A escritora portuguesa Hélia Correia é a vencedora do Prémio Camões de 2015. O anuncio foi feito esta quarta-feira, pela Secretaria de Estado da Cultura (SEC).
Hélia Correia nasceu em Lisboa em 1949. Licenciada em Filologia Românica, foi professora do ensino secundário, dedicando-se atualmente à tradução e à escrita. É poetisa, dramaturga e ficcionista. Estreou-se na poesia com O Separar das Águas, em 1981, e O Número dos Vivos, em 1982. Mas tem sido na ficção que se tem revelado “um dos nomes mais importantes e originais da sua geração”, escreve o gabinete de Barreto Xavier.
Hélia Correia já recebeu várias distinções, entre as quais o prémio PEN 2001, atribuído a obras de ficção, pela obra Lillias Fraser, e o PEN de poesia 2013 pelo livro A Terceira Miséria. Neste regresso à poesia, a escritora prestou homenagem “à sua Grécia” e aos problemas económicos e sociais que está a enfrentar desde o início da crise financeira.
A Casa Eterna (Prémio Máxima de Literatura, 2000), Bastardia (Prémio Máxima de Literatura, 2006) e Adoecer (Prémio da Fundação Inês de Castro, 2010) são alguns títulos da sua bibliografia. No ano passado, venceu a 23.ª edição do Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco com a obra Vinte Degraus e Outros Contos.
A vencedora foi escolhida por unanimidade pelo júri, que reuniu esta quarta-feira no Rio de Janeiro, constituído por Rita Marnoto, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Portugal), Pedro Mexia, escritor e crítico literário português (“Não há nenhum escritor português de agora a escrever com esta grandeza soberana”, escreveu sobre Hélia Correia no Público, em 2001), Affonso Romano de Sant’Anna, escritor e académico (Brasil), António Carlos Secchin, escritor e académico (Brasil), Mia Couto, escritor (Moçambique) e Inocência Mata, professora da Universidade de Lisboa e da Universidade de Macau (S. Tomé e Príncipe).
Instituído por Portugal e pelo Brasil em 1989, o Prémio Camões é um dos principais prémios de literatura em língua portuguesa. É atribuído o valor de 100 mil euros a um autor “cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento da literatura de língua portuguesa em todo o mundo”, escreve a SEC.
Já o venceram 11 portugueses, entre os quais Miguel Torga, Vergílio Ferreira, José Saramago, António Lobo Antunes e Sophia de Mello Breyner Andresen. Também já houve 11 brasileiros vencedores, incluindo Jorge Amado, Rachel de Queiroz e, no ano passado, Alberto da Costa e Silva. O angolano Pepetela e o moçambicano Mia Couto também estão entre os distinguidos.
Hélia Correia feliz com atribuição “muito generosa”
A escritora Hélia Correia confessou que ficou feliz ao saber da “muito generosa e pouco severa” atribuição do galardão à sua obra, que percorre o romance, a poesia, o teatro e o conto.
Contactada pela agência Lusa, a escritora disse que recebeu a notícia “com muita surpresa”: “Há grandes escritores de língua portuguesa com uma obra de muito maior impacto e fecundidade do que a minha”. “Não sinto que mereço. Nunca me vejo a fazer parte destas pessoas com probabilidade de obter estas distinções. Sinto-me muito fora das probabilidades de reconhecimento literário”, disse à Lusa Hélia Correia, que se estreou na edição, em 1981, com o romance O Separar das Águas.
Sobre esse sentimento de não ser merecedora, a escritora precisou: “Não sinto que mereça, porque sou muito preguiçosa e descuidada na minha relação com a projeção literária, vivo num mundo muito separado do mundo social que possa estar ligado à literatura. E de vez em quando, creio eu, há uns júris assim, que são mais movidos, creio eu, pelo afeto e pela generosidade”.
“É uma espécie de compensar o defeito, em vez de compensar a virtude. Não sou um escritor esforçado e responsável perante as exigências editoriais. Tenho um traçado de vida muito selvagem e muito antissocial que não espera cruzar-se com estas benesses tão importantes e tão relevantes, ligadas a um nome como o de Camões, que merece toda a nossa veneração”, declarou.
“Camões é um nome muito importante na minha vida. É a referência maior da língua portuguesa”, frisou a escritora nascida em Lisboa, em 1949.
Reações
Nuno Júdice, poeta
A atribuição do Prémio Camões à escritora portuguesa Hélia Correia é “muito justa”, afirmou à agência Lusa o poeta Nuno Júdice. “Fomos colegas de curso na Faculdade de Letras, fizemos parte das mesmas lutas académicas e vejo na obra dela uma capacidade de fazer reviver. Uma das suas influências literárias é o romance inglês do século XIX, mas atualizado. E depois há o lado fantástico”, descreveu o escritor.
Para Nuno Júdice, o romance Lillias Fraser pode ser um bom ponto de partida para um leitor entrar na obra literária de Hélia Correia. “Seja em romance seja em conto, há uma tonalidade poética que passa na obra”, disse.
Francisco Vale, editor da Relógio D’ Água
O editor da Relógio D´Água, Francisco Vale, sublinhou “a grande imaginação e o português rico e dos mais elaborados, no espaço da língua portuguesa”, na obra de Hélia Correia, hoje galardoada com o Prémio Camões. “É um prémio merecido. É a autora que melhor está a escrever em língua portuguesa, atualmente”, sublinhou Francisco Vale, da Relógio D´Água, editora que publica a obra de Hélia Correia desde meados dos anos 1980.
Contactado pela agência Lusa, o editor sublinhou que a escritora, de 66 anos, nascida em Lisboa, “tem uma obra muito diversa e diversificada”, que percorre o romance, o teatro, o conto, a poesia e a novela. “É realmente uma obra diversificada, mas tem em comum uma grande imaginação. O português dela é extremamente rico, e um dos mais elaborados dentro do espaço da língua portuguesa, portanto não me surpreende esta escolha”, disse.
O editor revelou à Lusa que a Relógio D´Água vai reeditar agora todas as obras de Hélia Correia, que ficarem esgotadas no mercado, e ainda publicar um volume com obras escolhidas da escritora.
Fernando Pinto do Amaral, coordenador do Plano Nacional de Leitura
O coordenador do Plano Nacional de Leitura, Fernando Pinto do Amaral, destacou na escritora Hélia Correia a “singularidade muito grande”, capaz de criar um “mundo fascinante”, na “fronteira entre a normalidade e a loucura”.
“O mundo que cria é fascinante”, afirmou o também escritor, salientando na obra da autora de Lillias Fraser, “a ligação entre o real e o fantástico”, as “criaturas um pouco estranhas, que estão na fronteira entre a normalidade e a loucura”.