Era uma vez um pássaro de papel com asas do tamanho da ponta de um dedo e penas tão minimalistas que pareciam feitas com bisturi cirúrgico. Pareciam, não: eram. Su Blackwell é uma artista britânica que cria esculturas através do papel dos livros que lê. Serve-se das suas histórias, dá-lhes formato e agora mostra-as no projeto “Dwelling” (em português, habitação), em exibição na galeria Long & Ryle, em Londres. Veja algumas delas na nossa fotogaleria.
Depois de terminar os estudos, Su Blackwell decidiu viajar até à Tailândia em busca de respostas para as suas dúvidas existenciais. O pai havia morrido enquanto Su frequentava o Royal College of Art, de Londres. Na época, a artista só tinha duas palavras em mente: vida e morte. E uma dúvida: o que existe entre uma e outra?
A artista atravessava Khaosan, uma agitada rua de Banguecoque, quando encontrou um livro em segunda mão. Primeiro, apaixonou-se pelo papel; depois, pela história chinesa dos dois amantes cujas almas renasceram das cinzas sob a forma de borboletas. Tinha encontrado as respostas que procurava. E o seu futuro também: decidiu esculpir as páginas do livro de acordo com o conto que a havia inspirado.
É isso que Su Blackwell, nascida em Sheffield, Reino Unido, em 1975, faz desde então. Deixa-se embrenhar nos livros com que se cruza nas lojas de produtos em segunda mão, lê as histórias e a seguir trabalha o papel do livro com precisão cirúrgica. Literalmente: usa bisturi, arames, cola e pinças para cortar o papel e materializa os contos em esculturas tridimensionais tão delicadas como o papel. “Eu utilizo este meio frágil e acessível para refletir sobre a precariedade do mundo em que vivemos e sobre a fragilidade dos nossos sonhos e ambições”, explica Su ao Observador.
O seu primeiro trabalho foi baseado na obra The Quiet American, a história de um jornalista inglês que trabalha no Vietname durante a Guerra da Indochina e que não quer regressar ao país de origem. Para a ilustrar, Su Blackwell abriu o livro e recortou pássaros de papel, que prendeu através de arames para simular o voo.
Inspirada em Paula Rego
A exibição “Dwelling” é, ainda assim, mais intimista do que a maior parte dos trabalhos de Su Backwell. Embora inspiradas pelos contos populares mais famosos, as nove obras de arte criadas pela artista britânica estão relacionadas com a fase de vida que Su atravessa agora. “Estou em processo de venda da minha casa, que tem muitas memórias e da qual estou relutante em sair. Vivo em Londres, mas possivelmente vou para uma cidade sossegada junto ao mar. O processo de comprar uma nova casa é intimidante, uma violência emocional”, descreve a escultora de 40 anos.
Desta vez, Su Blackwell inspirou-se nos meios aquáticos e no “espaço imaginativo” que existe dentro de uma casa. Construiu faróis, casas da árvore ou casas de madeira inseridas em ambientes solitários e algo sombrios. “Normalmente inclino-me para personagens de meninas pequenas e coloco-as em cenários inesquecíveis de fragilidade para expressar a vulnerabilidade da infância, a sua ansiedade e deslumbramento”, explica Su. A artista admite que se deixa influenciar pela sua própria infância, durante a qual brincava num bosque junto à sua casa e batizava as árvores como se fossem pessoas.
Um trabalho de perfeccionismo e precisão como este exige “paciência e delicadeza”, admite a artista ao Observador. Diz que entre ler o livro, planear as obras e executá-las podem passar vários meses. “É um processo tediosamente lento”, acrescenta.
Há dois nomes fulcrais para a inspiração de Su Blackwell. O primeiro é o artista Joseph Cornell, um dos escultores mais proeminentes da arte da assemblagem (colagens tridimensionais) do século XX. A outra inspiração é portuguesa: a pintora Paula Rego.
Texto editado por Miguel Pinheiro