Os pais e mães sentem-se culpados por não passarem mais tempo a brincar com os filhos mas, quando o fazem, optam por passá-lo sobretudo em frente à televisão. É este o padrão adotado pela grande maioria das famílias entrevistadas no estudo “Hábitos de brincadeira entre pais e filhos portugueses”.
O inquérito foi elaborado pela Marktest, a propósito do Dia Internacional da Família que se comemora este domingo, 15 de maio. Contou com as respostas de 410 pais e mães, de norte a sul do país, com filhos entre os 6 e os 12 anos. O objetivo era perceber os hábitos de brincadeira entre pais e filhos: o que fazem e quanto tempo fazem.
A televisão é a atividade mais praticada durante a semana pelas famílias, atingindo os 83% das preferências. São 69% as famílias inquiridas que gostam de passar os fins de semana a ver televisão com as crianças. De um modo geral, as atividades dentro de casa consomem a maioria do tempo livre das famílias, sendo que durante o fim de semana esse tempo diminui.
O consumo de televisão pode ter uma ou outra vantagem mas o reinado da caixinha mágica, em geral, não é bom para as famílias. “Estes números provam que há um peso excessivo da televisão“, começa por sentenciar Cecília Galvão, psicóloga clínica da área da criança e do adolescente.
Primeiro, as boas notícias: “A televisão é uma fonte de conhecimento e de assuntos que podem ser conversados em família a partir dali”, explica a autora das conclusões do estudo. Os programas de vida selvagem ou culinária, desenhos animados e os concursos de cultura geral são boas sugestões de conteúdos para partilhar. “As perguntas de cultura geral são um bom exemplo porque permite à família participar no programa e discutir: ‘Será esta a resposta?’, ‘O que é que tu achas?’, ‘Quem é que sabe?'”.
Mas chegar a casa e enterrar os miúdos no sofá em frente à TV, para mantê-los ocupados várias horas sem chatear, não é boa política. “Para as crianças desta idade [entre os 6 e os 12], a televisão é também um modelo e, às vezes, são transmitidos modelos negativos às crianças sem que os pais se apercebam. Quando se discute na TV de forma pouco educada, estão a licitar que aquilo se faça. E os pais às vezes não estão lá para comentar que aquela pessoa está a falar de forma incorreta. É nestas idades que se constroem os conceitos da moral, do bem e do mal“, destaca Cecília Galvão, especialista com 30 anos de experiência.
A televisão é um modelo. As crianças pensam: “Este senhor é importante porque aparece na televisão. Se este senhor faz isto, então é a maneira de se fazer”.
De facto, a maioria das vezes a televisão é o primeiro aparelho a ser ligado no final do dia, quando a família chega a casa. “Ou porque a seguir vai dar o telejornal, ou porque estão a dar desenhos animados”, acrescenta a psicóloga. Mas este império pode ser destronado com pequenas estratégias: “Podem instituir que só se vê televisão no dia em que passa aquele programa sobre a vida selvagem. Podem decretar um dia sem televisão, por exemplo. A família ia descobrir que ao princípio seria muito incómodo: ‘Sem televisão, o que é que vamos fazer?’. Mas é esse estímulo que é preciso fazer”, defende Cecília Galvão.
“Ver televisão” é a atividade mais praticada em conjunto, tanto durante a semana como ao fim de semana e, de seguida, vem “brincar com eles em casa”. No entanto, parece que a realidade choca com o ideal desejado. Quando questionados sobre as atividades que mais gostam de fazer com os filhos, a maioria dos pais responde “ir ao parque infantil” e “jogar à bola ao ar livre”. Sobre as atividades preferidas dos filhos, a maioria dos pais aponta o “andar de bicicleta”, seguido por “ir ao parque infantil”.
Há pais frustrados por não brincarem mais com os filhos
Progenitores e crianças têm pouco tempo durante a semana para realizar atividades em conjunto. Pelo menos é o que dizem os pais e mães entrevistados: 37,6% afirmam passar entre 30 minutos e uma hora por dia em atividades partilhadas, seguindo-se 28% que dizem passar entre 1 e 2 horas. Mas grande parte dos 410 pais e mães inquiridos sentem-se frustrados por não estarem mais tempo com as crias: 75% admitem que sentem que o seu filho gostaria de passar mais tempo consigo. Mais: 36% admitem que, por vezes, o seu filho lhes pede para brincar e que têm de inventar uma desculpa para não o fazer.
Mas esses mesmos pais e mães têm a explicação: 80% culpam a atividade profissional, 19,5% põem a culpa na escola da criança e 11% dizem que a responsabilidade é das tarefas domésticas. Quanto a outros membros da família que participam nas atividades com os filhos, 80,8% indicam os cônjuges (o companheiro ou a companheira), e 48,1% referem os irmãos das crianças. Apenas 3,4% indicam os avós.
O tempo é relativo. A afirmação não é um truque de génio de Cecília Galvão, mas é a chave para fazer face à escassez de tempo que se tem durante a semana com os filhos. Não importa os minutos que se tem, mas importa o que se faz com eles:“Se eu tenho meia hora, não preciso de dizer isso aos miúdos. Para eles meia hora pode parecer imenso tempo ou pouquíssimo tempo. É fundamental ajustar a brincadeira ao tempo que tenho“.
Por isso, há que adequar as atividades ao tempo disponível. “Se eu tenho essa meia hora, se calhar é melhor não começar o Monopólio porque demora imenso tempo e a criança vai ficar frustrada por não acabarmos o jogo. Ou se escolhe outra atividade, ou se faz um campeonato de uma semana: ‘Hoje começamos até ir tomar banho, amanhã continuamos’. Ou no caso dos Lego: ‘Hoje construímos um forte, amanhã construímos outro'”.
Atividades extracurriculares
↓ Mostrar
↑ Esconder
A maioria das crianças tem atividades extracurriculares (81%). A natação é a vencedora com 47,4% das preferências, segue-se a música (25,2%), depois o Ballet/Dança e o futebol, ambos com 17,7%. A maioria das crianças tem essa atividade dois ou três dias por semana.
Depois, os pais nem sempre precisam de parar tudo para estarem na brincadeira com os miúdos. “Posso estar a cozinhar e dizer ao miúdo de 7 ou 8 anos que me leia uma historia e a partir daí conversamos sobre a história, enquanto faço o jantar. Ou pedir para ele me ajudar com uma receita, por exemplo”.
Meia hora pode não dar para fazer um jogo longuíssimo, mas dá para outras coisas. “Por exemplo, se calhar não dá para ir ao parque infantil porque, mal lá chegamos, temos de ir embora e a criança fica triste. Mas dá para pôr a bicicleta em frente à casa, dar duas ou três voltas à casa e combinar um prémio: quem ganhar vai à frente e marca o caminho para a próxima vez. O miúdo até fica cansado e voltamos para casa depois de meia hora”, sugere Cecília Galvão.
Para a psicóloga, a brincadeira não pode entrar em vias de extinção e essa é a conclusão que pais, mães e famílias devem tirar deste estudo: “O meu conselho é: conversem, interajam e divirtam-se. Todos temos de brincar porque senão vamos ficar muito mais tristes, a vida corre-nos melhor. É importante lavar os dentes, é importante ser vacinado, é importante brincar também“.