A Festa do Avante! é há 40 anos a maior festa do PCP. Atrai comunistas e não-comunistas, gente de esquerda, mas também de direita.

O ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, ou o ex-presidente da Câmara de Sintra, Fernando Seara, são duas pessoas do PSD que já visitaram o terreiro do Avante! e que gostaram. Os motivos que os levaram lá são diferentes. Na sua biografia, da autoria de Maria João Avillez, o ex-ministro de Passos recorda que foi à festa dos comunistas, quando esta ainda decorria em Lisboa, no Alto da Ajuda. “Fui pelo menos a uma Festa do Avante por causa do Chico Buarque”, recorda. Não assistiu a comícios políticos, mas nesse mesmo livro mostra simpatia pelo ex-secretário-geral do PCP, Álvaro Cunhal. “Havia qualquer coisa que me interessava na sua vida para além do político totalitário: a parte literária, a pintura, os desenhos, e essa tensão que me parece ter havido entre as suas várias facetas”.

A Festa do Avante! já vai na sua 38ª edição, sempre com duas vertentes: a parte política (este ano dedicada aos 40 anos do 25 de abril) e a parte cultural (Camané e Buraka Som Sistema são alguns dos artistas).

Fernando Seara foi convidado para a Festa do Avante! quando era presidente da Câmara de Sintra e aceitou o convite. Recorda-a como uma tarde bem passada. “Eu tinha dito numa entrevista que gostava de conhecer a festa. Fui convidado e fui muito bem recebido. Tive uma visita guiada e conversei também com Jerónimo de Sousa”, conta ao Observador. Não assistiu à parte cultural, dedicou-se mais à política. “Constatei que era um espaço de afirmação do partido e que tinha uma organização impecável. E apesar de ser do PSD, fui muito bem recebido e acolhido”, afirma, acrescentando: “Até comprei uma boina à Che Guevara”.

O vereador da Câmara do Porto, Manuel Sampaio Pimentel (CDS), tem uma história parecida. Também confessou o desejo de ir à Quinta da Atalaia em entrevista (“Adorava ir”, respondeu ao JN), já recebeu o convite de dirigentes do PCP no Porto mais ainda não se estreou na festa dos comunistas, que atrai milhares de pessoas e que na década de 70 o PCP dizia receber cerca de um milhão de pessoas. “Ainda não surgiu a oportunidade mas ainda tenho esperança”, contou ao Observador. “Não sou sectário e não acho que a cultura é uma apropriação da esquerda. Claro que tenho curiosidade. É uma festa que atrai milhares de pessoas”.

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O retrato mais expressivo feito por alguém de direita sobre a Festa do Avante! pertence a Miguel Esteves Cardoso e contém muitos elogios.

Em 2007, Miguel Esteves Cardoso foi à Festa do Avante!, pela segunda vez, respondendo a um desafio da revista Sábado, e escreveu que era “magnífica”. “As festas do Avante, por muito que custe aos anticomunistas reconhecê-lo, são magníficas. É espantoso ver o que se alcança com um bocadinho de colaboração”, contou a 13 de setembro.

Da festa do Partido Comunista Português disse que fazia medo. Porquê? Porque era muita gente, muita alegria, muita convicção e muito propósito comum, numa só festa. É que os “comunas” não sabem apenas divertir-se, explicou Esteves Cardoso, também são “mestres do à-vontade”, fazendo o que lhes apetece, sem complexos nem receios.

“Pode não ser de bom-tom dizê-lo, mas o choque inicial é sempre o mesmo: chiça!, Afinal os comunistas são mais que as mães. E bem-dispostos. Porquê tão bem dispostos? O que é que eles sabem que eu ainda não sei?”, escreveu Miguel Esteves Cardoso.

O escritor português, que em 1987 foi candidato ao Parlamento Europeu como independente nas listas do Partido Popular Monárquico, escreveu no artigo que assinou na Sábado que todos os portugueses deviam ir de cinco em cindo anos a uma Festa do Avante! “só para enxotar estereótipos e baralhar ideias”. O que é que mais o impressionou? A falta de paranoia. Porque na festa do PCP, ninguém está ansioso, referiu. “Em matéria de livre de trânsito, é como voltar aos anos 60.”

“Dava-nos jeito que a festa do PCP fosse partidária, sectária e ideologicamente estrangeirada. Na verdade, não podia ser mais portuguesa e saudavelmente nacionalista”, escreveu Esteves Cardoso a 13 de setembro de 2007.

Sobre a festa dos “comunas”, o escritor destacou o “civismo individual” e a “competência administrativa”. “Raios os partam”, disse, referindo-se à qualidade da organização da festa, que, ao contrário de outros festivais apolíticos, não tem pressa, ansiedade de diversão ou cumprimento de rotinas obrigatórias. Há, por sua vez, um tédio “saudável”.

“É claro que nada disto será novidade para quem lá vai. Parece óbvio. Mas para quem gosta de dar uma sacudidela aos preconceitos anticomunista é um exercício de higiene mental”, escreveu.

No Avante, segundo Esteves Cardoso, não se veem comunistas desiludidos, frustrados ou “delirantemente esperançosos”. Existe antes um contentamento que é próprio dos resistentes, dos que existem apesar de a maioria os considerar ultrapassados, anacrónicos, extintos. “Há um prazer na teimosia; em ser como se é”, refere. E dá os parabéns aos comunistas. “Resistir já é vencer. A Festa do Avante é uma vitória anualmente renovada e ampliada dessa resistência.

Para o ex-deputado e ex-dirigente do PSD, José Pacheco Pereira, “a Festa do Avante é um caso único em Portugal e tem muito a ver com a idiossincrasia social e cultural do PCP”. Segundo escreveu em 2009 no seu blogue, este evento “vive de uma micro-cultura criada pela longa participação do PCP na vida política portuguesa, que marcou em várias regiões do país (Alentejo, Margem Sul, etc.) sucessivas gerações de portugueses”. Considerou ser “única” porque junta “milhares de pessoas que se juntam com pretexto na política”.

“A Festa tem um papel essencial na identidade comunista, no financiamento do PCP, na política do partido e mesmo na sua propaganda para fora, na sua “marca”, como agora se diz. (…) Dito de outra maneira, a Festa do Avante! é uma das raras iniciativas partidárias que, concorde-se ou não com o PCP, hoje dignificam a vida política nacional”, concluía.