Escritor deveria ser a segunda profissão mais chata do mundo, logo a seguir a revisor oficial de contas. Afinal, aquilo que têm de fazer todos os dias é, basicamente, sentar-se, abrir um computador, bater com os dedos em teclas durante várias horas e, no final, desligar o computador. Mas, de vez em quando, os suecos decidem apimentar a coisa. Todo o processo de escrita e produção de A Rapariga Apanhada na Teia de Aranha, o quarto livro da saga “Millennium” — que é lançado hoje, dia 29, em Portugal –, esgotou as reservas de adrenalina existentes nos países nórdicos.

Depois de ser escolhido — num processo polémico — para continuar a trilogia de Stieg Larsson, o escritor sueco David Lagercrantz foi convocado para uma reunião na editora Nordstedts. Ao fim de uns minutos, percebeu que as coisas se iam passar de forma diferente da habitual: a responsável pelo livro, Susanna Romanus, sugeriu que falassem na cave do prédio, para prevenir qualquer hipótese de serem escutados.

Quando se sentou para escrever, Lagercrantz já tinha um computador novo, oferecido pela editora. Não foi um presente, foi uma precaução: o autor tinha ordens expressas para nunca o ligar à Internet. Sempre que precisava de fazer pesquisas, usava um outro computador. Já depois de terminado o livro, o escritor deu uma entrevista ao jornal canadiano The Globe and Mail e o mínimo que se pode dizer é que foi cândido:

Foi uma coisa um bocado louca, até porque a NSA tem um papel importante na história. Eu estava mais ou menos a viver no mundo sobre o qual escrevia. Fomos mesmo paranoicos.

Mas houve mais: a partir do momento em que Lagercrantz começou a escrever, os contactos com Susana Romanus passaram a ser feitos preferencialmente por correio. Nos poucos emails que trocaram sobre o assunto, os dois usavam um código para falar sobre o projecto — o nome que lhe deram foi “Eva A”. Segundo o Wall Street Journal, tratava-se de uma referência literária: “Eva” fora o nome dado pelos membros da Academia Sueca a Patrick Modiano, vencedor do Nobel da Literatura em 2014. Os nomes dos protagonistas, Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist, também foram trocados por códigos.

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TO GO WITH AFP STORY BY CAMILLE BAS-WOHLERT Swedish journalist and best-selling author, David Lagercrantz is pictured on June 12, 2015 at Swedish publishing company Norstedts in Stockholm. Speaking to reporters, David Lagercrantz said he was "terrified" as he wrote "The Girl in the Spider's Web" which goes on sale in 25 countries on August 27, 2015 and in the United States on September 1, 2015. AFP PHOTO / JONATHAN NACKSTRAND (Photo credit should read JONATHAN NACKSTRAND/AFP/Getty Images)

David Lagercrantz foi o autor do livro. Ou melhor, do projecto “Eva A.”

Quando o livro ficou pronto, Lagercrantz entregou pessoalmente o manuscrito à editora numa pen. Só duas pessoas tiveram autorização para pegar nas páginas onde foi impressa a versão final. E o manuscrito ficava sempre fechado num armário — todos os dias, Susanna Romanus escondia a chave num local diferente.

Antes de começar a distribuir calmantes por todas estas pessoas, convém perceber que existia uma razão para tantas cautelas. Pouco tempo antes, um dos filmes baseados na série tinha sido pirateado e divulgado na Internet por hackers e havia o receio de que tentassem fazer o mesmo com o novo livro. Por isso, o secretismo manteve-se mesmo depois de o livro estar finalizado. É que, nessa altura, o círculo de pessoas que sabiam o que se estava a passar alargou-se. Tendo em conta que o livro seria publicado em 42 línguas, os editores internacionais começaram a receber cópias.

Portugal: “For your eyes only”

Em Portugal, Maria da Piedade Ferreira, da D. Quixote, teve de assinar um termo de responsabilidade de duas páginas, no qual se comprometia a não deixar escapar nenhuma informação sobre o livro até 27 de Agosto, data em que seriam lançadas as versões em sueco e em inglês. Antes de enviarem o manuscrito para Lisboa, os nórdicos certificaram-se de que a portuguesa, que publicara os primeiros três volumes da saga, estaria nas instalações no dia e na hora em que a encomenda seria entregue, para que a recebesse pessoalmente.

Livros 2

O livro é editado em Portugal pela D. Quixote e custa 21,90 euros

Foi preciso arranjar um tradutor que fosse português, que soubesse sueco e que pudesse trabalhar em agosto. E arranjou-se. Mas a pessoa que juntava essas três características, Jaime Bernardes, não estava propriamente perto — vive no Brasil. Como toda a gente ainda estava proibida de usar a Internet, os correios foram novamente a solução. O manuscrito que chegara da Suécia foi enviado de avião para o Brasil.

À medida que ia traduzindo o livro, Jaime Bernardes mandava-o para Lisboa. Maria da Piedade Ferreira conta ao Observador que a primeira entrega foi feita em papel. Erro: por ser muito volumosa, demorou 18 longos e intermináveis dias a chegar a Portugal. Para evitar ataques de ansiedade, modificaram a forma de atuar: os três envios seguintes foram feitos numa pen.

Na D. Quixote, Maria da Piedade Ferreira ia recebendo uma newsletter com informações reservadas sobre o processo de lançamento de A Rapariga Apanhada na Teia de Aranha em todo o mundo. No topo, vinha sempre um aviso: “For your eyes only”. A partir de agora, com o livro a chegar às livrarias portuguesas, passa a ser para os olhos de todos.