“Recita-me versos sobre essa tal ilha que diz ser dos amores. E eu canto-lhe coisas de amores, muito baixinho, para que apenas ele as escute. Diz que aos anjos roubei a voz. Acho bela a ilha que me recita, pois é bela a forma como a diz.”

A frase vem do romance histórico Até que o amor me mate – As mulheres de Camões da escritora Maria João Lopo de Carvalho e está personificada na figura de Bárbara, uma escrava da ilha de Moçambique e uma das mulheres pela qual o poeta se terá apaixonado. No livro, há o contributo de sete mulheres, as que mais terão marcado a vida e a literatura de Luís Vaz de Camões: Ana de Sá (madrasta do poeta), D. Violante de Andrade, D. Catarina de Ataíde, D. Francisca de Aragão, Bárbara, Dinamene e Inês de Sousa. Algumas são figuras da realeza e da nobreza, outras são humildes trabalhadoras e súbditas do reino.

Maria João Lopo de Carvalho encarna cada uma delas, desde as personalidades, aos feitios até aos diferentes tipos de amor. “Os textos são ficcionados, mas resultam do trabalho de pesquisa junto de vários camonianos”, explica. Se D. Violante era manipuladora e D. Catarina uma romântica incurável, a escritora tinha obrigatoriamente de adaptar o discurso consoante a “dama”. Mas acrescenta que teve uma ajuda: “Foram elas que vieram ter comigo”.

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O livro foi publicado pela Oficina do Livro e custa 20,90 euros

Durante cerca de quatro anos, Maria João Lopo de Carvalho teve de investigar e esmiuçar todo o trabalho feito acerca da vida de Camões, mas isso não bastava. Pelo menos, “o resultado final não seria o mesmo” — a autora embarcou sozinha numa viagem de dois meses por todos os portos onde Luís Vaz de Camões esteve — Goa, Damão, Vietname e Macau foram alguns dos locais. “Eu senti que tinha de estar onde ele esteve. Era importante captar os rostos das pessoas, os cheiros e os sabores”, esclarece. As crónicas da viagem foram publicadas no Observador, pode relê-las aqui.

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Eram quase 500 anos de distância relativamente à viagem de Camões, semelhante a “um caminho marítimo para a Índia”, onde o poeta embarcou enquanto marinheiro ao serviço do reino. A aventura da escritora começou a 25 de outubro de 2015 e terminou no dia de Natal, a 25 de dezembro do mesmo ano. A mala era pequena e tinha um objeto indispensável lá dentro: Os Lusíadas. A epopeia acompanhou todo o percurso, como um guia de viagem e leitura face a todos os pontos no mapa — Cabo da Boa Esperança foi um dos mais reveladores para Maria João.

“Camões tinha razão quando falava do Adamastor, conseguimos ver uma figura humana no Cabo da Boa Esperança. E de uma coisa tenho a certeza: ler Os Lusíadas antes e depois da viagem, é uma experiência completamente diferente. São livros distintos”, afirma.

Aos 15 anos, Luís Vaz de Camões era um “martírio” para a escritora nas aulas de Português. Analisar a epopeia de língua portuguesa não era tarefa fácil, mas anos mais tarde, os sonetos de amor conquistaram Maria João Lopo de Carvalho. A ideia de retratar a vida privada do poeta e as musas que o inspiraram vem dos tempos de faculdade. Hoje, Até que o amor me mate – As mulheres de Camões pretende “motivar os leitores a voltar a ler o poeta”.

No mundo contemporâneo, Camões estaria à altura de um Don Juan, um galã dos tempos modernos ou um “mulherengo”, como a escritora caracteriza face aos dias de hoje. “Era um génio fora do comum e só um homem muito apaixonado poderia escrever todos aqueles sonetos de amor. Qualquer mulher se apaixonaria por ele. Se o tivesse encontrado há 500 anos, ter-me-ia apaixonado ao primeiro encontro”, reconhece.

Pus o coração nos olhos, / E os olhos pus no chão / Por vingar o coração.

(…)

Se pouco vos mereci, / Não me estimais mais que o chão, / a quem vós o galardão / dais, e mo negais a mim.”