A idoneidade da figura política, há muito que está ausente do domínio da administração e governança pública, não por qualquer tendência degenerativa na qualidade dos Homens, mas simplesmente, pela reforçada incapacidade de mascarar a humanidade – ou seja, o conhecimento limitado, a necessidade de adquirir conhecimentos e o fracasso enquanto processo natural – presente em todos os humanos.
De alguma forma, um largo número de cidadãos, construiu uma imagem, surpreendentemente, concreta e de grande definição, daquilo que deveria ser um político e aquilo que é um político, duas imagens profundamente redutoras e excecionalmente inestéticas.
O político, de acordo com uma grande massa populacional, deveria ser um administrador quase perfeito, um ser que exerce o poder de forma subserviente às vontades e caprichos populares, independentemente da oscilação, quase contrastante, desses mesmos caprichos.
Nesta visão, a possibilidade de fracasso ou a prática de algum ato que não corresponda à satisfação imediata da vontade popular, é um atentado a toda a estrutura institucional, desenvolvendo-se, uma forte cadeia de manifestações, condenações e perseguições sociais contra a determinada figura política.
Por sua vez, uma ainda maior massa populacional, estabelece uma redução pitoresca, fundamentada em estereótipos, cujo fundamento é dúbio, que correspondem à desvalorização da personalidade política, classificando-a enquanto uma ambição de ‘carreirismo’, uma trajetória para o enriquecimento ilícito, sempre numa abordagem e visão utilitarista da função política e nunca, enquanto serviço público de excelência e dignidade.
Esquecendo-se, sempre, o mais relevante dos fatores na avaliação do exercício de funções públicas e políticas, a base humana da personalidade política, não correspondendo a um acessório, mas sim, à essência do seu caráter e das limitações racionais e naturais, de todos nós, um grupo de cerca de 8 mil milhões, nos quais se inserem os políticos.
A generalização da adoção das duas imagens enquanto modelo de avaliação de um político, apresentam-se como problemas fundamentais à estabilidade democrática, quer pela incapacidade de observar o caráter humano no político, que denota um profundo e inadequado distanciamento entre o cidadão-eleitor e o cidadão-eleito, pela insatisfação persistente, inevitável quando construímos um quadro de análise e avaliação que resulta de especificidades perfeitas ou até mesmo, o desprezo e a crítica irracional e inconsistente, resultado de uma análise e avaliação que partem de pressupostos pejorativos do titular político, pelo simples motivo de exercer funções políticas.
Correspondendo este aglomerado de considerações pré-definidas e de constante descrença no próprio potencial da figura política, quer por deceção, quer por preconceito, a um gradativo reforço da vulnerabilidade e um ímpeto a duas abordagens irracionais, a da inação ou a da atuação inconsequente, que geram um intensificar das necessidades sociais ou uma afetação inadequada de recursos públicos.
Assim, os titulares de funções que correspondem à prestação de serviço público e cívico, encontram-se numa situação de profunda debilidade reputacional, uma que figura a maior das problemáticas para a oxigenação da liderança democrática, a incessante perseguição de um escrutínio, ao serviço de forças antissistémicas, que trabalham os preconceitos e as deceções populares, em prol da sua afirmação eleitoral e política.
O escrutínio é uma peça fundamental a ser salvaguarda para o bom funcionamento de um regime democrático, é significado de transparência e apresenta-se como um condicionalismo a desvios éticos, que conduzem a decisões inadequadas e ilícitas, no entanto, a vulgarização do escrutínio político, reduzindo-o a opiniões ao serviço de utilidades políticas, conduz à decadência das instituições e à desacreditação dos titulares de funções políticas.
Esta forma de escrutínio, por norma, difundido em larga escala nas redes-sociais, é problemático por diversas razões, a difícil defesa de honra dos afetados, dada a larga visibilidade das publicações, o aparecimento, por exemplo, no TikTok, de figuras, das quais, algumas integrantes de partidos políticos, a emitirem juízos de valor, submetidos ao seu interesse eleitoral, mas cujo discurso, construído sobre argumentos de autoridade, apresenta-se enquanto verdade legítima e tantas outras situações, cujo principal intuito, é o oposto do escrutínio político institucional, que serve a elucidação dos eleitores, mas sim, a criação e o estímulo à rutura com as instituições e à vulgarização dos cargos, que com os sucessivos e pejorativos juízos estabelecidos, reduzem-se a ‘tachos’.
É certo, que a exposição associada ao exercício de uma elevada patente na administração e governação da Nação, traduz-se numa maior atenção, mas não se deveria traduzir, numa situação de inevitável vulnerabilidade, trabalhada por quem ambiciona construir asfixia institucional e por uma larga massa populacional, que estabelece juízos e considerações, influenciadas pelo resultado de uma avaliação e análise, já por si, inadequada, conduzindo-a aos argumentos sedutores do populismo disruptivo.
Desta incessante perseguição, de um falacioso escrutínio ao serviço do desinteresse democrático, existem inúmeras vítimas, assumindo este processo uma profunda fase de radicalização, desde o XXIIIº Governo Constitucional, uma que está em fase de transposição para o ainda mais frágil XXIV Governo Constitucional.
Da sensação, originada pela replicação de ‘meias-verdades’ ou pela transposição temporal de notícias do passado, face às quais, a ausência de literacia política se assume como plataforma de crescimento da demagogia e da vulnerabilidade política, resultam os preocupantes resultados do estudo “50 anos de Democracia em Portugal: Aspirações e Práticas Democráticas — Continuidades de Mudanças Geracionais” (ISCSP/CAPP), que demonstra que apenas 34% da população inquirida confia em partidos políticos, 42% no governo e 53% da população inquirida, no parlamento.
Assim, é fundamental a humanização da pessoa política, a aproximação entre o cidadão-eleitor e o cidadão-eleito, a desmistificação de um ato que é serviço público e cívico, acompanhado de uma urgente reflexão e estímulo ao aprofundamento da literacia política, a par, com o reforço da celeridade e assertividade política dos titulares de cargos públicos, pois, cada vez mais, a ausência e demora de uma comunicação eficiente, abre o espaço para as sonoras forças do radicalismo demagogo.