Saíram do país sem a família, com a esperança de conseguirem melhores condições de vida e salários mais competitivos. Este era o desejo do grupo de cerca de 80 trabalhadores portugueses da construção civil, quando chegaram a Arábia Saudita entre 2001 e 2011, para trabalhar na Saudi Oger, a segunda construtora com mais contratos com o governo saudita.
Até outubro de 2015, não havia queixas com as condições de trabalho. “São iguais como em qualquer parte do mundo, o único problema são as temperaturas elevadas, mas é da condição do lugar”, explica um dos trabalhadores ao Observador, sob anonimato, para evitar “complicações” com a empresa.
A situação começou a mudar em novembro de 2015, quando deixaram de receber salários e subsídios de alojamento. Desde então já se passaram dez meses sem qualquer remuneração, com seguros de saúde e assistência médica expirados, alguns a ponto de serem desalojados das suas casas. Outros vivem do apoio e da caridade de colegas. Sem dinheiro para comprar o bilhete de volta para Portugal, há casos de pessoas com as autorizações de residência já fora de validade.
Estamos a passar muitas dificuldades. Vivemos das ajudas uns dos outros. Não digo que estamos a passar fome, mas eventualmente está-se a forçar uma situação em que não se pode mais viver aqui. Estão a asfixiar-nos. Seremos obrigados a sair do país e se sairmos do país, não teremos como rever o suor daquilo em que trabalhamos”, diz o mesmo português.
Segundo o relato ouvido pelo Observador, o trabalhador chegou ao país em 2010, a partir da empresa portuguesa de cedência de mão-de-obra Imotricana. “O nosso país não tinha emprego, não conseguíamos sobreviver com os nossos salários. Foi uma questão monetária, de qualidade de vida para nós e para a nossa família”, explicou. Vive em Riade e recebia entre 2.500 e 3 mil euros por mês.
Segundo este trabalhador, a história e o perfil do grupo de portugueses a trabalhar na empresa são similares: média de idade de 35 anos, a maior parte vem da zona norte do país, trabalham em diferentes áreas da construção civil, têm formação média superior e viajaram para o país sem família.
Em 2011, o português que falou ao Observador passou a ter um contrato direto com a Saudi Oger, pois a empresa saudita deixou de ter contratos de cedência de mão-de-obra com diversas empresas de outros países. A mudança, no entanto, não implicou atrasos ou incumprimento de contratos. “Foi só há um ano que a coisa começou a descambar, a sair dos eixos normais”, relatou o mesmo emigrante. Entre os benefícios que os trabalhadores deixaram de receber, para além do salário, estão os subsídios para pagar a casa, alimentação e necessidades diárias, o subsídio de férias, e do bilhete de ida e volta para Portugal, pago pela empresa.
A última promessa feita aos portugueses foi em fevereiro, quando Farid Chaker, presidente da Saudi Oger, divulgou um memorando interno para os funcionários da empresa em que pedia “paciência” durante o “difícil período” que estava a enfrentar. Dizia que estava a finalizar o pagamento referente ao salário de um mês no final daquela semana e que os pagamentos em atraso seriam pagos progressivamente nos próximos meses. Para os portugueses, nada foi feito.
A Embaixada Portuguesa em Riade “nunca fechou a porta”, conta o mesmo emigrante, “mas concretamente nada foi feito” para melhorar a situação dos trabalhadores.
Primeiramente disseram que estaríamos no mesmo grupo dos trabalhadores franceses que não receberam salários, mas os franceses receberam semana passada e nós nada. Isto psicologicamente nos prejudica. Chegou-se ao ponto em que não acreditamos em nada. Porque receberam eles e nós não? Somos portugueses e somos todos humanos também.”
O trabalhador português refere-se ao caso dos 261 franceses que trabalham na Saudi Oger e que estavam a passar pela mesma situação de atrasos nos salários desde novembro de 2015. Na última semana, os gauleses receberam os montantes que estavam em atraso, em valores “duas vezes superiores” aos dos portugueses segundo a fonte ouvida pelo Observador.
Os emigrantes lusos na Arábia Saudita relatam ainda que o Ministério dos Negócios Estrangeiros diz estar a pressionar as entidades oficiais, “mas em termos práticos não há qualquer evolução”.
Apesar de não estarem a receber os salários, os operários portugueses continuam a ir ao local de trabalho, mesmo que não tenham nenhuma atividade laboral para realizar. “Não há informações oficiais se a empresa fechou, se vamos ser demitidos, se o contrato foi extinto. Por isso cumprimos a nossa parte para não ter mais problemas”, explicou.
Sindicato da Construção de Portugal considera ir à Arábia Saudita para defender interesses dos portugueses
O Ministério dos Negócios Estrangeiros garantiu ao Observador que “continua em permanente contacto com o governo saudita, trabalhando em prol de um desfecho satisfatório para os cidadãos portugueses assalariados da Saudi Oger”. E acrescentou: “A Embaixada portuguesa em Riade tem prestado todo o apoio possível a estes cidadãos. A pormenorização das diligências políticas e diplomáticas em curso poderia prejudicar a sua eficácia, pelo que se opta pela sua não explicitação”, justificou uma fonte oficial.
Já o Sindicato da Construção de Portugal foi mais enfático no plano de defesa aos trabalhadores. Albano Ribeiro, presidente do sindicato, disse ao Observador, esta sexta-feira, que enviou à Saudi Oger um pedido formal para a empresa adotar o mesmo procedimento realizado com os franceses para pagarem os valores em débito aos trabalhadores.
Segundo Albano Ribeiro, caso a empresa não responda ao sindicato até esta segunda-feira, vai solicitar ao Ministério dos Negócios Estrangeiros uma reunião para que sejam tomadas as “próximas medidas”. “A situação não pode continuar por mais tempo. Não devia nem ter chegado a este ponto. É insustentável”, assegurou. O dirigente sindical avançou ainda que o sindicato considera deslocar-se à Arábia Saudita para defender os interesses dos portugueses caso a via diplomática se esgote.
O Observador tentou ainda falar com a Saudi Oger, mas até não recebeu nenhuma resposta da empresa até ao fim do dia de sexta-feira. As notícias, no entanto, parecem desanimadoras. A agência Reuters relatou, este mês, que o governo saudita está a negociar com a empresa a reestruturação da sua dívida, ainda sem data para um acordo. Sem receber o que o governo lhe deve, a empresa pode não pagar as suas dívidas com fornecedores e trabalhadores, entre os quais estão os portugueses.