As autoridades portuguesas têm detetado vários grupos criminosos que se dedicam ao tráfico de seres humanos e que procuram portugueses para trabalhar noutros países da Europa. Ainda em 2015, segundo o Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), foi registado um caso de um grupo de portugueses levado para trabalhar na área da construção civil na Alemanha e que acabou em condições pouco dignas e de quase escravatura.

A revelação foi feita por Rita Penedo, chefe de equipa do Observatório do Tráfico de Seres Humanos, durante uma conferência que decorre esta segunda-feira no Salão Nobre da Ordem dos Advogados, em Lisboa. Referindo as conclusões de um relatório da Eurostat, a socióloga lembrou que 65% das vítimas deste crime sinalizadas na Europa são oriundas de países europeus. E lembrou que “ano sim ano não” as autoridades portuguesas detetam casos de tráfico de portugueses que são levados para a zona de Navarra, em Espanha, “para trabalhar sobretudo na área vinícola”.

Um país que não estava nas informações estatísticas do OTSH era a Alemanha, que em 2015 foi referida como um país de destino para um grupo de trabalhadores da construção civil, que acabou por ser vítima do crime de tráfico de seres humanos. Mas é nos trabalhos agrícolas que o OTSH tem sinalizado mais casos a nível interno, ou seja, dentro de Portugal. “Seja na apanha da azeitona, da castanha ou da ervilha…” explica Rita Penedo lembrando um caso que ocorreu em Beja e que em 2014 acabou na “libertação” de várias vítimas de nacionalidade romena.

Sem querer revelar dados de 2015, por aguardar a publicação do Relatório Anual de Segurança Interna, a responsável pelo OTSH lembrou que, entre 2008 e 2014, foram sinalizadas 1222 vítimas pelos órgãos de polícia criminal. 331 foram vítimas de tráfico humano, as outras poderão ter sido vítimas de crimes conexos, como o lenocínio ou a falsificação de documentos, por exemplo.

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“Portugal é fundamentalmente um país de destino. Mas há tráfico doméstico, cá dentro, e há de portugueses para o estrangeiro”, disse.

Em 65% dos casos registados pelo OTSH, Portugal foi o país de destino para estes crimes, em 22% das situações foi o país de origem e em 13% foi o ponto de passagem de suspeitos destes crimes para outros países. A maior parte refere-se a crimes de tráfico de seres humanos para fins laborais, segue-se a exploração sexual e, por fim, a adoção.

Também presente na conferência, a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, usou estatísticas europeias e internacionais para mostrar a dimensão desta realidade. “Nenhum país pode considerar-se hoje imune a este crime”, disse, referindo que estão sinalizadas 510 rotas de tráfico de seres humanos, nacionais, transnacionais e domésticas e mais de 30 mil vítimas só na Europa.

O diretor nacional adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Joaquim Pedro Oliveira, lembrou a primeira condenação num tribunal português pelo crime de tráfico de seres humanos. Foi em 2009, num caso que sentou no banco dos arguidos romenos que traziam mulheres para Portugal que obrigavam a prostituir-se. Joaquim Pedro Oliveira referiu ainda um caso que está agora em julgamento, relacionado com mais de 40 vítimas nigerianas que eram trazidas para Portugal e outros países da Europa para se prostituírem. Uma investigação que implicou uma grande cooperação com outras autoridades europeias.

Apesar do sucesso destas investigações, o responsável lembrou que existem grandes entraves à investigação: a grande mobilidade das vítimas, a tecnologia que usam como meios de comunicação (skype, whatsapp) e o facto de trabalharem com dinheiro vivo.