A entrevista foi justificada pela TVI com o lançamento do novo livro que tem a assinatura de José Sócrates, intitulado “O Dom Profano – Considerações sobre o Carisma”, e de pouco se falou sobre o processo judicial onde o ex-primeiro-ministro é suspeito dos crimes de corrupção passiva para a ato ilícito, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
A propósito do seu novo livro, que será lançado esta quinta-feira, Sócrates começou por manifestar-se contra a “deriva tecnocrática” em detrimento da legitimidade democrática, conjugando essa crítica com aquilo que considera ser a crise da democracia representativa.
Numa aplicação prática das reflexões teóricas que faz no seu novo livro, José Sócrates não resistiu a considerar o primeiro-ministro e líder do PS como um líder ainda incompleto:
António Costa é um líder em formação. É primeiro-ministro há pouco tempo. Cometeremos sempre um erro se quisermos elencar todas as qualidades que um líder democrático deve ter para ser um líder carismático”, disse.
A entrevistadora Judite Sousa insistiu, recordando que António Costa já tinha uma grande experiência política, tendo sido ministro em diversos governos, incluindo no governo de José Sócrates. O ex-líder do PS fundamentou a sua primeira apreciação: “Só agora é líder do partido e só agora é primeiro-ministro. Só no final poderemos ver. Isso vê-se depois. As lideranças carismáticas são também, muitas vezes, um produto das crises. As pessoas revelam-se nessas alturas de crise. O carisma é sempre algo de excecional, de fora do comum. O maior inimigo do carisma é a rotina“.
Foi precisamente aqui que entrou o tema do excesso de presença do Presidente da República no espaço público, apesar de toda a sua popularidade. “Não confunda popularidade com carisma”, afirmou Sócrates sobre Marcelo Rebelo de Sousa. “É um erro confundir uma celebridade ou a popularidade com o carisma. Um dos problemas do carisma na sociologia é precisamente a sua utilização para classificar tudo e nada. Hoje até as marcas de camisas ou de t-shirts são carismáticas. Colar a liderança carismática à celebridade ou a popularidade é um erro”.
“Todavia”, admitiu Sócrates, “a forma de Marcelo Rebelo de Sousa relacionar-se com os portugueses é muito diferente da do seu antecessor e baseia-se na ideia de proximidade. Uma das reflexões que pode interessar ao professor Marcelo Rebelo de Sousa é a de que a vulgaridade, banalidade, o quotidiano, a rotina, o excesso mata qualquer liderança carismática. Acho que o excesso de presença enfraquece-o”, aconselhou.
Recorde-se que o novo livro de Sócrates está envolvido numa polémica precisamente sobre a autoria da obra. Tal como aconteceu com o seu primeiro livro (“A Confiança no Mundo”), o Ministério Público alega que o verdadeiro autor seja Domingos Farinho, professor auxiliar da Faculdade de Direito de Lisboa (pode ler aqui o perfil de Domingos Farinho). De acordo com as suspeitas do MP, Farinho (e a sua mulher Jane Kirkby) terão recebido um total de 100 mil euros pela alegada escrita dos dois livros que têm a assinatura de Sócrates.