A queda do investimento público é um dos fatores que permitem explicar o relativo controlo da despesa pública, com impacto positivo no défice orçamental. Mas se os números absolutos mostram uma queda em relação ao ano passado de 12,7% até outubro e uma execução fraca abaixo do estimado para este ano, o panorama ainda fica mais restritivo quando olhamos para o que está por detrás dos números.
A última estimativa — números de setembro da Unidade Técnica de Apoio Orçamental — para o investimento público este ano na administração central aponta para uma verba de 3.105 milhões de euros, dos quais estavam executados 52,2%, abaixo dos 65% registados no mesmo período do ano passado. Uma análise rápida ao quadro do investimento na administração central revela-nos que a Infraestruturas de Portugal (IP) é a grande protagonista do investimento público. Ainda com base na mesma estimativa, o orçamento da empresa que gere as redes de estradas e caminhos-de-ferro ascende a 2.101 milhões de euros para 2016. Ou seja, a IP representa 68% do bolo total do investimento do Estado.
Mas quando vamos analisar de perto o orçamento da empresa, chegamos à conclusão que a margem para fazer novos investimentos é muito curta, isto porque os valores estão inflacionados pelos pagamentos às Parcerias Público Privadas (PPP) que entram na conta do investimento. Dados avançados ao Observador por fonte oficial da IP confirmam que a esmagadora maioria do orçamento para investimento da empresa se esgota nos pagamentos aos privados das Parcerias Público Privadas (PPP).
Em 2016, o orçamento para investimento da empresa é da ordem dos dois mil milhões de euros. Mas o peso dos pagamentos às PPP representa 92% desse orçamento. Ou seja, sobram menos de 200 milhões de euros para novos investimentos. O investimento nas PPP rodoviárias já está praticamente concluído, mas fruto do modelo de financiamento adotado pelo Estado — sobretudo nos governos de António Guterres (as Scut) e de José Sócrates (subconcessões) — a amortização dos financiamentos que viabilizaram essas obras é diluída ao longo de várias décadas.
O peso dessas amortizações cai na gaveta do investimento da Infraestruturas de Portugal. As verbas para as PPP são abrangidas pelas cativações impostas pelas Finanças como travão às despesas da empresa com investimentos. Mas, considerando que os pagamentos das PPP são uma despesa contratualizada, a autorização para “descativar” os montantes necessários para cumprir os pagamentos é praticamente automática.
Fonte oficial da Infraestruturas de Portugal esclarece que foram constituídas cativações de 218,3 milhões de euros no orçamento para investimento da empresa. As cativações totais da IP este ano totalizam 430 milhões de euros.
Foram entretanto autorizadas descativações no valor de 207,4 milhões de euros para investir, mas este valor traduz exclusivamente os pagamentos às parcerias. Daí que o peso destes contratos ainda seja maior quando olhamos para o investimento executado este ano: os encargos com as PPP correspondem a 96%, ainda segundo uma resposta da IP, com dados relativos ao final de setembro.
Investimento ferroviário regressa em 2017?
O grande fardo das PPP no investimento também ajuda a explicar um nível muito maior de execução no investimento realizado no setor rodoviário, que atinge os 69%, contra uma execução muito mais modesta no setor ferroviário onde foram apenas concretizados 23% dos investimentos previstos.
O peso dos gastos com as concessões rodoviárias não será, contudo, a única explicação para a fraca execução no setor ferroviário, para o qual estão anunciados investimentos vultuosos nos próximos anos — 2.720 milhões de euros entre 2016 e 2021, dos quais 920 milhões de euros seriam assumidos pela Infraestruturas de Portugal. O grosso do financiamento espera-se que venha dos fundos europeus. Segundo a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental), o investimento na rede ferroviária previsto para este ano era de 85 milhões de euros.
Fonte do setor ouvida pelo Observador reconhece uma mais fraca execução nos investimentos ferroviários este ano, mas afasta a ideia de que isso seja o resultado de restrições orçamentais. Alguns estudos e projetos sofreram atrasos que podem ser eventualmente explicados pelos efeitos da fusão entre a Refer e a Estradas de Portugal, concretizada em 2015, mas também pela mudança política e da própria administração da Infraestruturas de Portugal, com a saída de António Ramalho — para o Novo Banco — e a entrada de António Laranjo. Ainda que o Ministério do Planeamento e Infraestruturas, liderado por Pedro Marques, tenha mantido, no essencial, o plano de investimentos feito pelo anterior Executivo.
Segundo a mesma fonte, a tutela não recusou “descativar” verbas em 2016 por razões financeiras: o que foi pedido foi autorizado. A empresa lançou duas empreitadas, uma na modernização da linha do Norte e outra na Linha do Douro, mas que só deverão ficar concluídas no próximo ano.
E, para 2017, espera-se a duplicação dos investimentos na ferrovia com a modernização da linha do Minho, a continuação das obras na Linha do Norte e a reconstrução da linha da Beira Baixa, no troço entre a Covilhã e a Guarda, considerada essencial para avançar com o corredor Norte para ligar os portos nortenhos a Espanha. Também para o ano está previsto o arranque daquela que há muitos anos se anuncia como a grande obra numa nova linha, pelo menos em parte, de mercadorias que ligará Sines a Espanha. Este projeto está na fase de estudo prévio. O investimento total previsto é de 630 milhões de euros, dos quais a parte de leão, no valor de 450 milhões de euros, será aplicado na construção da ligação entre Évora e Elvas.
Ainda que estejam na calha mais investimentos na ferrovia, o insustentável peso das PPP continua a fazer-se sentir na conta de investimento do Estado no próximo ano. Os encargos com as parcerias, no valor de 2.007 milhões de euros, ainda representam cerca de 50% do total do programa do Ministério do Planeamento e Infraestruturas como sublinha o parecer da comissão parlamentar de Economia e Obras Públicas sobre o Orçamento do Estado para 2017.