McKayla Maroney ganhou duas medalhas de ouro nos Campeonatos do Mundo de 2011 com 15 anos. E conquistou mais um ouro e uma prata nos Jogos Olímpicos de 2012. E voltou a ganhar o ouro nos Mundiais de 2013. Retirou-se em 2016. Agora, com 21, decidiu partilhar aquilo que escondeu durante anos a fio: um passado difícil, com abusos sexuais desde os 13, que muitas vezes colocou a ginasta a pensar se haveria dia seguinte. E, em nove parágrafos postados no Twitter, conseguiu provocar um misto de choque e de solidariedade.
“As palavras de toda a gente nos últimos dias têm sido tão inspiradoras para mim. Sei como é difícil falar publicamente sobre algo tão horrível e tão pessoal, porque também me aconteceu.
As pessoas devem saber que isso não acontece apenas em Hollywood. Isso acontece em todo o lado. Onde quer que exista uma posição de poder, parece haver potencial para abusos. Eu tinha o sonho de ir aos Jogos Olímpicos e as coisas que tive de suportar para lá chegar foram desnecessárias e repugnantes.
Fui vítima de abusos pelo dr. Larry Nassar, o médico da equipa nacional de ginástica dos Estados Unidos e da equipa olímpica. O dr. Nassar disse-me que estava a receber ‘tratamento médico necessário que tinha vindo a fazer nos seus pacientes ao longo de 30 anos’. Começou quando tinha 13 anos, num dos meus primeiros campos de treino da equipa nacional, no Texas, e não terminou até deixar o desporto. Parecia que, quando e onde pudesse, o homem arranjava maneira de ser ‘tratada’. Aconteceu em Londres antes da minha equipa e eu ganharmos a medalha de ouro, aconteceu antes de ganhar a minha prata. Para mim, a noite mais assustadora da minha vida aconteceu quando tinha 15 anos. Voei com a equipa durante todo o dia e à noite para Tóquio. Ele deu-me comprimidos para dormir durante o voo e a coisa seguinte que me recordo é de estar sozinha no meu hotel a receber ‘tratamento’. Pensei que ia morrer nessa noite.
Os Jogos Olímpicos é algo que traz às pessoas esperança e alegria. Inspira as pessoas para lutar pelos seus sonhos porque nada é impossível com muito trabalho e dedicação. Lembro-me de ver os Jogos de 2004. Tinha oiro anos e disse a mim mesma que um dia iria usar aquela malha vermelha, branca e azul e que iria competir pelo meu país. Claro que, vendo de fora, é uma história fantástica. Consegui. Cheguei lá, mas não sem um custo.
As coisas têm de mudar… Mas por onde começamos? Não sou uma especialista, mas estas são as minhas ideias;
Um: falar e chamar a atenção para os abusos que acontecem;
Dois: pessoas, instituições, organizações, especialmente aquelas em posições de poder têm de ser responsabilizadas pelas suas ações e comportamentos inapropriados;
Três: educar e prevenir, a qualquer custo;
Quatro: ter tolerância zero com os abusadores e aqueles que os protegem.
É possível pôr fim com este este tipo de abusos? É possível que os sobreviventes falem sem colocarem as suas carreiras e os seus sonhos em risco? Espero que sim.
O nosso silêncio deu poder às pessoas erradas durante muito tempo e é tempo de recuperar de novo o poder.
E lembrem-se, nunca é demasiado tarde para falar.
McKayla, primeira americana a conseguir revalidar o título mundial no salto, sempre foi um exemplo no país.
Filha de um antigo jogador de futebol americano e de uma ex-patinadora, entregou-se desde miúda à ginástica, tendo como principal referência a campeã olímpica de 2004, Carly Patterson. Ficou também conhecida por ser uma das ‘Fierce Five’, a equipa norte-americana que dominou os Jogos de 2012 em Londres. E com outra curiosidade: após ter ficado apenas com a prata no salto, a expressão com o lábio torcido, como que duvidando das notas atribuídas, acabou por tornar-se viral, ao ponto de, quando foi recebida na Casa Branca, ter tirado uma fotografia com a mesma cara ao lado de Barack Obama… que não lhe ficou atrás. Depois de se ter retirado por problemas físicos, aos 20 anos, anunciou que vai arriscar uma carreira na música, ao mesmo tempo que tentará prosseguir as aparições como atriz, como a que teve na popular série ‘Ossos’.
O testemunho de McKayla vem no seguimento de muitos outros ligados a Larry Nassar, atualmente detido, como o da capitã e também campeã olímpica Aly Raisman, que deu o passo em frente em agosto para se tornar numa espécie de símbolo na luta contra a regeneração da ginástica norte-americana, que tem estado em ebulição.
“Temos de abordar esta questão. As raparigas deveriam sentir-se cómodas em chegar à equipa e dizer claramente: ‘Preciso de ajuda, quero terapia’. Parece que as pessoas ainda não se deram conta de que este senhor foi médico da equipa durante 29 anos. Tenha ou não feito algo a cada uma das ginastas, elas conhecem-no, sabem quem é. Para aquelas de quem não abusou, fica sempre o trauma e a ansiedade de pensar o que poderia ter acontecido”, tinha destacado AlyRaisman, em agosto
Recorde-se que, no seguimento de uma grande reportagem do Indy Star, de Indianapolis, sobre os alegados abusos sexuais de treinadores e membros do staff em alguns dos 3.500 ginásios em todo o país, a Federação Americana de Ginástica iniciou uma investigação independente para aferir sobre a situação e alterar as políticas adotadas pela organização.
Aly, a campeã olímpica que cresceu a ver cassetes VHS e quer mudar a ginástica americana
Em junho, 70 recomendações feitas pela antiga procuradora Deborah Daniels foram aceites e qualquer ginásio que não seguisse esse guião seria automaticamente excluído da USA Gymnastics. Foi também contratado Toby Stark, advogado, para dirigir o programa SafeSport.