A culpa não é do acordo de esquerda, é do voto útil? Qual voto útil? Muitos simpatizantes do PCP, na hora de votar, terão escolhido o candidato com mais probabilidades de passar a uma segunda volta com Marcelo Rebelo de Sousa. Isso terá ajudado a explicar o desaire eleitoral de Edgar Silva, candidato presidencial apoiado pelo PCP que conseguiu 182.906 votos – que ficaram longe dos 445.980 votos alcançados pelo partido nas legislativas de outubro.

Os únicos distritos onde Sampaio da Nóvoa e Belém seguram o resultado do PS são precisamente os bastiões comunistas de Setúbal, Évora e Beja – o que indicia que os votantes tradicionais do PCP terão ajudado ao resultado de Sampaio da Nóvoa.

Senão, vejamos. Em Beja, o PS teve nas eleições legislativas 37,3%. Agora Nóvoa e Belém obtiveram juntos 36,6%. Em Évora, o PS teve nas eleições legislativas 37,5%. Agora Nóvoa e Belém juntaram 34,4% dos votos. Em Setúbal, o score foi em 2015 de 34,3% e agora manteve-se quase inalterado nos 34%.

“Muita gente votou Sampaio da Nóvoa convencida que assim o iria levar à segunda volta. Considerava muito mais útil assegurar a passagem de Nóvoa, realizando assim um dos objetivos do partido”, explica ao Observador o ex-dirigente Carlos Brito. Na verdade, o PCP fez a campanha sempre com estas duas ideias: dar força a Edgar Silva e forçar uma segunda volta. O ex-deputado lembra que sempre “houve manifestações de simpatia de dirigentes comunistas em relação a esse candidato”. Sampaio da Nóvoa participou no colóquio de homenagem pelos 100 anos de Álvaro Cunhal, que decorreu na Faculdade de Direito de Lisboa. “Há muita gente que viu nele um amigo“, reconhece Brito.

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Vítor Dias, ex-dirigente do PCP, tem uma visão idêntica. Edgar Silva “foi muito provavelmente afectado pelo facto de um segmento do eleitorado da CDU ter preferido usar o seu voto para resolver a competição entre Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém“, escreveu no seu blogue.

“Numa primeira fase, havia dúvidas sobre se [Nóvoa] podia ou não passar à segunda volta. Muitos diziam-me: ‘Pelo sim, pelo não, vamos votar já no Sampaio da Nóvoa‘. Muitos tomaram essa opção cedo quando estava tudo ainda muito dividido e não se sabia se era Nóvoa ou Maria de Belém a passar à segunda volta”, explicou ao Observador Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof.

Isto, para além do efeito-Marcelo que, pela análise dos votos distrito a distrito, roubou votos a todos os quadrantes.

No total, o PCP perdeu nestas eleições, em relação às legislativas de há quatro meses, mais de 250 mil votos. Em relação às últimas presidenciais, perdeu quase 120 mil. Francisco Lopes teve na altura 300 mil votos e 7,1%. Na verdade, o PCP consegue sempre menos adesão nas presidenciais do que nas legislativas, sendo certo que o melhor candidato que já teve foi Carlos Carvalhas em 1991.

Carvalhas, por sinal, veio defender ainda em 2014, em vésperas do avanço de Sampaio da Nóvoa, um candidato único de esquerda. “É necessário que haja um candidato que ganhe a convergência da esquerda”, disse, em entrevista ao programa Especial Informação da “SIC-Notícias”, sublinhando que o candidato da esquerda deve “ter o perfil de um democrata e, sobretudo, dar garantias de cumprir a Constituição”.

PCP-presidenciais-legislativas

O pior resultado de sempre ocorreu em 2001, altura em que o PCP candidatou alguém que não pertencia ao núcleo duro do partido e que, portanto, para muitos dos militantes era um desconhecido. António Abreu teve 5,1% dos votos (223.196). Mas esta candidatura, na altura, foi lançada com o propósito de não ir até às urnas. A direção do PCP contava anunciar a desistência a favor de Jorge Sampaio no início da segunda semana de campanha, mas devido ao momento interno conturbado a estratégia abortou.

O assunto foi discutido em reunião da Comissão Política e a maior parte dos dirigentes defendeu que não fazia sentido lançar uma candidatura sem ir a votos – aquilo que o PCP fizera no pós 25 de abril já não se justificava no Portugal moderno e o partido devia bater-se com os outros partidos. No fundo, se era para apoiar Sampaio então mais valia isso ter sido assumido logo e ninguém compreenderia uma desistência num quadro eleitoral em que não havia qualquer risco de Sampaio não ganhar as eleições.

Para não perder a face, os dirigente cunhalistas recuaram na intenção de votar a proposta de desistência de Abreu e foi assim que um candidato desconhecido para muitos militantes e votantes do PCP foi até às urnas. Depois foi o que se sabe. Teve 5,1% dos votos naquele que se tornou até este domingo o pior resultado de sempre do Partido Comunista.

Curiosamente, o ex-dirigente comunista Carlos Brito compara Edgar Silva a António Abreu. “Até hoje, à exceção de António Abreu, o PCP apresentou sempre dirigentes destacados do partido, do seu núcleo central com que o corpo do partido se sente mais identificado”, afirma ao Observador o ex-dirigente e ex-deputado Carlos Brito.

