Em setembro de 1836, após mais de quatro anos a viajar pelo mundo a bordo do navio Beagle, e quando se preparavam para voltar ao Reino Unido, o naturalista britânico Charles Darwin visitou o arquipélago dos Açores. No seu diário, descreveu estorninhos, alvéolas, tentilhões e melros, mas nas ilhas existiam também restos de outras aves que as tinham habitado vários séculos antes da visita de Darwin. Um estudo agora publicado na revista científica Zootaxa destaca a descoberta de cinco espécies de aves extintas – parentes do frango-d’água atualmente existente em Portugal -, duas na Madeira e três nos Açores.
A exploração paleontológica conduzida por investigadores espanhóis, alemães e portugueses permitiu “descobrir estas espécies de aves que desapareceram provavelmente após a chegada dos seres humanos e de os animais que os acompanhavam, como ratos, ratazanas e gatos“, disse à Agencia Sinc Josep Antoni Alcover, co-autor do estudo e investigador do Conselho Superior de Investigações Científicas do Instituto Mediterrâneo de Estudos Avançados.
As cinco espécies encontradas:
- Rallus lowei da Madeira é uma espécie de corpo muito robusto e não voadora;
- Rallus adolfocaesaris de Porto Santo é grácil e provavelmente pouco voador;
- Rallus carvaoensis de São Miguel de tamanho bastante pequeno, robusto, não voador e de bico algo curvado;
- Rallus montivagorum do Pico é um pouco maior do que o anterior, mas mais pequeno do que o do continente, é gracioso e pouco voador;
- Rallus “minutus” de São Jorge é bastante pequeno, relativamente robusto, de pernas curtas e não voador – e cujo nome científico não é definitivo.
De acordo com as datações dos ossos, ou pela datação das espécies que apareciam associadas, essas cinco espécies extintas viveram até há bem pouco tempo, especialmente as espécies dos Açores. “Pelo menos uma das espécies sobreviveu até o século XV, por isso temos um processo muito recente de extinções”, enfatizou Alcover.
Para o cientista, a extinção na Madeira pode estar relacionada com uma possível visita dos vikings – ainda que esteja por confirmar se foi uma colonização – e que podem ter transportado ratos para a ilha. Estes ratos poderiam causar o desaparecimento de várias aves na ilha (porque predam as aves e os ovos).
“Os restos de esqueletos de aves endémicas que foram agora descobertos mostram que, se Darwin tivesse sido capaz de estudar os fósseis escondidos nestas ilhas ou se tivesse visitado as ilhas 500 anos antes, tinha encontrado uma fauna cheia de aves endémicas, como a que encontrou nas Galápagos”, disse Alcover.
Aves de água de hábitos terrestres
Atualmente só existem 13 espécies do género Rallus. “Isso porque nos últimos tempos têm desaparecido outras espécies que apenas vivem em ilhas”, disse o especialista. Estima-se que no Pacífico viveram cerca de dois ou três mil espécies destes frangos-d’água insulares. Mas apenas sobreviveram nas ilhas mais remotas do Atlântico, incluindo nas ilhas de Tristão da Cunha e Gough. No Caribe, Bermudas e nas ilhas da Ascensão e Santa Helena já só foram encontradas espécies extintas.
As aves agora descobertas nas ilhas da Macaronésia “eram de tamanho menor do que os frangos-d’água continentais atuais, como o Rallus aquaticus, dos quais muito provavelmente derivaram”, disse Alcover. Os fósseis encontrados permitem também verificar que todas essas espécies apresentaram uma redução na sua capacidade de voar. “Alguns eram totalmente incapazes de um fazer voo regular”, revelou o pesquisador. O que as impediria de fugir dos novos predadores levados pelos humanos.
Enquanto os Rallus do continente vivem perto da água, os insulares ocupam habitats mais terrestres. A razão é que para viver em ilhas há que evoluir de forma diferente, ao ponto de originar endemismos insulares. Esta evolução implica mudanças no tamanho e proporções do corpo e uma diminuição ou perda total da capacidade de voar.
“Como resultado, os Rallus que vieram para as ilhas, e que evoluíram nelas, perderam a capacidade de dispersão: não podiam deixar as ilhas e ficaram encerrados nos limites dos territórios insulares, que têm uma área de distribuição extremamente restrita”, especificou o cientista.
Esta circunstância faz com que também fiquem muito propensos à extinção quando a ecologia das ilhas é alterada (por exemplo, quando são colonizadas por seres humanos). “A história dos frangos-d’água insulares é uma história intensa de evolução e, muitas vezes, de extinção”, disse Alcover.
A ponta do iceberg da diversidade
O restos fósseis que foram encontrados nos arquipélagos da Madeira e dos Açores refletem uma parte da diversidade destas ilhas e que só agora se começa a conhecer.
Às cinco espécies descritas neste trabalho juntam-se outras, como duas espécies endémicas de coruja. “São apenas a ponta do iceberg do que está por descobrir sobre a fauna ornitológica original destas ilhas”, admitem os autores.
“A existência de corujas e frangos-d’água no passado aponta para a magnitude da devastação sofrida pelas aves nas ilhas do Atlântico após a chegada dos seres humanos e dos animais que os acompanhavam”, concluem os cientistas.
Adaptado do artigo original (aqui) da Agencia Sinc.