Esperava-se que o general Pina Monteiro, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), pudesse avançar mais explicações sobre o material furtado em Tancos, mas as intervenções do general ficaram marcadas por explicações confusas, com várias formulações sobre o estado do material, que levaram deputados a confessar-se “cheios de dúvidas” com a situação real dos lança-granadas foguetes, precisamente um dos materiais mais perigosos entre as mais de cem peças furtadas do paiol.
Quando soube do furto, foi assumido que todo o material estava “ativo e operacional”. A seguir, explicou o general, recebeu a informação do Exército de que “os lança-granadas foguete não estavam em condições de serem utilizados operacionalmente porque tinham sido selecionados para abate”. Mas reconheceu que era “uma arma perigosa, muito eficaz, funcionando”. No fim da audição, afirmou que o “material não é obsoleto” e continua a poder ser usado, ainda que não com “toda a sua eficácia”.
A audição do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), agendada a pedido do PSD para falar sobre o assalto aos Paióis Nacionais de Tancos, durou cerca de duas horas. Ao contrário do que é habitual com chefes militares, foi à porta aberta — muito por causa das fugas de informação durante a audição do general Rovisco Duarte, chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), há cerca de três semanas.
Pina Monteiro fez toda a sua intervenção apoiado numa declaração escrita que leu aos deputados depois de dar luz verde a que a audição acontecesse à porta aberta e também depois de os próprios deputados, da direita à esquerda, defenderem essa solução como forma de evitar que, na comunicação social, se repetisse o relato quase em direto das declarações do general Rovisco Duarte, quando foi ouvido na mesma comissão de Defesa.
Informado do assalto em Bruxelas
O CEMGFA estava em Bruxelas, a 29 de junho, com o ministro da Defesa para participar na reunião ministerial dos responsáveis europeus quando lhe chegou a informação de que tinha havido uma invasão dos Paióis Nacionais de Tancos (PNT). “Foi aí que, através do senhor ministro da Defesa, tive conhecimento de que fora detetada uma intrusão no perímetro dos PNT e que foram roubados explosivos, granadas e outro material e que Polícia Judiciária já tinha tomado conta da situação”, começou por explicar.
Para que pode servir o armamento roubado em Tancos? É assustador
Foi logo no dia seguinte que teve acesso aos primeiros dados sobre o material levado dos paióis. “Desse material, apenas foram considerados não perigosos os 14 disparadores de tração lateral inertes — eram considerados inertes –, e 30 granadas de mão ofensivas, que, recordo, são granadas para instrução. Todo o restante material era assumido como estando ativo e operacional“, começou por referir na audição desta terça-feira, na comissão de Defesa.
Mas entretanto terá recebido mais informação, que o levou a desvalorizar o estado do material na conferência de imprensa convocada pelo primeiro-ministro a 11 de julho. Nesse dia, o CEMGFA esteve em São Bento com os outros chefes militares e com o ministro da Defesa, para dizer que os lança-granadas foguete — os chamados LAW anti-carro — poderiam não funcionar: “Os lança-granadas foguetes que foram roubados provavelmente não terão possibilidade funcionar com eficácia, porque estavam selecionados para serem abatidos”disse Pina Monteiro na presença de António Costa. E acrescentou: “O Exército avaliou em detalhe e esse, que é talvez o que mais significado tem em termos de potencial de perigo, não tem a relevância que provavelmente quem os levou achou que poderá ter.”
Perante os deputados, o CEMGFA voltou a usar a mesma informação: “Sobre o material desaparecido, e este é um ponto que julgo importante, para além do seu valor patrimonial, que já era conhecido, [o CEME] indicou que estava em condições de assegurar que os lança-granadas foguete não estavam em condições de serem utilizados operacionalmente porque tinham sido selecionados para abate“. Ou seja, aos disparadores de tração lateral e às granadas de mão ofensivas juntavam-se, assim, os lança-granadas como fazendo parte de uma conjunto de armamento que não podia ser “utilizado operacionalmente”. Mas isso que dizer que as armas não funcionam?
