Muito se tem falado do perfil de Sérgio Conceição. Do feitio explosivo, da blindagem total ao balneário, das atividades extra-futebol para promover o bom ambiente como as sessões de paintball, de stand up comedy ou karting, da tendência para enfrentar os problemas em nome do clube que representa e do grupo que lidera.

Ainda assim, e a ser verdade aquilo que Jorge Jesus, o seu antigo treinador no Felgueiras em 1995/96, disse aquando do primeiro duelo como treinadores, em 2012/13 (Benfica-Olhanense), de que a melhor faculdade é a carreira de jogador, Sérgio Conceição teve o privilégio de passar pelas mãos de alguns dos melhores professores. De todos tem histórias. E o mais curioso mesmo é considerar que, escolhendo a sua equipa ideal, seleccionava para o banco… Arrigo Sacchi, com quem acabou por trabalhar pouco tempo no Parma, em 2001.

Uma boa relação com Jesus que não evitou uma discussão

“Tenho a certeza que todos os jogadores que trabalharam comigo e que têm vocação vão ser treinadores. A universidade dos treinadores são os anos que tiveram como jogadores, não são os cinco anos de faculdade, ou seja lá onde aprendem. Isso é só teoria. Os treinadores formam-se onde o Sérgio e eu aprendemos. Depois, é preciso vocação. E posso estar enganado, mas penso que o Sérgio vai dar treinador”, dizia Jorge Jesus em março de 2012, quando o Benfica defrontou o Olhanense. E não se enganou a propósito do seu antigo jogador.

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Sérgio Conceição começou na Académica mas terminou a formação no FC Porto. Foi emprestado ao Penafiel, ao Leça, onde ganhou a Segunda Liga, e rumou em 1995/96 para o Felgueiras, treinado por Jorge Jesus. Avelino, Leal, Abel Silva, Rui Gregório, Bozinovski, Clint, Earl, Krstic e Lewis eram alguns dos jogadores desse plantel. Que jogava bem, até ter uma estrondosa queda de rendimento na segunda volta. Num esquema à Barcelona, totalmente inspirado na filosofia de Cruijff, Sérgio Conceição fazia todo o corredor direito. O técnico gostava dele, da entrega, da raça, da qualidade. Era recíproco. Mas um dia o jovem jogador confrontou Jesus porque, naquele sistema, ficava muitas vezes em situação de inferioridade a defender. O treinador não gostou e mandou-o uns dias para os juniores.

O último golo no FC Porto de Mourinho ao Vilafranquense… de Rui Vitória

Sérgio Conceição esteve entre 1996 e 1998 no FC Porto, após ter rodado em Penafiel, Leça e Felgueiras. Nesse ano, saiu para Itália. Jogou na Lazio, no Parma e no Inter até regressar à equipa de Roma. Em 2003/04, com pouco utilizado, quis sair. E regressou ao FC Porto, por seis meses. Ganhou o Campeonato com José Mourinho, porque nessa época já tinha alinhado pela Lazio na Liga dos Campeões e não podia ser utilizado pelos dragões, que ganhariam ao Mónaco por 3-0 na final de Gelsenkirchen. Entre os 15 encontros realizados, entre Campeonato e Taça de Portugal, marcou apenas um golo, de penálti, na goleada por 4-0 com o Vilafranquense treinado por… Rui Vitória.

“Não é uma época para ele recordar. A única coisa que pode lembrar é que foi campeão nacional, tenho impressão que ainda pode ser vencedor da Taça de Itália e pode ser vencedor da Taça de Portugal. Pelos títulos sim e pela integração fantástica no grupo, de que ele gosta e que aprendeu a gostar dele”, disse Mourinho no final da época.

Ganhou ao FC Porto no último jogo e quase chorou de raiva

O último encontro que fez em Portugal como treinador contra o FC Porto teve um misto de emoções: o V. Guimarães ganhou por 1-0, com um golo madrugador de Bouba Saré logo aos quatro minutos, mas no final vieram-lhe as lágrimas aos olhos no rescaldo de uma semana complicada onde sentiu a dignidade colocada em causa com comentários que diziam ser capaz de perder para substituir Lopetegui, que tinha saído, nos dragões (nesse encontro, quem esteve no banco contrário foi o antigo companheiro Rui Barros).

“Não foi uma semana fácil. Estou muito contente pelos jogadores, fizeram um trabalho fantástico, tenho um grupo fabuloso. Uma palavra também para os adeptos, muito apaixonados e mais uma vez foram fantásticos. Nasci num meio muito humilde, não tive uma vida fácil, posso ter muitos defeitos mas há princípios que os meus pais me passaram dos quais não abdico nem abdicarei: dignidade, honestidade, frontalidade. Não gostei durante a semana que tivessem colocado esses valores e, apesar de já não ter os meus pais, estarão orgulhosos”, referiu.