Em Lisboa, os números mostram que o candidato do PCP teve um terço dos votos registado por aquele partido nas legislativas de 2015 (113.406). Em Beja, teve metade dos 18.592 votos conseguidos anteriormente. Em Évora, por exemplo, caiu também para menos de metade. Uma parte terá ido para Sampaio da Nóvoa mas o resto dos votos foi partilhado também com o homem que foi líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa.

O Comité Central do PCP reúne esta terça-feira e o que dirá? A culpa será de Marcelo Rebelo de Sousa que, nas suas palavras, andava há 15 anos a fazer campanha na televisão com os seus comentários políticos. Da ideia que entrou na cabeça das pessoas que a eleição já estava ganha e que, portanto, não fazia muita diferença votar. Dos populismos, desde Marisa Matias a Marcelo, que captaram o votos das pessoas e que ainda as irão enganar. Estes são argumentos que quase de certeza constarão no comunicado do Comité Central que será divulgado só depois da reunião – esta terça-feira haverá conferência de imprensa breve num dos intervalos do órgão máximo do PCP entre congressos.

“As eleições presidenciais não têm um padrão. Não podem ser comparadas com nenhumas outras. Têm muito a ver com o número e qualidade dos candidatos. Ainda por cima, a abstenção foi enorme”, defende Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof.

Já Vítor Dias, ex-dirigente do PCP, lança a pergunta: “Já viram que se aplicarem a outros o que estão a aplicar ao PCP terão que concluir que o PS só vale 26% e que o PSD e CDS valem os 52% de Marcelo?”, questiona no seu blogue.

Abalo aos acordos de esquerda?

Mas estas eleições presidenciais foram também as primeiras desde que o PCP fez um acordo com o PS para viabilizar o Governo e as que antecedem o Congresso dos comunistas – que só se realiza de quatro em quatros anos. São várias as equações em cima da mesa.

Na noite eleitoral, Jerónimo de Sousa avisou logo que não admite qualquer leitura de que este resultado reflete uma censura por parte dos militantes do PCP em relação aos acordos de esquerda para a governação. “Estes resultados são, de facto, outra coisa. Continuamos firmes na concretização dessa posição conjunta mesmo em relação a medidas próximas como o Orçamento para 2016. Há muito a examinar mas estamos com esta firmeza e seriedade e nesse sentido estas eleições não se vão refletir nessa solução governativa que foi encontrada”, afirmou aos jornalistas.

As eleições de ontem não tiraram deputados a nenhum partido da esquerda“, sublinha ao Observador Mário Nogueira, desejando que o acordo do PCP com o PS de António Costa para viabilização do Governo “se mantenha durante toda a legislatura”.

Curiosamente, dentro do PCP os mais críticos dos acordos de esquerda e de uma política frentista terão sido mais favoráveis a um apoio a Nóvoa do que à candidatura autónoma do PCP.

De qualquer modo, com este resultado, a pressão à esquerda aumenta e o BE não perdoa. Jorge Costa, dirigente do BE, em artigo no esquerda.net, alimentava a polémica: “Nos próximos dias, será interessante acompanhar a leitura dos resultados pela parte do PCP. É difícil desligá-los da condução do partido ao longo do ciclo pós-legislativas, até porque Edgar Silva não conseguiu mobilizar a maior parte dos eleitores comunistas de outubro passado, que se abstiveram ou escolheram outras candidaturas”.

Na noite eleitoral, Jerónimo deixou escapar o desabafo que o PCP podia ter tido um candidato ou candidata “engraçadinha” e não o quis fazer, numa alusão ao BE. “Espero que estes resultados não reanimem rivalidades. O PCP não deve ficar traumatizado. Deve ir em frente. Foi apenas um incidente de percurso”, defende, por seu lado, Carlos Brito.

Congresso para a sucessão de Jerónimo

No final do ano há congresso e estes resultados poderão ser os últimos da liderança de Jerónimo de Sousa. Questionado sobre isso na noite de domingo, o líder do partido, evitou a resposta.

A história do PCP no que diz respeito a transição de lideranças é curto. Álvaro Cunhal foi o secretário-geral carismático durante 40 anos. Depois disso, a direção resolveu criar a figura de secretário-geral-adjunto para Carlos Carvalhas para aí ele começar a fazer um estágio. Nesse período, foi testado nas urnas e com sucesso como candidato presidencial. A assunção do poder deu-se logo depois, em 1993. Depois seguiu-se Jerónimo de Sousa que foi deputado à Constituinte, duas vezes candidato presidencial e que se revelou uma mais valia eleitoral e um trunfo em plena campanha. É quase certo que Jerónimo já não fará mais um mandato. Em entrevista à RR, notou-se aliás um desabafo que não é muito frequente vindo de dirigentes comunistas onde a vontade do coletivo pesa mais do que a vontade individual.

Eu não quero fazer elogios em boca própria, mas olhe que o sentimento que eu tenho – desde o sítio onde moro, desde as deslocações que faço, desde a exposição pública natural de um cidadão comum como sou, nas iniciativas do partido, nas campanhas eleitorais – é o de que os meus camaradas de partido, os amigos do partido e muita gente mesmo que não é do meu partido, consideram que eu devia continuar. Mas isto, como digo, é sempre uma decisão do Comité Central”, disse, no final de 2015. Em breve, saberemos como esta história terminará.