É uma associação, mas ainda não é um partido. Tem membros, mas ainda não tem militantes. Tem uma visão de sociedade, mas ainda não tem um manifesto final. Um grupo de liberais — sem medo de serem acusados de “papões neoliberais” — criaram em setembro a Associação Iniciativa Liberal. O objetivo final é criar um partido liberal em Portugal, ao estilo do Ciudadanos (Espanha) ou dos Lib Dems (Reino Unido). Já começou a recolha de assinaturas para a constituição de um partido que, no espectro político, estará situado ao centro (entre o PSD e PS).
Um dos co-fundadores da Iniciativa Liberal, Rodrigo Saraiva, explica ao Observador que ser um partido “depende da vontade das pessoas”, definindo atualmente o movimento como “uma startup política.” O grupo de liberais, alguns militantes da Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa (ALDE), lançou a associação por acreditar que “a oferta política em Portugal ainda não está preenchida ao centro” e que “o facto de existirem tantos votos brancos e nulos, demonstra que os eleitores não se reveem na atual oferta política”. O grupo começou, precisamente, por trabalhar num manifesto que tem por base o Manifesto Liberal de Oxford (1947).
A supressão da liberdade económica conduz ao inevitável desaparecimento da liberdade política. Opomo-nos a tal supressão, quer esta se deva à estatização da propriedade ou a monopólios, cartéis ou trusts privados. Apenas admitimos o controlo do Estado sobre as tarefas que excedam o âmbito da iniciativa privada ou nas áreas em que a concorrência já não funcione“, pode ler-se num dos pontos essenciais do manifesto de Oxford.
Rodrigo Saraiva explica que os fundadores do movimento não acreditam num “sistema top down” (imposto de cima para baixo) e por isso decidiram fazer o Manifesto Liberal Portugal 2016 numa lógica “colaborativa”. E acrescenta: “Qualquer movimento tem de ter a sua Bíblia.” Durante meses, as pessoas puderam entrar numa “plataforma online e propor alterações ao manifesto, mas respeitando a base do de Oxford“. De acordo com dados cedidos ao Observador, o manifesto recebeu mais de três mil contributos e validou 150 participações que agora serão selecionadas e compiladas num documento final.
A nível de ideologia, o co-fundador da associação explica que os promotores querem “um Portugal ainda mais liberal”, pois acreditam que “Portugal já é liberal”. Essa visão liberal da sociedade está, acreditam, desenvolvida “em termos sociais” em Portugal, mas “na questão económica e de organização do Estado ainda há muito a fazer.”
Após a fase do manifesto, o movimento quer avançar para uma “vertente programática”, para a qual vão contribuir iniciativas e debates. Aliás, a 7 de outubro, a associação organizou uma conferência com o presidente do ALDE, Hans Van Baalen, na World Academy, em Carnaxide.
Membros da Iniciativa liberal participaram também de 1 a 3 de dezembro de 2016 no Congresso do ALDE, em Varsóvia, e mantêm contactos com os vários partidos liberais da Europa que serão, desejavelmente, os seus futuros homólogos.
Quem são os liberais portugueses?
O grupo fundador do movimento conta com nomes como Alexandre Krauss, conselheiro político do ALDE desde janeiro de 2015, Rodrigo Saraiva, e aquele que é o “CEO” da associação, Bruno Horta Soares. Em vez de um presidente, o grupo optou por ter um CEO.
Bruno Horta Soares é professor universitário na Católica-Lisbon School of Business and Economics e na Porto Business School. É também fundador do GOVaaS – Governance Advisors, as-a-Service, um projeto que tem como missão “apoiar os decisores e gestores das organizações, independentemente da sua dimensão ou complexidade, na adoção das melhores práticas de governance.”
Consultor de comunicação, Rodrigo Saraiva chegou a integrar a lista do Movimento do Partido da Terra nas Legislativas de 2015, que tinha como cabeça-de-lista Manuel Ramos e como mandatário o antigo presidente da câmara municipal de Lisboa, Carmona Rodrigues. A política não é um terreno novo para Rodrigo Saraiva que teve ligações ao PSD, tendo sido secretário-geral da JSD e vereador da câmara de Lisboa no tempo de Carmona, onde ficou com os pelouros de Serviços Gerais e da Juventude”.
Além dos fundadores, no site do movimento constam mais de 40 pessoas como “pioneiras” do grupo e que incluem nomes como o professor universitário e politólogo José Adelino Maltez. Tal como Rodrigo Saraiva, José Adelino Maltez é militante do ALDE (um partido europeu que permite a militância sem a necessidade de ser previamente militante de um partido a nível nacional).
José Adelino Maltez começa por explicar que tem “muito desgosto” por não ter em Portugal um partido “semelhante ao ALDE” que siga o “manifesto de Oxford”. O professor universitário explica que em Portugal “quem usa a palavra liberal são os inimigos do liberalismo”, que “metem um sufixo” na palavra: neo-liberais.
O apoiante da Iniciativa Liberal explica que “Portugal tem muitos liberais políticos, nomeadamente no PS e no PSD, que são bons representantes do liberalismo político”, mas não há partidos que consigam “conciliar liberalismo político, económico e social.” Adelino Maltez recorda que, em Espanha, “surgiu o Ciudadanos, que conseguiu uma vice-presidência do ALDE”. Em Portugal é difícil repetir a experiência.
Qualquer movimento político, se quiser ter força, tem de ser partido. Em Portugal é muito difícil. É preciso surgir um partido à esquerda do PPE e do PSD, mas à direita do PS”, avança Adelino Maltez.
O politólogo diz que nem sabe “dizer se o mais liberal é Passos, se é Costa, que é herdeiro do partido com mais liberais políticos”. Quanto ao partido que poderá surgir da Iniciativa Liberal, Adelino Maltez explica que seria “claramente à direita de Costa e à esquerda de Passos Coelho”.
Se esse partido surgir, Adelino Maltez garante que será apoiante e até militante. Para isso, a força política só tem de corresponder ao manifesto de Oxford. Quanto ao processo de formação do partido, deixa-o para os mais novos, como Rodrigo Saraiva.