João Rendeiro, ex-presidente do Banco Privado Português (BPP), e três ex-administradores do mesmo banco (Paulo Guichard, Salvador Fezas Vital e Fernando Lima) vão ser julgados pelos crimes de abuso de confiança, fraude fiscal e branqueamento de capitais por terem alegadamente desviado cerca de 30 milhões de euros do BPP em prémios e outro tipo de remunerações sem a aprovação dos acionistas do banco.
A decisão da 7.ª Secção do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, tomada a 13 de março, contempla ainda um advogado do escritório PLMJ (João Magalhães Ramalho) que foi igualmente pronunciado para julgamento pelo crime de branqueamento de capitais. De acordo com a decisão instrutória assinada pela juíza Maria Antónia Andrade, Magalhães Ramalho terá criado e implementado um esquema de branqueamento de capitais que terá permitido a João Rendeiro e Mário Silva, um acionista de uma sociedade que detinha uma participação no BPP, ocultarem cerca de 7 milhões de euros do Fisco português. Apesar do fiscalista da PLMJ ter invocado que apenas deu conselhos profissionais a João Rendeiro e a Mário Silva, o Tribunal considerou-o à mesma como um dos alegados autores materiais do crime.
A pronúncia de um advogado por ter executado os conselhos fiscais que deu a um cliente não é muito comum mas a decisão da juíza Maria Antónia Andrade demonstra que os tribunais estão a aderir à visão que o Ministério Público e juristas como Paulo Pinto Albuquerque têm defendido sobre a eventual responsabilidade criminal dos advogados.
Contactada pelo Observador, fonte oficial da PLMJ afirmou que, “devido a este ser um caso que reporta a factos com origem cerca de 2 anos antes do Dr. João Magalhães Ramalho ter tido qualquer intervenção no assunto e aos quais este é alheio, a PLMJ aguarda o desenrolar do processo com serenidade e confiança na Justiça”. Isto é, o escritório que tem José Miguel Júdice como principal referência afirma que Ramalho é alheio aos factos principais que serão objeto do julgamento.
O Observador tentou contactar os advogados de João Rendeiro, Paulo Guichard, Fezas Vital e Mário Silva mas não recebeu qualquer resposta até à publicação desta notícia.
O processo dos prémios e remunerações não autorizadas
Tal como o Observador noticiou em janeiro e abril de 2016, este processo diz respeito à terceira acusação produzida no âmbito do chamado caso BPP pela 9.ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, num despacho assinado pela procuradora Ana Margarida Santos. Estava em causa o alegado desvio de prémios e remunerações aprovadas pela Comissão de Vencimentos daquele banco mas sem que os acionistas (os donos da instituição de crédito) tivessem conhecimento. Além disso, Rendeiro e os restantes ex-administradores terão, de acordo com a acusação, utilizado fundos do banco para a concretização de investimentos pessoais.
Recorde-se que o BPP foi intervencionado pelo Banco de Portugal, tendo o Estado injetado cerca de 450 milhões de euros antes da derrocada e correspondente insolvência da instituição de crédito que tinha o private banking como principal negócio.
De acordo com a acusação da 9.ª Secção do DIAP de Lisboa, à qual o TIC de Lisboa aderiu, os arguidos terão alegadamente retirado ” da esfera patrimonial do BPP para a sua esfera pessoal” os seguintes fundos:
- 17,1 milhões de euros em pagamento de salários e de prémios de gestão que não foram autorizados pelos acionistas ou pela Comissão de Vencimentos – o que leva o DIAP de Lisboa a considerar os mesmos como ilícitos;
- 1,3 milhões de euros para financiar João Rendeiro (através da sociedade offshore Tagus) na aquisição de ações de empresa acionista do BPP sem que o dinheiro, segundo a acusação, tenha sido restituído ao banco;
- 11,1 milhões de euros para financiar compra e venda de ações em que intervém a sociedade Telesis (controlada por João Rendeiro) com fundos do BPP, sem que o dinheiro, de acordo com a acusação, tenha sido devolvido ao banco.
No total, estão em causa cerca de 30 milhões de euros que não terão sido declarados ao fisco.
O caso do advogado da PLMJ
A acusação, e respetiva pronúncia, contra o advogado João Magalhães Ramalho está relacionada com a sociedade Joma Advisers Limited. Trata-se de uma acionista da Privado Holding que detinha cerca de 13,5% do capital daquela que era a holding do Grupo BPP. A Joma, por seu lado, era detida em 80,74% por João Rendeiro em nome individual e através de três sociedades offshore (a Oltar, a Sertin e a Porfine), enquanto Mário Silva detinha 19,26% em nome individual.
