O Presidente da República não quer que os apelos que fez no 5 de outubro caiam em saco roto e vai insistir, nas conversas que terá com responsáveis políticos (novos e atuais), na necessidade de se promoverem alterações tanto às leis eleitorais (para a Assembleia da República e para as autarquias locais) como à lei do financiamento das campanhas e partidos políticos. A intenção é que “alguma coisa” seja feita até às eleições legislativas do próximo ano.
Cavaco Silva tem feito referências ao calendário eleitoral e é vontade do Presidente que se tomem algumas decisões nos próximos meses, apurou o Observador. Desta vez, no discurso das comemorações da implantação da República, o chefe de Estado preferiu ir mais longe nos pedidos de diálogo e compromisso aos partidos políticos e avisou mesmo que se essa cultura não for seguida, o sistema partidário corre o risco de “implosão”.
Para o Presidente, a ideia é aproveitar as mudanças nas lideranças dos partidos e os novos momentos eleitorais para promover esta alteração no final do mandato. As eleições presidenciais serão em janeiro de 2016, o que lhe dá margem de pouco mais de um ano para o conseguir.
O recado é óbvio: se com António José Seguro à frente do PS não foi possível fazer alterações à lei eleitoral para a Assembleia da República – apesar de o último ato do secretário-geral demissionário ter sido o de apresentar a proposta de revisão da lei eleitoral -, com a nova liderança de António Costa, que será oficializada até ao final do ano, tem de ser possível.
Por outro lado, há a preocupação com o financiamento partidário. E o enquadramento da insistência feita pelo Presidente também não é para desvalorizar. Depois dos últimos casos (seja BPN, BES ou mesmo Tecnoforma) em que se falou das ligações entre grupos económicos e financiamento partidário ou de políticos, a intenção do Presidente é de, pelo menos, provocar o debate sobre o financiamento partidário. Daí que no discurso tenha falado, mesmo que subtilmente, do modo como se financiam os partidos políticos e no debate que tem sido feito “sem que desses debates surjam mudanças efetivas – e necessárias”.
Em cima da mesa, podem estar algumas propostas como, por exemplo, se as campanhas devem ou não ser pagas exclusivamente pelo Estado, reduzindo ou anulando a contribuição de privados e afastando assim as suspeitas em torno do financiamento político-partidário. Contudo, a última alteração à legislação, já com esta maioria, foi exatamente em sentido contrário. A alteração à lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais publicada em janeiro de 2013 foi no sentido de reduzir a subvenção estatal e de baixar o limite de despesas nas campanhas eleitorais.
Orelhas moucas
Não é a primeira vez que o Presidente alerta para a necessidade de alterar as leis eleitorais, nem será a última. Mas os partidos nada fizeram. Ainda há um ano, na mensagem que dirigiu aos eleitores nas eleições autárquicas, Cavaco Silva assumia que “o esclarecimento” dos portugueses tinha “ficado prejudicado” pela “falta de clareza da legislação”. E referia sobretudo dois aspetos: a apresentação de candidaturas e a cobertura da campanha eleitoral por parte da comunicação social. Nem uma nem outra recomendação presidencial foi atendida.
O chefe de Estado pedia uma “reflexão ponderada da legislação eleitoral”. Entre os problemas, também referia os prazos para a convocação de eleições e o facto de muitas normas serem “desajustadas” e “anacrónicas”. Aqui, Cavaco pedia um encurtamento dos prazos para convocação em caso de dissolução do Parlamento – que é atualmente de 60 dias.
Depois do discurso do 5 de outubro, Ferro Rodrigues, novo líder parlamentar dos socialistas, lembrou que Cavaco foi primeiro-ministro durante dez anos e Presidente quase o mesmo tempo e que, apesar disso, “não fez uma autocrítica”.
O PSD preferiu empurrar culpas para o PS, dizendo que nada foi feito porque os socialistas não quiseram. E Passos Coelho, que até disse ver com “bons olhos” as palavras do Presidente, referiu-se apenas ao apelo aos compromissos nunca falando das propostas para debater e alterar o sistema político.