“A liberdade é tudo para um homem”. As palavras são de José Brites, psicólogo clínico que está a habituado a trabalhar com pessoas que se vêem privadas desse direito — é diretor na instituição O Companheiro desde 2007, a qual trabalha diretamente com reclusos e ex-reclusos. Ao Observador explica que quando uma pessoa é presa a mudança é indiscutivelmente “muito difícil”, seja pela quebra de rotinas, isolamento social ou pelo espaço confinado a que é sujeita. O truque para que a transição, ou a “estadia”, seja menos complicada passa pelos escapes mentais de cada um.

Não é por acaso que José Brites recorda ao Observador um caso que tratou. Um homem condenado a dez anos de prisão, por homicídio qualificado, contou-lhe que, quando entrou pela primeira vez no estabelecimento prisional, embarcou numa “viagem” que terminou no primeiro dia de liberdade, uma vez cumprida a sentença a que foi sujeito.

Se fisicamente o organismo acaba por se habituar à mudança, quando um indivíduo é feito prisioneiro, a mente tende a não ser tão eficaz no processo. Por esse motivo, são precisas estratégias do ponto de vista mental para lidar com uma nova e indesejada situação. A escrita é entendida como uma das soluções. A psicóloga Cláudia Morais é da mesma opinião. Para ela, o tempo de reclusão permite uma maior introspeção, no sentido em que as pessoas ficam entregues a si próprias e aos seus pensamentos. “Quando a pessoa se esforça por organizar os pensamentos, ao manter um diário, a introspeção pode ser positiva e até útil para gerir melhor as emoções; há vários casos de doentes com depressão que encontram na escrita um efeito terapêutico”.

A criação de vínculos com a comunidade em redor é fundamental. Cláudia Morais recupera, então, a notícia que dava conta, em 2013, que Vale e Azevedo fora nomeado sacristão da igreja da prisão da Carregueira. “Há quase sempre uma oportunidade de a pessoa se manter ativa, construir laços e escapar a um eventual estado depressivo”. Sendo a prisão uma estrutura fechada onde impera um conjunto de novas normas, também a interação social com a comunidade desempenha um papel importante.

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Francisca Rebocho, psicóloga criminal, acrescenta que existem estatutos dentro de uma prisão, como se de uma “cadeia alimentar” se tratasse. Se “cá fora” um homicida nunca seria visto com bons olhos, o mesmo não acontece numa prisão — “nos bares são eles quem servem as pessoas por serem considerados homens de confiança”. Na base da “cadeia” estão os agressores sexuais de menores, que necessitam de proteção extra por não serem bem acolhidos pelos restantes prisioneiros. E o mesmo acontece com figuras mediáticas — ou porque o caso foi muito badalado ou porque a figura em questão ocupou um cargo de poder.

A depressão — normalmente caracterizada por tristeza profunda, apatia, ausência de prazer face a situações ou atividades que antes davam gosto à pessoa — pode ser combatida ao manter próxima, tanto quanto possível, a família (e pessoas amigas), de maneira a não aumentar uma eventual sensação de desamparo. A isto soma-se o não alienar-se do que se passa extramuros, esclarece José Brites. “Não deve existir nunca uma quebra com o exterior. O importante é não se blindar em demasia de forma a que, quando sair, não note que o mundo está completamente diferente”. A adaptação, a julgar pelo psicólogo, será muito mais fácil assim.

Há uma chave mestra a reter: à medida que o tempo for passando, o recluso deve criar novas ferramentas e competências para lidar com o espaço exíguo que lhe foi destinado. “É uma questão de adaptação para sobreviver. O grande trabalho é feito pelo próprio, que precisa de se manter são”, conclui José Brites.

 

* Título alterado a 26/11, às 12:30