A 11 de setembro de 2006, a Joma distribuiu cerca de 7 milhões de euros em dividendos, por via da sua participação nos lucros da Privado Holding. Rendeiro recebeu cerca de 4,7 milhões de euros através das sociedades Oltar e Sertin, tendo a Porfine recebido cerca de 898 mil euros. Total: cerca de 5,6 milhões de euros.
Mais tarde, já em 2008, a a Joma resgatou cerca de 1,7 milhões de euros de depósitos a prazo que tinha no BPP. Cerca de 1,3 milhão de euros foram parar às contas da sociedade Oltar, controlada por Rendeiro. Tais, valores, segundo o DIAP de Lisboa, também não terão sido declarados pelo ex-banqueiro e pelo seu ex-sócio.
É precisamente em 2008 que João Magalhães Ramalho terá sido chamado a intervir, tendo alegadamente delineado um alegado planeamento fiscal e um alegado plano de simulação de vendas das ações que João Rendeiro e Mário Silva detinham em nome pessoal na Joma a duas sociedades (a Jotar e a Sertin) que eram alegadamente controladas pelos mesmos arguidos. O objetivo era evitar a tributação dos rendimentos da Joma na Irlanda — país onde a sociedade estava sediada.
No seu requerimento de abertura de instrução, onde ataca os fundamentos utilizados pelo MP, Magalhães Ramalho negou perentoriamente que tivesse delineado qualquer plano e muito menos o executasse e diz que não há nenhum documento que consubstancie a tese do MP.
A juiza Maria Antónia Andrade, contudo, não deu “credibilidade” à tese do fiscalista da PLMJ e determinou a sua sua pronúncia para julgamento, tendo citado mesmo o jurista Paulo Pinto de Albuquerque que entende que “quem auxilie direta ou indiretamente a dissimular as vantagens obtidas em resultado de uma determinada ação delituosa” estará a cometer um crime de branqueamento de capitais. Pois Pinto Albuquerque considera que as “operações de auxílio e facilitação de conversão ou transferência consubstanciam atos de cumplicidade. Portanto, são puníveis como autores os advogados, empregados bancários ou consultores financeiros que auxiliem ou facilitem a prática de branqueamento”, cita a magistrada do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa na sua decisão instrutória.
Multas do Banco de Portugal e da CMVM contra Rendeiro à beira da prescrição
Para que servem as offshores
De acordo com a acusação da 9.ª Secção do DIAP de Lisboa, João Rendeiro, mas também Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital, terão tentado ocultar os fundos que alegadamente têm uma origem ilícita e que alegadamente não foram declarados ao fisco — ações às quais os restantes arguidos não estão envolvidos, segundo o tribunal de instrução criminal que analisou o caso.
Por exemplo, o ex-presidente do BPP terá ganho num negócio de venda da ações da sociedade offshore Telesis, financiado pelo BPP, cerca de 7 milhões de euros em 2007. De imediato, Rendeiro terá dado ordens ao gestor de conta que distribuísse o dinheiro da seguinte forma:
- 1,5 milhões de euros para uma conta de João Rendeiro no BCP em Portugal, entre 30 de dezembro de 2008 e Abril de 2009;
- 52 mil euros para a sociedade Corbes do Estado do Delaware (Estados Unidos), também detida por João Rendeiro, efectuada a 30 de março de 2009; esta sociedade detém a casa que João Rendeiro tem na Quinta Patiño;
- 12 mil euros para uma conta na Suíça em nome da Penn Plaza, empresa do Estado do Nevada (Estados Unidos), também de Rendeiro;
- e 2 milhões de euros para contas na Suiça e em Singapura de uma sociedade chamada Octavia International Foundation, sedeada no Panamá. Esta sociedade era detida por Rendeiro e pela sua mulher, tendo conta aberta desde 2009 no banco inglês HSBC Bank e no Credit Suisse de Singapura.
Já Paulo Guichard terá utilizado técnicas de transferências de fundos semelhantes. Em 2007, por exemplo, recebeu cerca de 1,5 milhões de euro no negócio de venda da sua parte do capital de Telesis, tendo os fundos feito uma autêntica volta ao mundo:
- Os cerca de 1,5 milhões de euros começaram por ser depositados em 2007 numa conta do Banif Nassau, nas Bahamas;
- Um ano depois voaram para uma conta na Union des Banques Suisses aberta em nome de Paulo Guichard;
- Através de três transferências realizadas ao longo de 2009, os cerca de 2 milhões foram transferidos para una conta da Kesarani Holdigns aberta num banco suíço.
Salvador Fezas Vital, por seu lado, fez uma aplicação de diferente de um milhão de euros que recebeu da Joma:
- Começou por investir o montante em obrigações do José de Mello, SGPS;
- Em 2010 ordenou o resgate das obrigações e transferiu o montante para uma conta bancária no banco ADCB Karama Branhc, no Dubai.