O Governo quer acabar com o pagamento de um subsídio em duodécimos no caso da função pública no Orçamento do Estado de 2017. A medida pode pesar na carteira dos funcionários públicos nos primeiros meses do ano, já que, no final do ano, os trabalhadores acabam por receber o mesmo. O regime não deve ser renovado na proposta de Orçamento do Estado para 2017, que será conhecido na sexta-feira, apurou o Observador.
Os funcionários públicos recebem o subsídio de natal dividido ao longo dos 12 meses de salário e o subsídio de férias é pago por inteiro na altura devida. A medida não é pacífica porque, para alguns funcionários, o fim desta medida pode ter um impacto considerável na gestão mensal até à altura do pagamento do primeiro subsídio. Em termos anuais, não há qualquer corte ou aumento no salário dos funcionários públicos, apenas um pagamento de acordo com outro calendário, o que era praticado antes de 2013.
Ainda assim, o Governo quer avançar com a proposta e conta já com o apoio público do PCP e da CGTP, que têm defendido o fim do regime. “É nosso objetivo colocar [a questão] ao Governo, porque é um grande apelo que vem das associações de reformados e pensionistas, de receberem o subsídio de natal por inteiro. Não se justifica esta manutenção dos duodécimos“, disse Jerónimo de Sousa em setembro, após uma reunião do Comité Central do PCP.
Ao Observador, Arménio Carlos diz que a CGTP “sempre esteve contra a introdução de duodécimos porque tinha como objetivo esconder a dimensão dos cortes salariais na função pública”. “Os subsídios são atribuídos em momentos do ano específicos porque têm um objetivo específico. O alcance social tem de ser mantido“, sustenta o líder da central sindical. “Mas esta medida implica melhores salários”, avisa Arménio Carlos.
Em entrevista ao Observador a publicar esta quarta-feira, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda diz que a posição de princípio do partido é que o subsídio “devia ser pago de uma vez só”, ou seja, sempre foi contra este regime. Mas uma vez criado, o Bloco assume que a retirada podia ser deixada “ao critério dos trabalhadores” e isto devido ao impacto que o fim dos duodécimos terá na liquidez das famílias: “As pessoas levam um corte de 7% em cada um dos outros meses do ano e um pagamento de 100% no mês de novembro”. “Não deve ser uma escolha feita de ânimo leve”, assume Pedro Filipe Soares, ainda que não conteste o fim do regime dos duodécimos
A possibilidade de deixar a escolha para os funcionários públicos também não estará em cima da mesa.
O regime de duodécimos apareceu para contornar um problema com que o Governo PSD/CDS se deparou em 2012. O Tribunal Constitucional cortou as pernas a uma importante medida com que o Executivo de Passos Coelho contava para controlar as contas públicas: o corte dos subsídios de Natal e de Férias a funcionários públicos e pensionistas. A medida apenas se verificou nesse ano, porque o Constitucional apareceu em julho a travar a sua repetição.
Na fiscalização sucessiva da constitucionalidade à norma do Orçamento do Estado para esse ano — pedida por um grupo de deputados do PS — os juízes apontaram o conflito com o princípio constitucional da igualdade. A medida impunha, de acordo com a decisão da altura do Tribunal Constitucional, “um sacrifício adicional que não tinha equivalente para a generalidade dos outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes”.
O regime em duodécimos surge para compensar o efeito no rendimento mensal das famílias daquilo que seria a moeda de troca pelo chumbo do corte nos subsídios no Tribunal Constitucional: os cortes salariais (já em vigor) e a sobretaxa de IRS, proposta nesse ano por Vítor Gaspar e cuja proposta inicial era até que fosse de 4%. A sobretaxa foi reduzida então para 3,5% e cortada já no passado, tendo fim previsto para o final deste ano, algo que já está em dúvida.
O problema (para o Governo) é que aquela medida era para vigorar até ao final do Programa de Assistência Financeira a Portugal, ou seja, até 2014. A alternativa acabou por passar pelo pagamento do que era para ser cortado, de forma faseada, ao longo do ano — mensalmente em duodécimos. Na prática, cada um dos subsídios (Natal e férias) era pago pela metade e a outra metade era distribuída pelos vários meses do ano, permitindo aos funcionários públicos uma maior disponibilidade líquida mensal.
Este era, pelo menos, o argumento usado pelo Executivo PSD/CDS que, na altura falava na necessidade de “minimizar o impacto da carga fiscal sobre o orçamento familiar dos trabalhadores”. Mas a justificação não era acolhida pela esquerda e pelos sindicatos que sempre a apontaram como uma forma do Governo camuflar cortes nos rendimentos dos funcionários públicos. A medida acabou por continuar para lá do programa de assistência, com PSD e CDS a mantê-la no Orçamento para 2015.
Caso o Governo mantenha a sua intenção — o orçamento só será fechado no Conselho de Ministros na quinta-feira –, o fim dos duodécimos chega dois anos depois de António Costa o ter assumido na campanha eleitoral. Em setembro de 2015, o então candidato do PS a primeiro-ministro defendeu que o subsídio de Natal devia “ser pago como sempre foi pago: com o vencimento correspondente ao mês de novembro, para que as pessoas possam ter esse vencimento complementar e não diluído no vencimento normal“. “É assim que deve voltar a ser na Administração Pública”, rematou então.
(Artigo corrigido às 15:23. Uma versão anterior afirmava, erradamente, que o pagamento em duodécimos era de metade de cada um dos subsídios, quando apenas o subsídio de natal é pago em duodécimos atualmente)