Antes de se ouvir qualquer nota musical desta primeira semifinal da Eurovisão, Salvador Sobral já se destacava entre os 18 países que iam disputar um lugar na finalíssima: “Amar Pelos Dois”, a canção que a irmã compôs para ele, era a única que não ia ser cantada em inglês, numa edição que tem como tema “Celebrar a Diversidade”. Mas antes, foi preciso escutar o sueco Robin Bengtsson a tentar dar uma de Justin Timberlake com “I Can’t Go On”, acompanhado por quatro bailarinos, em pose boyband em que só um sabe cantar.

Depois chegou Tako Gachechiladze, da Geórgia, com um visual exuberante e uma balada dramática, “Keep The Faith”, igual a tantas outras baladas dramáticas que já ouvimos no passado, de Toni Braxton a Kelly Clarkson, com um je ne sais quoi de James Bond. De bem longe, da Austrália, o jovem Isaiah desfilou selfies no ecrã atrás de si, enquanto dava voz (e um falsete estranho) à balada “Don’t Come Easy”. Da Albânia também chegou uma canção igual a todas as outras, cujo nome não recordaremos daqui a um ano ou dois — chama-se “World”, já agora.

[reveja neste vídeo a cerimónia da semifinal]

A Bélgica deu o primeiro — de muito poucos — sinal de que é possível apresentar na Eurovisão uma canção com uma batida dançável que não é pastilha elástica. Blanche cantou “City Lights” com uma voz ligeiramente rouca, algo frágil. A apatia compensou-a com autenticidade. Foi a última a ser anunciada como finalista, e ainda bem. Se a Moldávia passou, todos mereciam ter passado.

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Já lá vamos, aos finalistas. Antes, ainda nos entrou pela casa adentro o montenegrino Slavko Kalezić, com o estilo fetiche da Eurovisão: disco sound em todo o seu esplendor, muito movimento corporal (chamar-lhe dança talvez seja abusado), mudanças de visual, uma trança épica e efeitos visuais para encher os olhos, já que sobra tão pouco para os ouvidos. A Finlândia ousou trazer a melancolia ao planeta alegria que é a Eurovisão, com “Blackbird”, feita de piano e voz. Uma canção aceitável, mas que ficou pelo caminho. O Azerbaijão quase nunca fica pelo caminho (oito participações, oito finais e uma vitória) e “Skeletons”, de Dihaj, conquistou um dos 10 lugares na final de sábado.

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Até que começaram a aparecer imagens de Lisboa. Primeiro a Bica, depois a livraria Ler Devagar. Depois, as luzes apagaram-se e o público acendeu os isqueiros do século XXI, os telemóveis, para iluminar o único intérprete a cantar na sua língua, e o único que não cantou do enorme palco, mas sim num pequeno círculo no meio dos espectadores. Todos fizeram silêncio para escutar a secção de cordas, o piano e o poema feito de palavras que tantos não percebem mas que, mesmo assim, conseguiu fazer com que Salvador Sobral fosse o segundo favorito nas casas de apostas.

Se um dia alguém, perguntar por mim
Diz que vivi para te amar

Em 18 canções, apenas ela não foi em inglês. Em 18 canções, apenas ela foi interpretada no meio do público, de forma magistral. Em 18 canções, poucas foram as que trouxeram alma em vez de confetis e espetacularidade para encher os olhos. E, num festival cujo lema desta edição é a celebração da diversidade, poucas não foram exemplos de pop dançável comercial e preguiçosa. Nacionalismos de parte, Salvador Sobral merece estar na final por tudo isto e, no final das votações, conquistou o desejado lugar.

Garantidos na final estão também a Bélgica, o Azerbaijão, a Grécia, a Suécia, a Polónia, a Arménia, a Austrália e o Chipre. E, sim, a Moldávia, mesmo que “Hey, Mamma!” tenha sido, provavelmente, a pior canção da noite e uma das piores coreografias. Valeu pela memória de 2010, quando os mesmos SunStroke Project pisaram aquele palco e apresentaram ao mundo o novo Kenny G:

https://twitter.com/fannytastic__/status/862036227939328003

Na quinta-feira acontece a outra semifinal e, no sábado, é transmitida a final. Com participações desde 1964, a melhor classificação de Portugal até ao momento foi um 6.º lugar, em 1996, com “O Meu Coração Não Tem Cor”, uma composição de Pedro Osório cantada por Lúcia Moniz e letra de José Fanha. Até agora, uma das principais concorrentes de Salvador Sobral é a canção da Itália, “Occidentali’s Karma”. Se “Amar Pelos Dois” chega para vencer, é difícil de prever. O festival da Eurovisão é um lugar estranho.