Carlos Santos Silva (o que na ótica do Ministério Público significa dizer José Sócrates), Zeinal Bava, Isabel Almeida, António Soares, Ricardo Salgado e os restantes quatro líderes dos clãs da família Espírito Santo são os alegados beneficiários de pagamentos do ‘saco azul’ já conhecidos. Há ainda 18 altos funcionários do BES que recebiam pagamentos regulares.
Desde que o Observador noticiou em exclusivo que o Ministério Público (MP) tinha em seu poder documentação que permitia reconstituir a lista de pagamentos da offshore Espírito Santo (ES) Enterprises que muito se tem falado sobre o ‘saco azul’ do GES. A lista de pagamentos inclui titulares de cargos políticos e públicos, titulares de órgãos sociais de empresas participadas pelo GES, membros da família Espírito Santo, administradores e funcionários do BES.
O que é um saco azul?
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Corresponde a fundos não declarados nas contabilidade oficial de uma empresa com o objetivo de fugir ao fisco e/ou de pagar subornos. É sinónimo de contas clandestinas (caixa 2 ou caixa b são outros sinónimos) que apenas é do conhecimento de um círculo restrito de pessoas. Contudo, e como explica o Ciberdúvidas, este termo nem sempre teve esta conotação pejorativa.
Desde então que o Observador e outros jornais, como o Expresso e o Correio da Manhã, têm revelado diversos nomes que fazem parte dessa lista de pagamentos, sendo igualmente certo que ainda faltam conhecer muitos mais. O Observador continua a tentar confirmar as informações que possui sobre a identidade dos beneficiários do ‘saco azul’ do GES. Eis a parte da lista que já é conhecida:
Carlos Santos Silva
O nome do ex-primeiro-ministro surgiu pela, primeira vez, ‘pela mão’ de Hélder Bataglia. O líder da Escom e ex-homem forte da família Espírito Santo para os mercados africanos e da Venezuela é suspeito na Operação Marquês de ter transferido cerca de 20,9 milhões de euros para contas do alegado testa-de-ferro de José Sócrates: Carlos Santos Silva
Numa curta declaração ao Expresso, Bataglia afirmou que a ES Enterprises era a origem dos fundos transferidos para Carlos Santos Silva. Nessa altura, já se sabia, por documentos enviados pelo próprio Bataglia para a Comissão Parlamentar de Inquérito do BES, e que foram revelados pelo jornal i, que o líder da Escom tinha recebido cerca de 7,5 milhões de euros da ES Enterprises a título de comissão pela prospeção de novos negócios em Angola e no Congo Brazzaville nas áreas financeiras, petrolífera e imobiliário. Tais pagamentos, segundo Bataglia declarou à CPI do BES, tinham sido realizados com o conhecimento e o acordo de Ricardo Salgado.
A grande novidade das declarações de Bataglia ao Expresso é que foi o próprio a fazer a ligação entre as transferências feitas para Santos Silva/Sócrates e a ES Enterprises – o que fez mudar toda a perspetiva dos investigadores e a levá-los a investigar as decisões que o governo de Sócrates tomou sobre a Portugal Telecom (PT), nomeadamente a venda da Vivo à Telefónica e correspondente compra da Oi. Existirá proximidade de datas entre as transferências realizadas e os momentos-chave das decisões daqueles dossiês da PT onde José Sócrates e Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, tiveram influência. Aliás, diversos contactos entre estes dois políticos já constavam dos autos da Operação Marquês.
Mais tarde, num depoimento que fez em Luanda no âmbito do cumprimento da carta rogatória emitida pelas autoridades portuguesas, o líder da Escom acabou por ser (bastante) mais suave, tendo mesmo afirmado que “não fez ou teve propósito de fazer qualquer atribuição de valores ou outra vantagem a José Sócrates Pinto de Sousa, diretamente ou por intermédio de Carlos Santos Silva ou outros, a troco ou por causa seja do que for”.
José Sócrates, por seu lado, continua a manter a sua defesa e a recusar a ideia central da Operação Marquês de que Carlos Santos Silva é o seu testa-de-ferro, refutando, portanto, quaisquer suspeitas de corrupção.
Zeinal Bava
É uma situação assumida pelo próprio ex-presidente executivo da PT. O Correio da Manhã noticiou que tinha recebido cerca de 8,5 milhões euros da ES Enterprises, o Expresso corrigiu o valor para 18,5 milhões de euros e o Observador acrescentou que o valor tinha sido transferido em duas tranches: uma de 8,5 milhões em 2010 e outra de cerca de 10 milhões em 2011.
Mais uma vez, a venda da Vivo e a compra da Oi será, de acordo com o MP, o que está por detrás destas transferências.
