhos que são territorialmente descontínuos[4].;
  2. Devem ter mais de 2/3 e menos de 4/3 da média de eleitores por círculo uninominal;
    • Se um concelho tiver menos de 2/3 da média de eleitores por círculo uninominal, este deve ser agregado com outro(s) concelho(s);
    • Se um concelho tiver mais de 4/3 da média de eleitores por círculo uninominal, este deve ser dividido em diferentes círculos uninominais;
  3. Não podem ser constituídos por freguesias de diferentes concelhos, se não incluírem a totalidade do território desses concelhos.

Para permitir uma melhor comparação com os resultados do actual sistema eleitoral, também se limitaram os círculos uninominais ao território dos distritos, impondo que cada distrito tenha, pelo menos, dois círculos uninominais.

Estas requisitos de construção dos círculos uninominais impõem um conjunto muito significativo de restrições, não tendo sido possível cumprir com todas as regras simultaneamente para todos os actos eleitorais, tendo em conta a geometria e demografia variável do território.

Os mapas dos círculos uninominais em cada um dos cenários e os resultados das respectivas simulações podem ser encontrados no site www.proposta-sistema-eleitoral.pt (link a definir).

Estas simulações são meramente ilustrativas, e não servem para concluir sobre os hipotéticos resultados eleitorais, caso o método aqui proposto fosse implementado. Um cenário alternativo teria necessariamente de ter em conta o novo esquema de incentivos sobre os candidatos a deputados, o que não foi estudado.

Ajustamentos referentes a cada acto eleitoral

De forma a ter uma base comparável entre o sistema actual e o sistema proposto, e tendo em conta que:

  • No actual sistema eleitoral podem existir diferentes coligações nos diferentes círculos;
  • No sistema proposto existem incentivos para que a mesma coligação se apresente a eleições em todos os círculos uninominais;

Realizaram-se os seguintes ajustamentos aos resultados eleitorais:

Legislativas 2015

A Coligação “PAF” soma os votos:

  1. da coligação PPD/PSD.CDS-PP nos círculos do continente;
  2. do PPD/PSD no círculo da Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira; do CDS-PP no círculo da Região Autónoma da Madeira;
  3. da coligação CDS-PP.PPM no círculo da Região Autónoma dos Açores.

Com este ajustamento, existiria um deputado a mais para a PAF e um deputado a menos para o PS no círculo da Região Autónoma da Madeira, relativamente aos resultados oficiais.

Legislativas 2019

Não foram realizados ajustamentos.

Legislativas 2022

Tendo em conta que o PPD/PSD e CDS-PP candidataram-se separadamente nos círculos do continente, e apresentaram-se em coligação nos círculos da Região Autónoma dos Açores (com o PPM) e da Região Autónoma da Madeira, foram efectuados os seguintes ajustamentos:

  1. Atribuição de 0 votos ao PPM no círculo da Região Autónoma dos Açores, considerando que apenas obteve 260 votos nos restantes círculos nacionais;
  2. Utilização da proporção de votos entre o PSD e o CDS nos círculos do Continente para atribuir os votos da coligação PPD/PSD – CDS-PP a cada um dos partidos nas regiões autónomas.

Com este ajustamento, não existiria qualquer alteração nos resultados relativamente aos resultados oficiais.

Legislativas 2024

Os partidos da coligação AD apresentaram-se a eleições separadamente na Região Autónoma da Madeira. Assim, atribuíram-se os votos obtidos pela coligação formada pelo PPD/PSD e pelo CDS e os votos obtidos pelo PPM à Coligação “AD”.

Com este ajustamento, não existiria qualquer alteração nos resultados relativamente aos resultados oficiais.

Resultados das Simulações

Os quadros seguintes sintetizam o número de deputados eleitos no actual sistema e em cada um dos cenários simulados (A, B e C) nas eleições legislativas de 2015, 2019, 2022 e 2024, mostrando entre parêntesis, os ganhos ou perdas de mandatos de deputados.

Em geral, estas simulações demonstram que o partido vencedor das eleições é relativamente beneficiado quando comparado com o sistema actual. Esse benefício é maior com o aumento do número de mandatos eleitos pelos círculos uninominais.

