Na semana passada centenas de pessoas passaram horas à espera de entrar na loja Primark que abriu no Almada Fórum. Por estes dias já há quem se acotovele nas chamadas “mid season sales”, as promoções de meia estação, com descontos que chegam aos 50%. Todos nós adoramos saldos e comprar roupa barata tornou-se um ritual comum nas sociedades do novo milénio. É a vida em modo fast. Fast food, fast literature, fast fashion, num paradigma de produção de bens para serem usados por pouco tempo e rapidamente substituídos por novos.
A pressão para comprar e comprar cada vez mais é grande, e aliou-se a essa compra uma certa ideia de sucesso e felicidade. Mas os custos deste estilo de vida são brutais para a natureza e para milhares de pessoas que, em condições de pobreza extrema, trabalham para nos alimentar a compulsão consumista.
Uma das indústrias que mais fomenta esta pobreza é precisamente a indústria da moda, a terceira mais lucrativa do mundo. Em 2013, quando o edifício de confeção de roupas Rana Plaza, no Bangladesh, colapsou matando 1.138 pessoas e ferindo mais de 2.500, o mundo recebeu o seu primeiro alerta e, logo nesse ano, um movimento cívico criou a Fashion Revolution Week, que decorre sempre em abril, para assinalar a data da tragédia. Em apenas três anos esta revolução já conseguiu chegar a 68 países, incluindo Portugal. Este ano, a tomada de consciência decorrerá entre os dias 18 e 24, em vários espaços de Lisboa.
Uma semana para mudar mentalidades
É preciso ter roupas novas para mostrar todos os dias nas fotografias do Instagram e do Facebook, é preciso ter sempre o mais trendy para exibir no blogue. Há no entanto um pergunta que todos nos esquecemos frequentemente de fazer: de onde vem a roupa que eu uso? Depois desta há muitas outras questões que se impõem: quem faz a minha roupa? Em que condições de trabalho? Quanto recebem as pessoas que fizeram estes milhares de peças? Há crianças a costurar as roupas que eu visto, os sapatos que eu calço? Há trabalho escravo a sustentar a indústria da moda?
Vá lá, pense bem: alguma vez viu as nossas muito admiradas Sarah Jessica Parker, Victoria Beckham, Olivia Palermo, Kim Kardashian ou Kendall Jenner virem a público perguntar se as marcas que as vestem usam trabalho infantil? Ou em que condições vivem e trabalham as milhares de pessoas que gastam os seus dias a fazer roupas para nós usarmos em troca de um salário de miséria?
E as tão faladas bloggers de moda? Alguma vez puseram a hashtag #whomademyclothes –pergunta que se tornou o símbolo deste movimento — e promoveram um debate sério em torno do tema?
O Observador falou com Salomé Areias, professora de Design de Moda numa escola na província de Guangdong, na China, e responsável pela vinda da Fashion Revolution Week para Portugal. O evento vai para a sua terceira edição e o objetivo, diz, “é agir sobre a cadeia de produção e consumo alertando o topo dessa cadeia que são os consumidores. A ideia não é criar um sentimento de culpa nas pessoas, mas sim mostrar que temos que ser mais exigentes nas compras que fazemos. Quer por uma questão económica, quer porque estamos a sustentar o funcionamento irresponsável de toda uma indústria.”
A designer conta que o movimento está a crescer em todo o mundo e também em Portugal. Inicialmente não tinham ninguém e agora têm cada vez mais gente a oferecer-se para colaborar nesta semana de moda alternativa. “Gostávamos muito de ter mais marcas, mais bloggers, mais gente da moda a colaborar connosco, para criar um movimento de massas que contrarie o movimento do consumo da fast fashion“, explica Salomé Areias.
Este ano a Fashion Revolution Week Portugal é composta pelos seguintes eventos:
- Workshops – Tricot, reciclagem de roupa, costura, etc. Abertos ao público com a participação de bloggers, designers e consumidores, entre os dias 18 a 21 de abril;
- Unconference – “Como podemos erguer um sistema de moda sustentável?”, no MUDE- Museu do Design e da Moda, a 23 de abril;
- Swap Market – Mercado informal de troca direta de roupa usada em boas condições, no Arquivo137, na Rua da Rosa, Bairro Alto, no dia 24 de abril. A roupa deve ser entregue antecipadamente.
- Documentário – True Cost tem exibição no MUDE, no dia 22 de abril
Mas o grande acontecimento será mesmo a participação das pessoas enviando um postal para as suas marcas preferidas com a pergunta: who made my clothes? Salomé Areias acredita que este passar da palavra e esta nova atitude de exigência dos consumidores podem fazer pressão para que as marcas passem a dar aos seus trabalhadores melhores condições de trabalho e de remuneração.
Um movimento, uma hashtag: #whomademyclothes?
Para conseguir chegar às redes sociais, a Fashion Revolution Week lançou esta hashtag, que, como denuncia o jornal britânico The Guardian, acabou por ser imitada pela marca de fast fashion H&M, coisa que muito desagradou os organizadores. Precisamente na mesma semana da Fashion Revolution Week, a H&M lança a sua World Recycle Week onde, com a ajuda da cantora inglesa M.I.A, promove a recolha de toneladas de roupa para reciclar em todos os países onde tem lojas. Em troca a marca sueca oferece um voucher de compras. A ideia é trocar roupa velha por roupa nova e ajudar o ambiente. O problema, dizem os organizadores, é que ao fazer-se coincidir com a Fashion Revolution Week, a H&M está a tentar obliterar o acidente de Rana Plaza com um carnaval de compras.
A marca sueca é uma das mais referenciadas pelos fóruns internacionais das condições de trabalho por não dotar as suas fábricas com condições de segurança mínimas, como pode ser lido neste relatório. Salómé Areias junta mais uma acha à fogueira e explica que “estas marcas de fast fashion subcontratam empresas locais que fornecem trabalhadores e, portanto, desresponsabilizam-se totalmente por quem trabalha para eles. Se houver lá mão-de-obra infantil, eles vêm a público dizer que não sabiam de nada.”
Daí que seja fundamental que todos os consumidores exijam saber quem faz as suas roupas.
“É urgente tirar essa gente do anonimato”, conclui a designer. A roupa que usamos tem um rosto, tem uma vida por trás. Tal como declarou o economista italiano Guido Brera na altura da tragédia de Rana Plaza: ‘os culpados somos todos nós’.”