Pode dizer-se que a possibilidade de haver uma “estrutura alienígena” na proximidade da estrela KIC 8462852 se tornou viral a partir do meio de outubro, mas o artigo científico que deu origem a estas notícias nada diz sobre estas supostas estruturas, disse ao Observador Sérgio Sousa, investigador Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, no polo da Universidade do Porto. “Quem lê o artigo com cuidado poderá verificar que em lado nenhum se refere a hipótese de ‘estrutura alienígena’.”

“Não é a primeira vez que acontece, nem vai ser a última, infelizmente”, lamentou Sérgio Sousa criticando a forma como esta notícia foi passada aos media. “E olhando para o passado recente, vê-se um aumento desta má comunicação, especialmente por parte de equipas científicas do Estados Unidos. Obviamente que o assunto de extraterrestres, ainda que fictício, atrai a atenção do público, o que é usado claramente para chamar a atenção.”

Tabetha Boyajian, primeira autora do estudo e investigadora na Universidade de Yale (Estados Unidos), confirmou ao The Altantic que o artigo científico só mostrava os cenários de origem “natural” que podiam justificar as estranhas observações. A coordenadora do grupo de cidadãos-cientistas que ajudou a analisar a enorme quantidade de dados disse, no entanto, que estava a considerar outros cenários. Tabetha Boyajian está neste momento a trabalhar com Jason Wright, astrónomo na Universidade Estatal da Pensilvânia, e Andrew Siemion, diretor do Centro de Investigação SETI, na Universidade da Califórnia, e preparam-se para publicar um novo artigo que explora a hipótese de o fenómeno ser causado por vida extraterrestre.

E é contra o centro SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence), que se dedica a procurar sinais de vida no espaço pela presença da tecnologia que tenham desenvolvido, que Sérgio Sousa dirigiu as principais críticas. “Acho que esta visibilidade pode ser benéfica a curto prazo para estas equipas científicas e em especial para uma entidade como o SETI que se apoia neste tipo de noticias para ir sendo financiado”, disse. “A longo prazo, contudo, penso que a descredibilização pelo público possa levar a menos financiamento para a ciência em geral.”

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A equipa do SETI não parece, no entanto, desistir da ideia de comprovar que os dados intrigantes registados pelo telescópio espacial Kepler pertencem a uma “sociedade tecnologicamente sofisticada” que criou um conjunto de painéis solares para orbitar a estrela e tem os Telescópios Allen a trabalhar para o demonstrar. Estes radiotelescópios conseguem detetar frequências entre um e 10 gigahertz. “É como estar à procura de TV cabo cósmica, mas em vez de estar à procura de inteligência em 400 ou 500 canais, estamos a fazê-lo em milhares de milhões de canais”, disse ao Business Insider Doug Vakoch, astrónomo no SETI.

“Com base nos antecedentes históricos, o mais provável é que a perda de brilho de KIC 8462852 seja devido a causas naturais, mas na busca por inteligência extraterrestre qualquer pista sugestiva deve ser, evidentemente, mais investigada. E é isso que o SETI está a fazer neste momento”, lê-se no site do instituto.

Sérgio Sousa não negou que “a descoberta deste fenómeno na estrela KIC 8462852 é de facto bastante intrigante”, mas optou por “usar a razão e o conhecimento existente para encontrar razões que possam explicar e avaliar os dados recolhidos pelo Kepler”.

Mas o que tem de tão especial a observação feita pelo Kepler?

Desde que o telescópio espacial encontrou esta estrela, em 2009, que a tem observado. O que este telescópio procura, nesta e nas outras cerca de 150 mil estrelas que observa, são pequenas variações no brilho. Quando estas variações acontecem periodicamente e com uma quebra de brilho mais ou menos constantes, podemos estar perante um objeto, como um planeta ou cometa, que orbita essa estrela.

O que a estrela KIC 8462852 tem de estranho é que o brilho pode diminuir até 22%, um fenómeno nunca observado em nenhuma estrela. As restantes estrelas observadas pelo Kepler podem ter uma quebra de brilho de um ou dois por cento. Para um planeta que passasse em frente à estrela provocar uma quebra de brilho tão grande era preciso que tivesse metade do diâmetro da estrela, referiu o Guardian. Repare que Júpiter, o maior planeta do sistema solar, tem apenas um décimo do tamanho do Sol. Mais, a estrela KIC 8462852 tem uma vez e meia o tamanho do nosso Sol. Haverá um planeta assim tão grande que a faça perder 20% do brilho? A resposta parece ser: não.

Para piorar a dificuldade em avaliar esta situação, o objeto que passa em frente à estrela não o faz com uma frequência definida, como costuma acontecer com as órbitas dos planetas. O “escurecimento” da estrela pode levar cinco dias ou até 80. Daí que outra explicação “natural” seja a passagem de uma nuvem de asteroides ou de fragmentos de um cometa que continuam a orbitar a estrela, mas que lhe provocam este padrão irregular de atenuação do brilho.

“A hipótese mais credível parece estar relacionada com a desintegração de um cometa que orbitasse à volta desta estrela”, disse ao Observador Mário Lino da Silva, investigador no Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico de Lisboa. “Um estudo detalhado destas quedas de luminosidade ao longo do tempo permitirá resolver esta questão. Se for, de facto, a quebra de um cometa, estes padrões irão reproduzir-se à medida que os detritos passam à volta da estrela, até desaparecer gradualmente, à medida que estes se vaporizam ou regressam para os confins da órbita da estrela. Se esta anomalia não desaparecer, nesse caso será necessário revisitar o problema para encontrar outras explicações.”

Embora confirme a hipótese da desintegração do cometa, Mário Lino da Silva descartou a hipótese da nuvem de detritos, porque estes detritos ao aquecerem emitiriam radiação infravermelha adicional. E isso não está a acontecer. A ausência de radiação infravermelha anómala também exclui a possibilidade da hipótese mais “exótica”, explicou o investigador. “[Esta hipótese] implica a presença de estruturas artificiais de uma civilização de tipo 2 na escala de Kardashev – civilização com consumo de energia da ordem de grandeza da irradiada por uma estrela –, em que seriam construídas estruturas do tipo ‘esfera de Dyson‘ para absorver a energia do sol – tal qual um painel solar no espaço. Este tipo de estruturas aqueceria o suficiente para emitir radiação infravermelha.” Ora, como já se viu, isto não está a acontecer.

As nuvens de detritos ou a desintegração do cometa parecem ser, na opinião de Vítor Cardoso, que lidera o grupo que estuda gravidade no instituto Centra do Instituto Superior Técnico, a hipótese mais plausível. “Esta é, segundo os autores do artigo, a explicação mais convincente, mas tem um tudo-nada de especulação”, disse ao Observador. “Claro que, estando no campo da especulação, tudo é possível.” E isso justifica (ou não) que alguns investigadores se tenham lembrado que pode ser “possível que uma civilização avançada tenha construído uma ou mais naves gigantes que orbitem em torno da estrela (talvez para a usarem como combustível), e que sejam estas naves que estejam a eclipsar a estrela”. “Esta alternativa é pouco credível. Mas é tão sensacional que vale a pensa pensar sobre o assunto”, rematou Vítor Cardoso.