Contudo, existem excepções à regra que o partido mais votado é beneficiado com esta proposta. Por exemplo, na eleição de 2015, a PAF teria menos deputados nos cenários A e B (100 e 113 mandatos nos círculos uninominais) Também no cenário A, na eleição de 2024, a AD seria prejudicada com a perda de um mandato. Neste caso, a situação seria agravada por o PS, nesse cenário, conseguir mais 2 mandatos, passando a ser o partido com maior número de deputados eleitos.

Um outro resultado, já antecipado, é o benefício que os pequenos partidos retiram deste sistema. Como já foi referido, qualquer partido que obtenha 1 por cento dos votos nacionais, consegue eleger, pelo menos, um deputado, situação que muito dificilmente aconteceria no sistema actual. A vantagem dos grandes e dos pequenos partidos é obtida à custa dos partidos de dimensão intermédia, com mais de 10 deputados, que vêem a sua representação parlamentar diminuir. Isto verifica-se em todos os cenários e em todas as eleições.

As simulações de resultados no caso das eleições de 2024 tem um resultado curioso, uma vez que no cenário A (100 círculos uninominais ), o PS seria o partido com maior representação parlamentar. Este é o único caso em que o resultado da simulação altera a vitória eleitoral face ao que sucedeu. No cenário B, o PS e a AD teriam o mesmo número de deputados, enquanto no cenário C, a AD teria mais deputados do que o PS. Esta situação parece decorrer do facto de a AD e o PS terem tido resultados muito próximos em termos de número de votos.

Como se observa, o sistema proposto permite, simultaneamente, uma maior representatividade dos partidos relativamente pequenos e muito pequenos, assim como, tendencialmente, uma maior estabilidade do partido com maior número de votos que, à partida, conseguirá eleger um maior número de deputados. Sendo este um jogo de soma nula, em termos da distribuição do número de deputados pelos partidos (para uns ganharem, outros têm de perder), estes ganhos ocorrem à custa do(s) partido(s) intermédio(s), o que se explica por duas ordens de razões:

  • os partidos relativamente pequenos e muito pequenos teriam agora acesso a um círculo nacional de compensação, onde todos os votos dispersos pelos círculos uninominais contam e não são desperdiçados, permitindo, respectivamente, a eleição de mais deputados pelos partidos pequenos e a entrada no parlamento de partidos muito pequenos;
  • o maior partido, que consegue eleger directamente nos círculos uninominais, como apenas utiliza um número de votos igual ao do segundo partido mais votado, acrescido de 1 voto, utiliza um número médio de votos menor (entre 10 912 e 15 953) para eleger em cada um dos círculos uninominais, comparativamente ao círculo nacional de compensação (entre 27 733 e 44 092). O número de votos médio para eleger um deputado por um círculo nominal diminui com o aumento dos círculos uninominais e esse aumento também aumenta o número médio de votos necessário para eleger no circulo nacional.

Desta forma, quanto maior o número de círculos uninominais e menor o número de deputados pelo círculo nacional, maior será o efeito de redistribuição de lugares do(s) partido(s) intermédio(s) para o partido maior e para os partidos mais pequenos. O aumento de círculos uninominais beneficia o maior partido porque menos votos, são gastos, em média na eleição pelos círculos uninominais e isso  aumenta o número de votos, em termos relativos, que o partido maior transporta para o círculo nacional.

Quadro 1. – Sistema atual e sistemas propostos | Deputados eleitos e variação em relação ao sistema atual | 2015

Quadro 2. – Sistema atual e sistemas propostos | Deputados eleitos e variação em relação ao sistema atual | 2019

Quadro 3. – Sistema atual e sistemas propostos | Deputados eleitos e variação em relação ao sistema atual | 2022

Quadro 4. –  Sistema atual e sistemas propostos | Deputados eleitos e variação em relação ao sistema atual | 2024

Um dos aspectos importantes nas eleições é a proporcionalidade do sistema, isto é, como é que a proporção de votantes por partido se traduz na proporcionalidade da representação parlamentar. O Índice de Gallagher é uma medida de proporcionalidade de sistemas eleitorais, que compara as percentagens de votos e as percentagens de assentos parlamentares, por partido. Quanto menor é o índice, maior a proporcionalidade, i.e., mais próximas estão as percentagens de votos das percentagens de assentos parlamentares, por partido.

