Em 2001, Jon Favreau começou “Dinner For Five”, um programa do canal americano IFC em que o ator e realizador se sentava à mesa com personalidades da cultura popular e, enquanto comiam, falavam espontaneamente sobre os mais diversos temas. O espírito era livre e ao invés de se enfiar na vida pessoal dos convidados, “Dinner For Five” concentrou-se nas conversas que a informalidade de uma refeição pode proporcionar. Esteve no ar durante quatro anos e por aquela mesa passaram dezenas de convidados: J.J. Abrams, Oliver Platt, Roger Corman, Zooey Deschanel, Richard Donner, Catherine Kellner, Rob Zombie, Maggie Gyllenhaal, Daryl Hannah e Tony Hawk foram alguns deles.
Ora “Dinner For Five” não é aqui a inspiração direta mas o princípio é mais ou menos o mesmo. Conversas não preparadas, “em vez fazer algo formatado, vou lá a tua casa e, sem combinar nada, fala-se”. Este foi o pitch de Bruno Nogueira para convencer Miguel Esteves Cardoso a alinhar em “Fugiram de Casa de Seus Pais”, um programa de conversas que se estreará na RTP1 no próximo dia 5 de Dezembro, no horário atual de “A Criação”. Ao todo serão treze conversas, perdão, episódios. Doze delas terão lugar em casa de Miguel Esteves Cardoso, o cenário original pensado para tratar de toda esta informalidade. O último funcionará como sobremesa e café, só com Bruno Nogueira e Miguel Esteves Cardoso, à mesa, num restaurante, como um remate final das conversas. Uma conversa sobre as conversas, portanto.
Simples e confortável: foram estes detalhes que atraíram Miguel Esteves Cardoso. O formato de entrevista não lhe interessava:
“Uma conversa, como entrevista, nunca é uma conversa. São perguntas e respostas, que normalmente as pessoas combinaram antes e o entrevistado fica em casa a pensar, a investigar, a medir as palavras.” E decidiu aceitar o desafio, aproveitar a ocasião para ficar a conhecer um bocadinho melhor Bruno Nogueira: “Tínhamos de conversar. Não nos conhecíamos muito bem. E se fosse uma merda, era uma merda”.
“Fugiram de Casa de Seus Pais” abraça a espontaneidade de uma conversa, algo que acontece naturalmente quando dois seres humanos estão no mesmo sítio a passar tempo. Mas qual é o ponto de partida? Para Miguel Esteves Cardoso “não havia ponto de partida”. “Somos humanos e não nos conhecemos muito bem. E começámo-nos a conhecer. A parte mais gira da nossa relação foi que nos tornámos amigos. Quando fazes um programa destes com amigos, pessoas que já conheces, nunca é tão bom como te dares àquela coisa de te conheceres. É como uma história de amor.” Bruno Nogueira é menos romântico e mais prático: “O ponto de partida era o que nos apetecia falar naquele dia. E se um estava mais criativo do que o outro, era esse que puxava a conversa”.
Sérgio Graciano, realizador de algumas das mais recentes séries da RTP1 (“A Criação” e “País Irmão”), percebeu que o projeto poderia ter uma vertente cinematográfica:
“Acho que deveria ser uma história clássica, em que o Miguel e o Bruno se relacionassem harmoniosamente num meio onde que não se estranhasse. E queria que fosse cinematográfico, porque acho que é um projecto com essas características. E em conversa com o Bruno percebi que tínhamos de nos concentrar no que as pessoas estão a dizer”.
Como instigador da ideia, Bruno Nogueira entra em casa de Miguel Esteves Cardoso como um realizador que vai filmar as suas conversas. Um pouco à maneira de “Som de Cristal”, uma espécie de pequeno artifício para tornar o início da conversa mais apelativa para o telespectador. Mas do que se fala em “Fugiram de Casa de Seus Pais”? Dos mais variados temas. A conversa é sobre nada, só que, ao contrário de “Seinfeld”, não é treinada, não é escrita: “É descer à condição de humano e falar. A conversa de ocasião é um tipo de conversa muito valioso, porque falas para passar o tempo, até falas sobre o tempo ou sobre as tuas desilusões. Tudo isso surge naturalmente”, diz Miguel Esteves Cardoso.
A atualidade não entra aqui: “Quisemos fugir da atualidade, porque todos os outros programas já falam da atualidade. E o problema da atualidade é que deixa de ser atualidade. E queremos que o programa continue a ter interesse daqui a uns anos”, confessa Bruno Nogueira.
E os convidados? “Eram pessoas que sabíamos que tinham coisas interessantes para dizer, pessoas que conhecíamos ou que admirávamos e que sabia que iriam fazer a conversa andar. Não queríamos pessoas chatas.” Gisela João, Nuno Markl, Rodrigo Guedes de Carvalho, Capicua, José Avillez, Zé Pedro Gomes, Rita Blanco, Ricardo Ribeiro, Ana Bola, Mário Laginha, Júlia Pinheiro e Miguel Guilherme são os ilustres que tiveram carta branca para entrar nestas conversas.
A partir de 5 de dezembro poder-se-á participar passivamente nestas conversas. Ou seja, só a escutar (e ver) na televisão. Talvez se aprenda um pouco sobre o amor, a atitude a ter durante uma conversa no trânsito ou algo sobre os limites de dar umas palmadas nos filhos. Ou só mesmo a conversar. Quase tudo cabe em “Fugiram de Casa de Seus Pais”. Só não há lugar para conversa da treta.