André Figueiredo e Paulo Campos continuam a ser os homens do terreno de José Sócrates. Do lado de lá das portas de vidro, na sala reservada do pavilhão da FIL, em Lisboa, há centenas de pessoas à espera para entrar. Faltam menos de dez minutos para as 18h30, a hora marcada para o lançamento do último livro de José Sócrates. “O mais importante é as pessoas entrarem, oh André, porque as pessoas viram que algumas já entraram antes…”, sugere o ex-secretário de Estado Paulo Campos.

Há elementos da editora Sextante destacados para tratar dos preparativos, mas os dois ex-deputados não arredam pé enquanto não garantem que está tudo preparado para que o ex-primeiro-ministro possa fazer a sua entrada. “Olhe, Maria João, gostou da toalha? A outra estava feiinha, não acha?”, pergunta André Figueiredo. O ex-deputado escolheu uma toalha azul escura para cobrir as mesas em que Sócrates se sentou entre o diretor editorial da Sextante, Manuel Alberto Valente, e o deputado Sérgio Sousa Pinto, convidado para apresentar as 158 páginas da obra.

A entrada na sala faz lembrar os comícios do PS, no tempo em que Sócrates liderava o partido. Falta a música apoteótica. Há palmas, ainda mais palmas e gritos de “Sócrates, Sócrates, Sócrates” enquanto o ex-líder socialista atravessa os 30 metros até à zona do palco. Antes de sentar, ainda se dirige à primeira fila da sala. Maria de Belém tem direito a um cumprimento especial.

Além da ex-presidente do partido, há outras figuras do partido nos lugares reservados da sala. Figuras que há poucos meses não se avistavam nos eventos públicos organizados pelo ex-secretário-geral do PS — como o ministro da Agricultura Capoulas Santos (que o visitou muitas vezes na prisão) e o secretário de Estado da Defesa Marcos Perestrello. Estão lá, também, o histórico socialista António Campos, António Vitorino, o ex-ministro Mário Lino, João Proença e Carlos Silva (ex e atual líder da UGT), as deputadas Joana Lima e Isabel Santos, o eurodeputado Pedro Silva Pereira — um dos mais próximos amigos de Sócrates — e, claro, André Figueiredo e Paulo Campos.

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Muitos dos presentes chegaram sem convite. “As portas estão abertas, quem quiser entra”, explica um dos membros da organização. Mas o Observador sabe que, nas semanas que antecederam o evento, militantes socialistas de várias concelhias foram recebendo, por e-mail, mensagens de convocatória para estarem presentes na apresentação do livro. Não os militantes mais recentes, mas aqueles com inscrições no partido que já somam alguns anos. Apesar disso, quem chega garante que está ali a título pessoal e porque veio demonstrar “amizade” pelo autor daquelas linhas.

Durante meia hora, a audiência ouve a reflexão sociológica sobre “carisma” que Sócrates preparou para apresentar o livro. O seu livro. É o próprio quem faz a nuance, logo no início da intervenção, para mostrar que não ficou indiferente à mais recente polémica que saltou dos volumes da Operação Marquês para as páginas de jornais.

Quero agradecer as palavras do Sérgio Sousa Pinto, que leu o meu – e Sócrates sublinha a palavra ‘meu’ – livro”. No final da sua intervenção, Sousa Pinto já tinha deixado a ideia de que “este é um livro profundamente do seu autor”.

Na semana passada, o semanário Sol e a revista Visão escreviam que o Ministério Público suspeita de que Sócrates terá pago para que escrevessem por si a sua segunda obra – “O Dom Profano – considerações sobre o carisma”.

Todas essas alegações são absolutamente falsas, desmentidas por toda a gente e isso só existe com um objetivo, que não devia ser um objetivo da justiça. O objetivo da justiça não é um objetivo político. A ação penal deve-se concentrar na descoberta da verdade e na descoberta de crimes e não em denegrir pessoas”, responde Sócrates, quando confrontado com as suspeita da investigação.

Sentado na segunda fila ao lado de João Proença, o ex-ministro das Obras Públicas de Sócrates, Mário Lino, faz por afastar as dúvidas. “O nome dele está aqui”, e mostra a capa cinzenta com livro com o nome de José Sócrates a letras garrafais — é, de resto, aquilo que mais se destaca no rosto da obra. “Se fosse o senhor que o tivesse escrito, não teria já reclamado?”, questiona.

Para Sócrates, o processo em que foi constituído arguido por suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal serve apenas para atacar a sua imagem política. Querem destruir-lhe o carisma, sugere. Os seus fiéis fazem-no acreditar que isso não é possível:

Interpreto a vossa presença não apenas como o interesse súbito da sociedade portuguesa pelos temas da Ciência Política. A vossa presença tem um significado político que extravasa estes temas, por mais interessantes que sejam, da teoria política”, devolve-lhes Sócrates.

Depois, houve meia hora de uma intervenção em que o ex-primeiro-ministro discorreu sobre Max Weber e Goethe. O primeiro – o único, na verdade – aplauso durante a intervenção serviu para assinalar uma referência a Mário Soares. Em concreto, ao discurso de Mário Soares, após a vitória nas presidenciais de 1986.

Quando Mário Soares, na noite dessa eleição, começou o seu discurso dizendo esta é a vitória da tolerância”, isso significou que ao carisma de lutador pela liberdade sucedeu o carisma do reconciliador”. Tinham passado 27 minutos da intervenção.

Antes de dar duas entrevistas para canais de televisão, Sócrates ainda esteve uma hora a assinar livros. O ex-líder pode ser uma dor de cabeça para grande parte, mas os socráticos parecem não querer deixar a sua maior referência cair.