Quadro 5. Índice de proporcionalidade de Gallagher |por eleição legislativa | Território nacional

Nas simulações efectuadas, o índice de proporcionalidade tende a piorar (a aumentar) nos sistemas de círculos propostos face ao sistema atual. Este resultado explica-se pelo facto de os maiores partidos conseguirem eleger mais deputados, com as mesmas percentagens de votos. No entanto, existem três exceções a esta tendência: nas eleições de 2015, há maior proporcionalidade nos cenários A e B, e em 2024, o cenário A é aquele que gera representações mais proporcionais.

Contudo, refira-se que um sistema absolutamente proporcional também tem os seus problemas, nomeadamente aumenta a dificuldades de governabilidade. Por isso, em alguns países é imposto uma percentagem mínima de votos para se conseguir eleger um deputado

Um outro aspecto a ter em conta é a representatividade, i.e., qual a proporção de votos que tem representação parlamentar. O índice de representatividade considera a percentagem de votos que nos partidos que lograram representação parlamentar. O sistema proposto permite diminuir o número de votos desperdiçados, pelo que mais facilmente os pequenos partidos conseguem almejar a representação parlamentar, o que aumenta a representatividade do Parlamento. A melhoria do índice de representatividade acontece em todas as eleições e em todos os cenários.

Quadro 6 • Sistema atual e sistemas propostos | Índice de representatividade, excluindo Europa e Fora da Europa

Vantagens de um sistema eleitoral uninominal

O sistema eleitoral uninominal permite que se estabeleça uma ligação directa entre os eleitores e os eleitos. Neste sistema, por cada jurisdição eleitoral existe um único deputado não havendo equívocos sobre quem responde perante os eleitores. O facto de existir esta ligação torna mais difícil a existência de candidatos “paraquedistas”, sem qualquer ligação ao círculo eleitoral.

O fomento da ligação entre o candidato e os eleitores é essencial para a eleição e reeleição. Desta forma, uma vez eleito, o deputado tem de atender às necessidades locais e servir como mandatário dos seus eleitores perante a Administração central.

Num país onde muitas vezes as questões com a Administração central são de difícil resolução e para ver os processos e os assuntos resolvidos é necessário contar com a ajuda de um qualquer conhecido que domine a burocracia e a dificuldade da a navegar, a actuação de um deputado como mandatário da população da sua jurisdição pode e deverá ser um contributo para uma administração pública mais eficiente e mais capaz de compreender e dar resposta às necessidades da população, nomeadamente daquela que vive, quer geograficamente quer socialmente, mais afastada dos centros de poder e de decisão.

A ligação local dos deputados aos eleitores também permite que estes canalizem, através dos deputados, para a administração central, as suas preocupações, por exemplo quanto aos serviços públicos que (não) recebem.

As principais críticas ao sistema eleitoral uninominal sugerem que este sistema, por um lado, promove o bairrismo, levando os deputados a terem uma visão paroquial da política ao invés de promoverem uma visão sobre o todo nacional e, por outro lado, anula as opções partidárias minoritárias que também merecem ter voz no Parlamento, porque tende a beneficiar os maiores partidos.

Pelo contrário, esta  proposta mitiga estas duas situações e, simultaneamente, promove a ligação entre os deputados eleitos e os círculos eleitorais onde se apresentaram a eleições. De facto, os candidatos beneficiam de estarem enquadrados em listas partidárias, pois para além das vantagens de apoio logístico dados pelos partidos, aumentam a probabilidade de serem eleitos deputados quando integrados numa lista partidária em vez de concorrerem de forma independente uma vez que para além de poderem ser eleitos directamente no círculo onde se apresentaram a eleições, podem também ser eleitos no círculo nacional, beneficiando da votação obtida pelo seu partido nos outros círculos uninominais.  Este mesmo mecanismo de dois tipos de círculos elimina a falta de representatividade que adviria de um Parlamento apenas eleito através de círculos uninominais, onde as visões mais minoritárias não teriam representação parlamentar.