Ativo, eficaz, inoperacional… como estava o armamento furtado?
Logo de seguida, Pina Monteiro utilizou uma formulação diferente daquela que tinha acabado de ler na sua intervenção escrita e disse que as armas furtadas “provavelmente não poderiam ser usadas com eficácia porque estavam assinaladas para abate”, de acordo com a informação mais atualizada de que o Exército dispunha e de que o general teve conhecimento em São Bento. “Considerei que essa informação devia ser divulgada publicamente, caso contrário, poderia acontecer que, no dia seguinte, acusassem as Forças Armadas, num qualquer jornal, de omitir informação sobre o estado do material”, explicou.
Em resposta a uma intervenção do deputado Bruno Vitorino (PSD), que sugeriu que Pina Monteiro assumiu o protagonismo do caso com a sua intervenção na residência oficial do primeiro-ministro, o general reafirmava que os LAW poderiam não ser eficazes:
Só este artigo [os LAW] é que não estaria em condições de ser utilizado com eficácia. O outro material é considerado ativo. (…) Os lança-granadas foguete não poderão ser utilizados com toda a sua eficácia, não estão operacionais.”
Acrescentava ainda: “Neste momento, apenas e só, [daquilo que é] meu conhecimento, os sistemas de lança-granadas foguete, as granadas inertes e os disparadores multilaterais são considerados, não perigosos. E os LAW’s são considerados sem utilidade operacional e o Exército comprovou-me isso de forma clara”, afirmou o CEMGFA.
Entre as explicações do general Pina Monteiro e as que dera o CEME aos deputados no dia 6 de julho, o deputado João Rebelo (CDS) encontrava “muitas contradições”, admitindo ter ficado “cheio de dúvidas” quanto à situação do armamento. O centrista sublinhava, no entanto, o facto de nunca ter sido referido que o material estava “obsoleto”, sugerindo que as armas furtadas continuavam a poder ser utilizadas mediante algumas “correções” de eventuais deficiências.
Só então o general CEMGFA foi mais longe nas explicações:
Como é material que ainda está em operação, também não devemos, em público, dar instruções a quem possa tê-lo para poder aproveitar. Não com a sua eficácia, mas aquilo tem uma granada, naturalmente não é fácil utilizar, porque é de efeito dirigido. Por isso disse que não poderá ser utilizado com a sua eficácia. A sua eficácia tem a ver com a utilização para aquilo que foram concebidos que é para destruir viaturas blindadas, com as suas características, que são complexas, desde o sistema de pontaria, o sistema de disparar. Com a evolução do tempo, deu origem a outras armas, mas é uma arma perigosa, muito eficaz, funcionando”.
Foi preciso esperar até à intervenção final do general Pina Monteiro — que recusou entrar em detalhas sobre a “perigosidade” de cada um dos materiais furtados — para que o CEMGFA garantisse que o material está em condições de ser usado. “De facto, na minha intervenção, nunca quis desvalorizar [o perigo do armamento] mas apenas recordar algo que estava a ser… corríamos o risco sermos acusados de ter omitido [informação], mas, infelizmente, o que se verificou foram múltiplas intervenções em que o material passou a ser obsoleto e não é, e não é”.
O BE, através do deputado João Vasconcelos, procurou saber se todo o material dado como desaparecido foi mesmo furtado entre 27 e 28 de junho, quando tinha sido feito o último inventário, se os militares estavam ou não desarmado. Idália Serrão (PS) questionou o general sobre o que estava a ser feito para recuperar o material de guerra, mas tudo o que tinha a ver com a investigação ao assalto ficou sem resposta. “A investigação está sob a alçada da PJ e eu não tenho nenhum conhecimento sobre a sua evolução”, referiu o CEMGFA. O general garantiu ainda que o material estava todo nos paióis e negou a versão de que o material não estaria lá quando se deu o furto.