O Ministério da Educação e Ciência (MEC) reconheceu este ano três agrupamentos de escolas e uma escola secundária que se distinguiram pela redução dos níveis de abandono escolar. São elas: Escolas da Cidadela de Cascais, Escola Secundária de Amora, Escolas da Baixa-Chiado e Escolas nº 4 de Évora. Esta informação faz parte dos resultados da avaliação externa das escolas, divulgado este sábado.
O Observador falou com três destas escolas e procurou compreender o que permitiu alcançar taxas de redução do abandono escolar entre os 9 e os 11,9%. Diretores, técnicos sociais e presidentes de associações de dirigentes referem a criação de agrupamentos e mega-agrupamentos e o encaminhamento dos alunos em risco para cursos profissionais, vocacionais e outras vias alternativas como as principais razões.
Uma redução de quase 12% no agrupamento da Cidadela de Cascais
A redução mais significativa ocorreu no agrupamento de Escolas da Cidadela de Cascais, onde se passou de uma taxa de abandono de 17,7%, no ano letivo 2011/2012, para 5,8% em 2012/2013. Um decréscimo de quase 12%. José João Gonçalves, diretor do agrupamento, disse ao Observador que esta quebra se explica pela constituição, em 2012, de um agrupamento que passou a reunir seis escolas: uma Secundária que inclui 2º e 3º ciclo e mais cinco estabelecimentos de pré-escolar e primeiro ciclo.
Dado que o abandono escolar se sente sobretudo no 3º ciclo, os valores da redução deste indicador correspondem, essencialmente, ao da Escola Sede do agrupamento, a Secundária da Cidadela. Antes de 2012, os alunos chegavam a este estabelecimento de ensino apenas no 7º ano, o que, segundo José João Gonçalves, muitas vezes significava que outras escolas enviavam para a Secundária da Cidadela os alunos com mais dificuldades. “Com a constituição do agrupamento temos cá o 5º e 6º ano. Os alunos que este ano iniciaram o 7º ano são nossos. É diferente de termos alunos que aterram aqui. Conseguimos controlá-los melhor”, diz o diretor do agrupamento ao Observador.
Mas José João Gonçalves pensa que ainda antes da criação do agrupamento as medidas tomadas pela Secundária da Cidadela estavam a conseguir reduzir este problema. Desde 2010 que a escola atua juntamente com um conjunto de parceiros – o Centro de Saúde de Cascais, a Junta de Freguesia, a Câmara de Cascais e a Comissão de Proteção de Jovens e Menores – para sinalizar e identificar os alunos que se encontrem em risco de abandono escolar, ajudando-os de acordo com as suas necessidades socioeconómicas específicas. Até porque, explica o diretor, é nas classes mais desfavorecidas que se registam os maiores níveis de abandono.
A sinalização e identificação do problema ocorre da seguinte forma: quando os alunos faltam mais do que uma semana sem apresentarem justificação ou atestado médico, a escola contacta os encarregados de educação, pedindo que estes se desloquem ao estabelecimento de ensino. Se os encarregados de educação não justificam comprovadamente as faltas ou se os alunos reincidirem, a escola comunica o caso à Comissão de Proteção de Jovens e Menores. “Com essa entidade, os pais enfrentam uma maior responsabilização. Até porque muitos destes pais recebem Rendimento Social de Inserção (RSI)”, explica ao Observador José João Gonçalves.
Assim, se a escola perceber que o aluno tem dificuldades de pagar o passe para transporte ou a alimentação, há várias respostas que a direção pode dar. “Eu próprio posso mudar o escalão [da Ação Social Escolar] para o A para que ele possa comer. Quanto ao transporte – pedimos à Junta de Freguesia ou à Autarquia que lhe pague o passe”, explica José João Gonçalves.
Esta redução valeu ao agrupamento de escolas uma bonificação de 30 horas letivas, que podem ser aplicadas no reforço à ajuda dos estudantes, nomeadamente ao nível do aumento de horas de projetos como teatro e tutorias, para acompanhar os alunos em risco, diz José João Gonçalves. Desta forma, o diretor espera conseguir reduzir ainda mais a taxa de abandono. “Queremos reduzir abaixo dos 5% este ano. O ideal era o 0%”, diz.
“Via profissional e vocacional reduz abandono”
O diretor da Escola Secundária de Amora, Simão Cadete, pensa que a redução de quase 10% na taxa de abandono escolar (de 10,9% para 1%) se deve à preocupação em dar aos estudantes “ofertas formativas diversificadas” que permitam “segurar” os alunos. Simão Cadete está a referir-se aos cursos profissionais, aos cursos de educação e formação, aos cursos vocacionais – iniciados este ano – e aos ensino noturno. “Se formos perguntar o que a Secundária da Amora tem? Tem tudo”, diz o diretor, publicitando as vias alternativas disponíveis na escola.
