O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos voltou a defender, em entrevista à edição em espanhol da BBC, a continuação da revolução bolivariana na Venezuela, destacando que é preferível “prestigiar minimamente a Assembleia Constituinte, preparar um referendo, submeter [a nova Constituição a referendo] e se for derrotada, é derrotada; se ganhar, ganha”.
Para o académico, que diz estar do lado do povo venezuelano e defender a estabilidade democrática no país, há uma forte polarização na Venezuela, que está a atingir níveis extremos. “Não nos podemos esquecer de que tudo isto começou quando a oposição ganhou as eleições em 2015. Ganhou as eleições legislativas, não a presidência, mas a primeira coisa que disse foi: ‘Há que destruir a revolução bolivariana e destituir Maduro'”, sublinha Boaventura de Sousa Santos.
“Ou seja, as primeiras declarações do novo presidente do parlamento são para destruir tudo o que aconteceu antes. Isso não é normal. E não nos podemos surpreender que os que estão com o presidente, os que estão com o governo, comecem a pensar em maneiras de se defender. E estou feliz que a maneira que tentaram até agora tenha sido uma Assembleia Constituinte, pois podia ter sido o recurso a uma luta armada, e sabemos que na Venezuela há muitas armas”, afirma.
Para Boaventura de Sousa Santos, o caminho correto para a Venezuela é continuar a revolução bolivariana começada por Hugo Chávez. “A maioria votou a favor da oposição” nas eleições legislativas de 2015, reconhece. “Mas a verdade é que quando se organizaram as eleições em 2015 as maiorias estavam muito pouco contentes com alguns dos desenvolvimentos da revolução bolivariana, mas queriam continuá-la: corrigi-la, não eliminá-la“, considera o sociólogo.
“Parece-me que a maioria dos venezuelanos não quer exatamente o tipo de políticas bolivarianas que Maduro está a realizar neste momento, mas quer algo que siga o mesmo projeto de inclusão social, de dar mais poder às comunas, aos mais pobres, etc. Não é eliminar de todo as conquistas que se atingiram desde 1998”, afirma ainda, destacando que está a haver “uma interferência norte-americana muito forte” para “boicotar todo o processo bolivariano da Venezuela“.
Apesar de defender que a Assembleia Constituinte é um caminho aceitável para a definição do futuro do país, Boaventura de Sousa Santos não defende completamente o presidente Nicolás Maduro. “Teria sido melhor continuar com a Constituição de 1998, e muita gente acredita que isso seria possível”, diz. No entanto, o sociólogo explica que não se pode recusar, uma vez que é uma possibilidade do presidente Maduro “perante um bloqueio da Assembleia Nacional”.
“O que é claro é que a Venezuela não é uma ditadura, porque se fosse uma ditadura não se podia fazer o que a oposição está a fazer: queimar centros de saúde, queimar escolas, um helicóptero que bombardeia o tribunal supremo, a oposição na rua a provocar todo o tipo de problemas, de provocações…”, considera, acusando os meios de comunicação internacionais de “não mostrar a realidade da Venezuela”. “Defender a Venezuela é defender um pouco a democracia e uma saída não violenta para esta crise, porque se há uma saída violenta para os venezuelanos, todo o mundo em geral vai sofrer”, destaca.
O grande problema no país atualmente, assegura, é a polarização extrema. A oposição “ganhou as eleições e decidiu que a única maneira de poder conquistar e fazer valer a sua vitória era destruir a revolução bolivariana e não corrigi-la”. Para Boaventura de Sousa Santos, “esse é o problema hoje, essa é a causa da polarização, porque quando se pensa que não há que corrigir os erros, mas sim destruir, então é preciso fazer algo mais radical”.