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O hat-trick que obrigou Humberto a tirar o Coelho da cartola

Humberto Coelho não abdicava do seu modelo de jogo no Campeonato da Europa de 2000: quatro defesas, dois médios de maior contenção, três criativos e uma referência lá na frente. Era a chamada Geração de Ouro, com Luís Figo, Rui Costa e João Vieira Pinto a apoiarem o ‘9’, que chegou a ser Sá Pinto mas foi Nuno Gomes (e ainda havia no banco Pauleta). Assim, Sérgio Conceição não tinha grande espaço nas opções iniciais.

O extremo substituiu João Vieira Pinto aos 75′ da vitória com a Inglaterra (3-2) e aos 56′ do triunfo frente à Roménia (1-0), que carimbou logo ali a passagem aos quartos-de-final no primeiro lugar do grupo. Faltava um jogo para concluir a fase de grupos e o treinador decidiu mudar quase toda a equipa, deixando apenas os centrais Fernando Couto e Jorge Costa. Sérgio foi titular e fez um hat-trick histórico à Alemanha (3-0). Foi de tal forma esmagador que nunca mais saiu da equipa: com a Turquia, nos quartos, começou como lateral direito (2-0); com a França, nas meias-finais, iniciou o encontro como extremo direito, deixando mesmo João Vieira Pinto no banco (1-2 a.p.).

Era mesmo azia com Fernando Santos e Deco?

Em 2014, Deco organizou um jogo de despedida no Dragão entre o FC Porto de 2004 e o Barcelona de 2006, clubes pelos quais ganhou a Liga dos Campeões numa carreira de exceção. Eram estrelas atrás de estrelas no relvado dos azuis e brancos, com o luso-brasileiro a alinhar 45 minutos por cada um dos conjuntos.

Face à indisponibilidade de José Mourinho, Fernando Santos, o atual selecionador, orientou os dragões. Deixou Sérgio Conceição no banco. E o antigo extremo, meio a sério meio a brincar, já não estava a achar piada. “Estão a brincar com isto mas estou mesmo chateado. Na segunda parte entro? Claro! Ou então vou-me embora, não estou aqui a fazer nada. E vou ser o melhor jogador. O Deco para mim não gastou dinheiro com viagens, que não foi preciso, não vim comer, ao menos podia jogar como titular. Estou com azia com o Fernando Santos e com o Deco, a falar a sério”, atirou enquanto os companheiros no banco se riam. E o treinador acabou por ir dar-lhe um abraço.

Como o feitio reservado enganou o ex-companheiro Mihajlovic

Sinisa Mihajlovic era conhecido pelo temível pontapé de pé esquerdo. Era defesa, mas fartava-se de marcar golos de livre direto. Foi mesmo um dos melhores jogadores de sempre nesse particular. O sérvio esteve com Sérgio Conceição na Lazio, antes de se tornar treinador de Bolonha, Catania, Fiorentina, Sérvia, Sampdória, AC Milan e Torino, onde está agora. E nunca pensou que o extremo daria também técnico.

“Quando o via como jogador, nunca pensei que seria treinador. Tinha um carácter demasiado reservado. Nunca falava. Mas as pessoas mudam. É um bom treinador, eu é que estava errado. Era um grande jogador, fundamental na Lazio, e um enorme companheiro. Sofreu muito como eu, perdeu os pais muito jovem. Do que me recordo mais dele? Lembro-me que todos os anos chegava com os joelhos esfolados no Verão porque durante a pausa ia fazer uma romaria de joelhos a Nossa Senhora em Portugal”, disse em março ao jornal L’Équipe.

O melhor treinador? O melhor mesmo foi… Arrigo Sacchi

Já falámos de alguns treinadores que se cruzaram com Sérgio Conceição na carreira de jogador: José Mourinho, Jorge Jesus, Humberto Coelho. Mas houve outros grandes nomes: António Oliveira, Sven-Göran Eriksson, Alberto Malesani, Héctor Cúper, Roberto Mancini. No meio de todos estes, escolhe como melhor… Arrigo Sacchi, bicampeão europeu de clubes pelo AC Milan na era gloriosa dos rossoneri no final dos anos 80/início da década de 90.

“Tive tantos bons treinadores… Cúper, responsável pela chegada ao Inter, Malesani, Sacchi. Escolho o Sacchi, que treinou o Parma, por tudo aquilo que representa para o futebol mundial, por aquilo que ainda é para os italianos. É o Sacchi, definitivamente”, comentou em entrevista ao I no final de 2014, local onde escolheu também o melhor onze: Buffon; Zanetti, Cannavaro, Nesta, Córdoba; Almeyda, Verón, Mancini; Vieri, Ronaldo Fenómeno e Boksic.