As simulações realizadas mostram que a representatividade tende a melhorar com o sistema proposto; em termos de proporcionalidade, embora tendencialmente o sistema proposto possa gerar parlamentos menos proporcionais, não tem que ser necessariamente assim.

Com a introdução de círculos uninominais, os partidos têm o incentivo de seleccionar candidatos com forte apelo local. Desta forma, em geral, será menos racional um partido seleccionar candidatos desconhecidos da população do respectivo círculo uninominal, procurando-se promover um laço de proximidade entre os deputados eleitos e a população que representam.

A teoria económica comportamental permite analisar os incentivos que os deputados enfrentam, com vista a serem reeleitos. Tradicionalmente, a reeleição de um deputado depende, em primeira instância, deste ser seleccionado para a lista partidária e do posicionamento dentro da mesma, o que cria uma enorme dependência dos candidatos face à liderança partidária. Neste contexto, a relação entre eleitores e deputados poderá ser analisada com base no problema agente-principal, termo cunhado pela teoria económica. Neste problema, uma parte, denominada agente (deputados), é incumbida de representar e agir em nome de outra parte, conhecida como principal (eleitores). No entanto, existe o risco moral dos deputados priorizarem interesses próprios – partidários e pessoais (serem reeleitos) – à custa dos interesses dos eleitores. No sistema proposto a dinâmica muda, e a persecução do interesse próprio dos deputados – a reeleição – está alinhada e passa a depender, simultaneamente, da persecução dos interesses dos seus eleitores locais.

Cada círculo uninominal proposto tem uma dimensão média entre 74 000 e 93 000 eleitores, dependendo do cenário. A reduzida dimensão de cada círculo permite que os eleitores obtenham mais informação sobre os candidatos do respectivo círculo uninominal, reduzindo a tendência de o voto basear-se apenas no partido. Desta forma, existe um maior equilíbrio nas preferências do eleitor entre o perfil do candidato a deputado e o perfil do partido pelo qual ele se candidata.

Adicionalmente, no sistema proposto, o conhecido voto útil para evitar desperdiçar votos tende a ser eliminado. Vejamos o caso de um eleitor residente fora de um dos grandes círculos plurinominais, por exemplo do distrito de Bragança. Actualmente, Bragança elege 3 deputados, historicamente divididos entre os dois maiores partidos. Todos os votos em partidos que não elegeram não têm qualquer impacto no resultado eleitoral. Pelo contrário, no sistema proposto, é possível votar num qualquer outro partido, sabendo que o seu voto não será desperdiçado. O eleitor saberá que, caso o candidato do partido da sua preferência não seja eleito no respectivo círculo uninominal, o seu voto ainda assim estará a contribuir para a eleição de um candidato, do mesmo partido, pelo círculo nacional de compensação. Simultaneamente, estará a contribuir para a ordenação do candidato do seu círculo uninominal na lista do círculo nacional de compensação.

Em conclusão, o sistema proposto tem um conjunto de vantagens em termos de representação democrática que merecem ser consideradas. Alem disso, potencia a possibilidade de os deputados actuarem como mandatários dos seus eleitores, dando voz às dificuldades das populações, quer geograficamente quer socialmente, mais afastadas do centro administrativo e com isso exigir um funcionamento mais harmónico da Administração Central.

Versão preliminar e incompleta. Não citar sem autorização expressa dos autores.

[1] Castro, José Ribeiro e Duque, João (2009) Petição à Assembleia da República – Reforma da lei eleitoral da Assembleia da República.
[2] Deve ser discutida a possibilidade de os candidatos se apresentarem em lista com um candidato efectivo e um suplente.

[3] Os candidatos a deputados podem concorrer integrados em partidos ou de forma independente.

[4] Veja-se o caso dos Concelhos do Montijo e de Vila Real de Santo António.