Segundo Simão Cadete, as taxas de abandono foram reduzidas desde que aumentou “a aposta nos percursos alternativos“. O que na prática significa que os alunos que não têm sucesso no ensino regular “são encaminhados para essas alternativas”. Neste momento, este estabelecimento de ensino tem cinco turmas de 10º ano nos cursos científico-humanísticos e seis turmas no ensino profissional.
À semelhança do que acontece no agrupamento de Escolas da Cidadela de Cascais, também na Secundária de Amora existe um trabalho mais antigo no sentido de reduzir o risco de abandono escolar. Há cerca de cinco anos foi criado o Centro de Formação, Reflexão e Aquisição, destinado a alunos com dificuldades de aprendizagem. Este centro permite que os jovens sejam acompanhados em tutoria, encaminhados para o Gabinete de Reflexão sobre Atitudes e Comportamentos quando são expulsos por mau comportamento (fazendo, depois, uma reflexão do sucedido por escrito) ou para o Gabinete de Aquisição de Conhecimentos, onde aprende métodos e técnicas de trabalho. Além disso, a escola conta, desde há dez anos, com o apoio de uma psicóloga clínica, patrocinada pela Junta de Freguesia.
“Às vezes basta dizer aos pais que têm acesso remoto ao número de faltas dos filhos”
Na Escola Básica e Secundária Passos Manuel, Escola Sede do agrupamento de Escolas da Baixa-Chiado, há 704 alunos – num universo de 1100 estudantes – com escalão A e B na Ação Social Escolar. Ainda assim, Carla Soares, educadora social do Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família (GAAF), considera que o risco de abandono escolar não se limita às classes desfavorecidas, mas é “transversal”. No agrupamento de Escolas da Baixa-Chiado, a taxa de abandono diminuiu de 11,2 para 1,6%, sendo que o essencial dessa redução ocorreu na Escola Passos Manuel, um estabelecimento TEIP – Territórios Educativos de Intervenção Prioritária – onde existe um compromisso com o MEC para a redução do abandono escolar.
Além das dificuldades económicas das famílias, as técnicas do GAAF pensam que a situação geral de precariedade profissional – que implica, muitas vezes, longas horas de trabalho – dificulta o envolvimento dos pais na vida escolar e pode levar a situações de abandono que são transversais às classes sociais. Associado a este problema está a desmotivação dos alunos, explica Carla Soares. “Antes via-se que quem estudava e trabalhava tinha emprego. Agora os alunos têm pais desempregados e tanto os pais como os filhos começam a não acreditar que a escola possa facilitar a empregabilidade”, diz.
À semelhança do agrupamento de Escolas da Cidadela de Cascais e da Escola Secundária de Amora, também neste agrupamento do centro de Lisboa existe uma estratégia de articulação com os parceiros comunitários – como a Santa Casa, a Junta de Freguesia da Misericórdia, a Escola Segura da PSP e a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens – e de encaminhamento de jovens em situação de absentismo para a via profissional e vocacional.
Em alguns casos, o abandono dos estudantes está muito relacionado com as dificuldades de os pais conciliarem a vida profissional e familiar. Por isso, existe uma plataforma online onde os encarregados de educação têm acesso online às faltas, ao comportamento, aos resultados dos testes e às atividades extra-curriculares dos filhos. “Às vezes basta divulgar aos pais que têm acesso ao controlo remoto”, diz Sofia Figueiredo, assistente social no GAAF.
Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares, diz ao Observador que com o alargamento da escolaridade obrigatória ao 12º ano – um processo progressivo ao longo dos últimos três anos – é normal que as taxas de abandono escolar sejam quase residuais. “Até agora havia mais do que um dígito porque só agora a escolaridade é obrigatória até aos 18 anos”, diz.
Ainda assim, Manuel Pereira diz que nos últimos cinco anos – devido ao agravamento da situação económica – se tem sentido “uma pressão que inverteu o sentido”, havendo neste momento mais tentativas de abandono. Relativamente à solução de encaminhamento para os cursos profissionais e vocacionais, o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares diz que “são uma boa solução”, mas acrescenta que “nem sempre é possível encontrar a área profissional que os alunos desejam – principalmente no interior do país”.
Para Adelino Calado, presidente da Associação dos Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, as vias profissionais e vocacionais conjugadas com o facto de o mercado de trabalho não absorver os jovens fazem com que estes “acabem por ficar na escola“. A criação de agrupamentos e de mega-agrupamentos é, na opinião deste dirigente, uma solução na medida em que torna possível acompanhar os alunos “desde muito cedo e até muito tarde”, o que acaba por “favorecer a manutenção dos alunos na escola”.
*O Observador tentou contactar o Conselho Diretivo do agrupamento de Escolas nº 4 de Évora, onde a taxa de abandono escolar registou uma diminuição de 15,9% para 4,2%, mas não obteve resposta.