Hélder Bataglia, arguido no caso Operação Marquês, não fez qualquer acordo com o Ministério Público (MP) para incriminar Ricardo Salgado, afirmou esta quarta-feira ao Expresso o advogado de defesa do próprio, Rui Patrício.

Ao jornal, o advogado de defesa negou que tenha existido um acordo, “uma espécie de delação premiada”. “É importante que fique claro que isso não aconteceu”, insistiu. Rui Patrício negou ainda que Bataglia tenha feito um acordo com o MP para vir ser interrogado em Portugal, adiantando que tudo não passou de “um conjunto de notificações e de resposta a essas notificações”.

Além do mais, a lei portuguesa não permite acordos semelhantes aos de delação premiada que têm vindo a ser realizados entre o Ministério Público Federal do Brasil e um conjunto significativo de arguidos no processo Lava Jato.

A importância do interrogatório de Bataglia

Recorde-se que Hélder Bataglia, tal como foi noticiado em primeira mão Expresso e confirmado pelo Observador, terá revelado ao Ministério Público a 5 de janeiro, no âmbito de um segundo interrogatório, que transferiu 12 milhões de euros para Carlos Santos Silva, alegado testa-de-ferro de José Sócrates, a pedido do ex-presidente executivo do Banco Espírito Santo (BES).

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O depoimento de Bataglia é relevante para o processo Marquês por duas razões:

  • Confirma a tese do MP, assente em indícios documentais relacionados com a origem do dinheiro que foi parar às contas de Carlos Santos Silva na Suíça, de que o Grupo Espírito Santo está por detrás da transferências de cerca de 17, 4 milhões euros dos mais de 20 milhões reunidos pelo alegado testa-de-ferro de José Sócrates;
  • Confirma o alegado conhecimento e autorização de Ricardo Salgado, o que terá sido essencial para imputar ao ex-banqueiro a alegada prática do crime de corrupção ativa para ato ilícito por alegadas contrapartidas pagas a José Sócrates por benefícios alegadamente concedidos ao Grupo Espírito Santo nos negócios do Grupo Portugal Telecom, como pode verificar aqui e aqui.

Este depoimento foi surpreendente, tendo em conta o que Hélder Bataglia tinha afirmado no primeiro interrogatório. Constituído arguido em abril de 2016 em Luanda pelos crimes de corrupção ativa, fraude fiscal e branqueamento de capitais, por intermédio de uma carta rogatória emitida pelas autoridades portuguesas, Bataglia refutou os indícios recolhidos contra si com a exceção precisamente do ponto respeitante a diversas transferências que atingiram um total de 12 milhões de euros para a conta na Union des Banques Suisses (UBS), na Suíça, em nome de Joaquim Barroca, ex-administrador do Grupo Lena.

Neste ponto, o gestor luso-angolano afirmou que, devido a conselho do seu advogado, Rui Patrício, não pretendia revelar naquele momento os contornos daquela transferência.

Porquê agora?

O causídico, sócio do escritório Morais Leitão, explica agora em entrevista ao Expresso que o segundo interrogatório em Lisboa só aconteceu depois de ter ponderado a “oportunidade processual e os termos” das “notificações”, tendo decidido avançar, “ponderando o que estava em causa, o momento do processo e a necessidade que o Ministério Público revelava de complementar o interrogatório que tinha sido feito no âmbito da carta rogatória [que levou à realização de um primeiro interrogatório em Angola]”.

Na sequência de um segundo depoimento em Lisboa, o Expresso escreve que Bataglia saiu no Ministério Público com uma “medida de coação menos gravosa” — o que nunca acontecera com qualquer arguido da Operação Marquês. Rui Patrício justificou a posição do seu cliente afirmando que “o facto de ter sido aplicado apenas um termo de identidade e residência [a Hélder Bataglia], é algo que tem a ver com a valoração do depoimento, o momento em que ele foi prestado e o entendimento que o Ministério Público teve sobre a existência ou não de necessidades cautelares. Mais nada”.

Considerando precisamente o que se tem lido na imprensa nos últimos dias, a propósito do seu cliente ter entregue Ricardo Salgado à Justiça, Patrício voltou a insistir que o MP teve interesse no interrogatório complementar:

Tinha havido uma carta rogatória, como todos sabem, porque é público, e o Ministério Público entendia que era preciso complementar essas respostas e era preciso haver oralidade e imediação, que são dois valores muito importante no nosso Código do Processo Penal”, argumenta, não sem antes afirmar que “cada um é livre de tirar as conclusões que entender”.