O Serviço Nacional de Saúde está a ser suportado pelo esforço dos médicos e profissionais que aceitam “trabalhar mais por menos dinheiro”, indica um estudo que vai ser divulgado este sábado em Lisboa.

Coordenado pelos investigadores Raquel Varela e Renato Guedes, da Universidade Nova de Lisboa, o estudo científico aponta para a crescente precariedade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), uma espécie de regresso ao passado, a situações anteriores à década de 1960.

“Devido ao aumento das tarefas, do trabalho e da diminuição do rendimento, estamos a rebentar com as pessoas e estamos a rebentar com o Serviço Nacional de Saúde “, sustentou, em declarações à Lusa, Raquel Varela.

Segundo a historiadora, no mínimo, vão ser precisos “trinta anos para corrigir a situação”, caso exista vontade política.

“Hoje, o que faz funcionar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) com menos dinheiro é o facto de os médicos receberem menos e trabalharem mais. Não são modificações de gestão, melhores condições de trabalho ou controlo de gastos. O que manteve a prestação dos cuidados de saúde são os médicos que passaram a trabalhar mais por menos”, acentuou.

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“É como se o Serviço Nacional de Saúde (SNS) voltasse ao registo anterior a 1960, em que os hospitais eram centros de tratamento de pobres e, por essa via, de formação — sendo que os médicos após essa especialização passam a atender nos consultórios privados e em clínicas”, conclui o estudo encomendado pelo Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos.

As conclusões da investigação apontam para uma “evolução miserável” do número de médicos a exercer no SNS, sobretudo tendo em conta os profissionais formados pelo Estado, mas também para a degradação dos cuidados primários.

“O número de profissionais médicos a exercer no SNS teve uma evolução miserável se considerarmos o potencial em número de médicos formados desde a década de 1970, em particular, desde a criação do SNS. Verifica-se, nas nossas conclusões, a evolução negativa nos cuidados primários de saúde. Isto é, são formados muito mais médicos pelo SNS do que aqueles que ficam a trabalhar nele”, indica o documento.

O estudo estabelece também uma relação entre as várias investigações já realizadas sobre o “burnout” (esgotamento) a que os médicos estão sujeitos desde a aplicação das medidas impostas pela troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), através do Memorando de Entendimento (17 de maio de 2011).

O ritmo de produtividade, refere o texto, está a ser marcado pela utilização da força de trabalho “até níveis próximos do seu limite”.

Em perspetiva, o trabalho indica também que, em Portugal, o sistema de saúde “de ponta” só foi alcançado após a revolução de 1974.

“A revolução, isto é, a luta política organizada, que gerou uma transferência de 18 por cento do rendimento do capital para o trabalho, em grande medida na criação de um Estado Social, impôs a junção entre previdência e assistência dando o passo fundamental para a criação do SNS, que se oficializou em 1979”, conclui a investigação.

Esta situação, prossegue o estudo, criou “de facto” uma “elevação” salarial significativa, permitindo “resultados extraordinários”, do ponto de vista do acesso a cuidados de saúde, “colocando Portugal entre os melhores, mais eficientes tecnicamente e mais justos sistemas de saúde do mundo”.

A segunda parte do estudo analisa as formas de privatização do sistema público de saúde britânico que criou uma “indústria de cuidados de saúde”, transformando um “serviço público essencial em lucro”.

Além dos académicos portugueses, o estudo incluiu as participações de quatro cientistas sociais anglo-saxónicos: Ursula Huws, Stewart Play, Colin Leys e Peter Kennedy, que se debruçam sobre as formas e consequências da privatização do National Health Service, no Reino Unido