A todas aquelas publicações, Zeinal Bava deu a mesma explicação: tratou-se de uma aplicação fiduciária. Isto é, Zeinal limitou-se a receber o dinheiro do GES para eventualmente aplicar, em seu nome e de um grupo de quadros da PT (que nunca chegou a ser contactado), num futuro aumento de capital social da PT quando esta fosse totalmente privada (o que só aconteceu em 2014). Como tal aplicação nunca foi realizada, Bava devolveu o capital e juros numa data nunca revelada.
O Observador revelou igualmente que essa explicação não batia certo com as declarações que Ricardo Salgado tinha feito na Operação Monte Branco em 2014, quando foi detido e constituído arguido pela primeira vez.
Nesse interrogatório, Salgado assumiu que tinha sido ele a dar as ordens das transferências para Zeinal Bava.
Ricardo Salgado e os restantes líderes da família Espírito Santo
O ex-presidente executivo do BES terá um duplo papel como beneficiário do saco azul do GES:
- Terá recebido cerca de 7 milhões de euros da ES Enterprises, que o próprio Salgado classifica como um empréstimo. Parte desse montante (4 milhões de euros), segundo o MP, terá servido para comprar ações da EDP durante a última fase de privatização da elétrica nacional que decorreu em 2011.
- Terá recebido complementos salariais pela sua atividade no exterior ao serviço do Grupo Espírito Santo desde, pelo menos, a criação da ES Enterprises nos anos 90.
Neste último ponto é importante recordar que a cúpula da família Espírito Santo decidiu nos anos 80, aquando do seu regresso a Portugal para participar nas privatizações do setor financeiro decididas pelo governo de Cavaco Silva, que os líderes dos cinco clãs continuariam a ser remunerados no exterior pelos cargos que ocupavam nas sociedades internacionais do GES. Essas remunerações começaram por ser pagas pela offshore Espírito Santo International (localizada nas Ilhas Virgens Britânicas e diferente da Espírito Santo International, com sede no Luxemburgo).
Tal responsabilidade foi transferida, a partir de 1993, para a ES Enterprise, como o Observador revelou neste especial. O ano de 1993 corresponde à criação do ‘saco azul’ do GES nas Ilhas Virgens Britânicas, tal como o Expresso e a TVI noticiaram.
Isabel Almeida e António Soares
São os últimos nomes a serem conhecidos e foram revelados pelo Observador na última quarta-feira. São dois ex-altos funcionários do BES com importantes funções no banco que foi liderado por Ricardo Salgado. Isabel Almeida era a diretora do Departamento Financeiro, Mercados e Estudos (DFME), enquanto António Soares foi o responsável pela sala de mercados do BES e, mais tarde, chief financial officer da seguradora BES Vida.
Estes dois altos funcionários terão recebido cerca de 1,2 milhões de euros em 2009 e 2010 através do ‘saco azul’ do GES.
Os valores que receberam foram explicados por Ricardo Salgado ao MP como complementos remuneratórios pela atividade que ambos terão desenvolvido no exterior. Contudo, a equipa do procurador José Ranito, que investiga o caso BES, suspeita que os mesmos corresponderão a uma remuneração alegadamente ilícita pelo papel que Almeida e Soares terão tido na implementação de um alegado esquema de financiamento fraudulento do GES, alegadamente à custa do balanço do BES e dos próprios clientes do banco, como pode verificar aqui.
Nesse esquema terão ainda participado Cláudia Boal Faria e o seu marido Pedro Costa. Por isso mesmo, o MP constituiu estes quatro ex-funcionários como arguidos no caso BES.
18 altos funcionários do BES
É igualmente uma novidade revelada esta quarta-feira pelo Observador: além de Isabel Almeida e de António Soares, a lista de pagamentos do ‘saco azul’ do GES terá, pelo menos, mais 16 altos funcionários do BES. Do DFME e de outros departamentos relevantes do BES.
É provável, contudo, que o número final até seja superior. Tudo porque era uma prática comum do BES, desde pelo menos 2007, atribuir um prémio anual aos funcionários que se tivessem destacado. Tais prémios eram atribuídos na Suíça e no Luxemburgo através de contas bancárias abertas no Banque Privée Espírito Santo, com fundos transferidos de contas do ‘saco azul’ do GES. Muitas dessas contas foram abertas em nome de familiares dos responsáveis do BES premiados, o que configura, na ótica do MP, uma tentativa de dissimulação do destinatário final desses fundos.
Confrontado com o pagamento de tais valores de forma regular pelo MP, Ricardo Salgado classificou as mesmas como “remunerações complementares”, sendo que tais prémios só seriam atribuídos a funcionários que tivessem tido uma colaboração com empresas do GES com sede no estrangeiro. O problema é que o MP entende que tem indícios de que tais valores estão relacionados com atividades em Portugal, o que poderá configurar a prática dos crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.