É um ultimato dos partidos da direita perante aquilo que classificam de obstrução da esquerda aos trabalhos da comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos. Os líderes parlamentares do PSD e CDS desafiaram esta quarta-feira o PS, BE e PCP a voltarem atrás na decisão de terça-feira de não permitirem o acesso às mensagens trocadas entre as Finanças e o ex-administrador do banco, António Domingues, e de não permitirem a distribuição e divulgação das comunicações via carta emails entre as duas partes.

Falando no final da conferência de líderes, que decorreu ao final da manhã desta quarta-feira, os dois líderes parlamentares Luís Montenegro (PSD) e Nuno Magalhães (CDS-PP) apelaram a que esta decisão fosse alterada até às 18h00 de hoje, quando se reúne novamente a comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD) para ratificar a decisão indiciada na terça-feira pelos coordenadores da comissão. Se tal não acontecer, ambos os partidos afirmam que retirarão “todas as consequências regimentais, jurídicas e políticas” sem especificar quais.

Mas tal não vai acontecer. Logo no seguimento das declarações de Luís Montenegro e Nuno Magalhães, PS, PCP e BE apressaram-se a rejeitar o ultimato. Em declarações aos jornalistas, no final da conferência de líderes, os líderes parlamentares do PS, Carlos César, do BE, Pedro Filipe Soares, e do PCP, João Oliveira, acusaram PSD e CDS de quererem utilizar a comissão de inquérito à Caixa para criar um facto político, violando a Constituição e a lei, que não permite o acesso a comunicações pessoais.

“Queremos que até às 18h00, o PS, PCP e BE possam reponderar a sua decisão de obstruir o funcionamento da democracia e com este boicote democrático dizerem que o parlamento vai abdicar de uma das suas ações fundamentais: escrutinar os atos do Governo e da administração”, disse.

A audição de António Nogueira Leite, ex-administrador da Caixa, que estava agendada para a tarde desta quarta-feira foi adiada para os deputados voltarem a discutir este tema e confirmarem as votações de ontem.

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Hugo Soares, vice-presidente da bancada do PSD e coordenador dos sociais democratas na comissão se inquérito à Caixa, diz ao Observador que a posição do partido se coloca “estritamente no plano político” e explica que se trata de “um ultimato no sentido de repor os mínimos da dignidade parlamentar do escrutínio dos atos do Governo”. O deputado acusa os partidos da esquerda de “bloqueio e boicote à democracia” e repete o que terá dito na reunião de coordenadores da comissão de inquérito: “No limite, devia confrontar-se a auditora jurídica do Parlamento” sobre se o pedido dos SMS trocados entre Domingues e Centeno “está em conformidade com o objeto da comissão de inquérito”. Para o social-democrata, a comissão destina-se a “escrutinar os atos gestão do Governo e ninguém tem dúvidas de que nomear uma administração é um ato de gestão do Governo”.

“PS, PCP e BE querem como que suspender a democracia e limitar de forma absolutamente intolerável o funcionamento de uma comissão parlamentar de inquérito e os direitos potestativos das oposições”, acusou ainda Luís Montenegro. Para o líder parlamentar social-democrata, este comportamento cria “um ambiente insuportável no país” e que tem “arrastado as mais altas figuras do Estado”, como o primeiro-ministro e o Presidente da República.

Questionado sobre quais são as consequências que os dois partidos poderão retirar, Luís Montenegro não especificou, dizendo apenas que PSD e CDS-PP não desistirão de “restabelecer a normalidade das instituições em Portugal”. “Quando o Presidente da República tem hoje informação sobre este assunto, que esteve na base de uma nota que tornou pública, e o Parlamento se quer inibir a si próprio de fazer o tratamento do assunto, nós não temos uma situação politicamente equilibrada”, salientou.

Na mesma linha, o líder parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, considerou “inédito e muitíssimo grave” que uma “maioria circunstancial queira limitar a possibilidade de deputados fazerem determinado tipo de perguntas”. “Isso é próprio de regimes totalitários, é inaceitável e inadmissível em qualquer democracia”, afirmou, apelando em particular ao PS e a Ferro Rodrigues para que defendam “o funcionamento do Parlamento”.

“Se não o fizerem teremos de tirar consequências (…) Tirar consequências é tudo: jurídicas, regimentais e políticas”, afirmou, quando questionado se o PSD e CDS admitem retirar-se da comissão de inquérito à Caixa.

Na terça-feira ao final da tarde, numa reunião à porta fechada entre os coordenadores da comissão de inquérito, os representantes do PS, BE e PCP travaram os requerimentos potestativos apresentados pelo PSD e CDS para terem acesso às mensagens trocadas entre as Finanças e António Domingues. Ao mesmo tempo, chumbaram também a admissibilidade dos documentos e emails que já chegaram às mãos dos coordenadores, invocando como motivo o facto de tais requerimentos não se enquadrarem no objeto da comissão parlamentar de inquérito, que abarca a gestão do banco público entre 2000 e 2015 e as necessidades reais de capital.

Esquerda trava acesso a comunicações entre Domingues e Finanças na comissão de inquérito

Ferro não quer conferência de líderes a pronunciar-se sobre comissão de inquérito

O presidente da Assembleia da República defendeu, no seguimento da polémica, que as matérias da comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos devem ser tratadas nesse âmbito e não discutidas em conferência de líderes.

“O senhor presidente reforçou que as matérias do âmbito da comissão de inquérito devem ser tratadas no âmbito da comissão de inquérito e não devem ser trazidas para a conferência de líderes”, informou os jornalistas a porta-voz da conferência de líderes, a secretária da mesa Idália Serrão (PS).

A porta-voz da conferência de líderes acrescentou que foi dito na reunião de conferência de líderes que “qualquer avaliação ou decisão que o senhor presidente da Assembleia tenha de fazer sobre esta matéria será sempre no estrito cumprimento da Constituição”.

O também secretário da mesa da Assembleia António Carlos Monteiro (CDS-PP) acrescentou que Eduardo Ferro Rodrigues disse que não cabe ao presidente do Parlamento imiscuir-se no funcionamento da comissão parlamentar de inquérito.