São palavras duras de Eugénio Rosa: para o economista, está em curso uma “OPA” dos principais grupos económicos sobre a Caixa Geral de Depósitos (CGD). Em declarações ao Observador, o ex-deputado comunista e quadro do gabinete de estudos da GGTP denuncia o descaramento com que foi escolhida a nova administração da Caixa — que inclui vários representantes de alguns dos mais poderosos grupos financeiros em Portugal. “Parece que se perdeu a vergonha“, critica. O PCP, no entanto, recusa-se a comentar a questão.
A expressão “OPA” surge “em sentido figurado, naturalmente”, como salvaguarda Eugénio Rosa. Mas serve para descrever como, “objetivamente, os grandes grupos económicos se preparam para garantir o controlo efetivo do banco público sem gastarem um euro“. Como? Colocando “homens de confiança” na administração da Caixa “com a conivência do Governo”.
Em causa estão as relações que os futuros administradores (executivos e não-executivos) da CGD mantêm ou mantiveram com os principais grupos económicos. A lista é longa: entre os 19 novos administradores do banco público contam-se ligações à Unicer, Peugeot-Citroen, Sonae, Renova, Sogrape, Fundação Champallimaud ou Porto Bay, por exemplo.
(Para conhecer os administradores indicados para a Caixa passe o cursor sobre as fotografias)
“Ninguém pode esperar que estes administradores dispam a camisola“, aponta Eugénio Rosa, deputado comunista entre 2005 e 2009. Na verdade, estas contratações, reitera o economista, só são possíveis porque existe uma lacuna no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) que permite que “as empresas a que pertençam” os “membros do conselho de administração que não sejam executivos” ou que não “pertençam à comissão de auditoria” possam manter negócios com a Caixa Geral de Depósitos. “O conflito de interesses é evidente e real, embora à luz do RGICSF não o seja“, argumenta Eugénio Rosa, num estudo publicado na página pessoal e que ajuda a sustentar a sua tese de que está em curso uma “OPA” sobre a Caixa.
Nesse mesmo artigo, Eugénio Rosa aponta para o percurso profissional dos futuros administradores executivos do banco público. “O domínio de homens que vêm do grupo BPI/La Caixabank (actualmente o La Caixabank já detém 44,8% do capital e lançou uma OPA sobre o BPI) para ocupar lugares executivos na futura administração da CGD é avassalador (6 em 7 administradores executivos)”, repara o economista.
As observações do ex-deputado do PCP vêm com um aviso: “Quem defende o controlo público das empresas estratégicas e, nomeadamente, da banca” — como de resto defendem os comunistas — não pode ficar nem passivo” perante o que “se está a passar na Caixa”.
Ora, o Observador procurou tentar perceber junto do PCP qual era a posição do partido em relação à nova administração da Caixa. No entanto, fonte oficial do partido recusou-se a comentar a questão.
Com os comunistas como parte de uma nova solução de poder, o PCP não deveria ter feito mais para impedir que se chegasse a este conjunto de administradores? Eugénio Rosa prefere não se comprometer, mas deixa claro que deveria ter existido mais “discussão” em torno do “perfil do novo administrador” do banco público. “Devia ter-se definido o perfil das pessoas. Não foi suficientemente discutido, nem suficientemente balizado. Não houve uma preocupação suficiente“.
Para o economista, o Governo socialista deveria ter encontrado um perfil de administrador “mais condizente” com os interesses do país e “não com os interesses dos grandes grupos económicos”. “Era o mínimo“, diz o ex-deputado comunista.
BCE com dúvidas sobre eventuais conflitos de interesse
A informação foi inicialmente avançada pelo ex-líder do PSD Luís Marques Mendes, no habitual espaço de comentário semanal, na SIC: o Banco Central Europeu (BCE) olhava com dúvidas para os nomes (e para o número) apontados como futuros administradores da CGD e deixava claro que não podia haver “conflitos de interesse de qualquer natureza”.
As palavras de Marques Mendes provocaram um chorrilho de reações. Um dia depois, o Ministério das Finanças veio esclarecer, em comunicado, que o BCE não vetou quaisquer propostas apresentadas pelo Governo para a Caixa Geral de Depósitos, nem os nomes propostos para a administração.
Ainda assim, na carta que o BCE enviou à Caixa, e que o Observador divulgou na íntegra aqui, os responsáveis europeus não só levantam dúvidas sobre o número excessivo de administradores que o Governo se propõe a nomear, 19 (7 executivos e 12 não executivos) em vez dos 15 que o Banco Central Europeu considera como limite razoável, como não deixava dúvidas sobre a necessidade de o Executivo português acautelar que os “interesses” do Estado Português “estão representados no Conselho de Administração”.
Duas semanas depois, a 3 de agosto, o jornal Diário Económico dava conta dos receios do BCE em relação a eventuais conflitos de interesses dos próximos administradores da Caixa. E concretizava, apontando como casos flagrantes os de Carlos Tavares, presidente do grupo PSA Peugeot Citroën, Bernardo Trindade, administrador do grupo hoteleiro Porto Bay e ex-secretário de Estado do Turismo, Ángel Corcostegui, antigo CEO do Santander, agora na Magnum Capital, fundo de investimento (“private equity”) da qual é a CGD é financiadora, Ângelo Paupério, co-CEO da Sonae, Rui Ferreira, presidente da Unicer, Paulo Pereira da Silva, presidente do grupo Renova, António Costa e Silva, presidente da Partex Oil Gas, empresa petrolífera da Fundação Gulbenkian, e Fernando Guedes, presidente da Sogrape.
Para tomar posse, a nova administração da CGD terá ainda de receber a “luz verde” do BCE, que vai avaliar a idoneidade dos nomes propostos. O processo ainda não está concluído, mas os responsáveis europeus já pediram mais informações sobre o currículo empresarial dos futuros administradores.
Enquanto este impasse não é resolvido, o ministro das Finanças teve de pedir à administração demissionária da Caixa, liderada por José de Matos, para prolongar o mandato por mais um mês e ficar à frente do banco até 31 de agosto, como dava conta o Observador. A administração de José de Matos renunciou à liderança da CGD a 21 de junho e deveria abandonar o banco público a 31 de julho.